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terça-feira, 18 de agosto de 2015

2918 - os gregários da Praça Manet


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O BISCOITO MOLHADO

Edição 5168                                  Data:  13 de agosto de 2015

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NA ACADEMIA DA TERCEIRA IDADE

 

Neste mês de agosto, faz um ano que instalaram a Academia da Terceira Idade, no chamado pretensiosamente de “ringue de patinação” da Praça Manet.  Estávamos há dois meses das eleições e vi, com alegria, colocarem lá os aparelhos de ginástica. É verdade que os cabos eleitorais não puseram um só galhardete da candidata à Câmara Federal, Cristiane Brasil, aquela que levou a frente esse projeto, nem sequer seu nome era citado; com certeza, julgavam que, assim, os méritos seriam dos três candidatos que eles pretendiam eleger.

Passou um ano e me exercitei lá todas as manhãs de sábado, domingo e feriado; de umas semanas para cá, acrescentei as tarde de terça, quarta e sexta feira. Tanto de manhã, quanto de tarde, não encontro idosos lá. É verdade que, no horário em que apareço, 5h 30min, muitos ainda dormem, porém não há desculpas para eles, pois, mesmo em horas mais civilizadas do fim de semana e feriado, olho da janela da minha casa e constato que são muito poucos os que estão lá lutando para fugir do sedentarismo.

De tarde, nos dias mencionados, também não tenho a companhia deles, mas as crianças sempre se fazem presente na Academia da Terceira Idade. Anteontem, eu estava no simulador de caminhadas, quando três petizes irromperam o antigo ringue de patinação adentro; eram uma menina de uns 4 anos e dois meninos de uns 8 anos. A garota correu para o esqui, mas quando tentava balançar o seu corpo com os bracinhos, o gordinho da turma subiu atrás dela e passou a puxar alternadamente, com força, as alavancas do aparelho. A menininha gritou apavorada que ia cair e saltou fora. O outro garoto, que parecia mais sossegado, enquanto isso se distraía com o trilho para equilíbrio e, consequentemente, aprimoramento do cerebelo, das atividades motoras. Ele não tinha a menor ideia do que se tratava, era mais um brinquedo e para a garotinha também, que, agora estava lá.

O guri mais agitado se divertia agora com um equipamento com peças que ele erguia com as duas pernas e, em seguida, largava, provocando um estrondo que, pelo que eu percebia, lhe soava como música. Meu ímpeto era adverti-lo, mas um berro que veio do local dos verdadeiros brinquedos infantis, que ficam em terra batida, de quem parecia ser o seu pai, “para com isso”, me deteve.  Ele não parou e eu, percebendo que era mais um dos milhões que fogem dos padrões da boa educação, me contive para não me irritar.

Quando saí do simulador de caminhadas, fiz o de costume: rumei para a rotação vertical que é parte integrante do aparelho em que o gordinho encapetado se achava. Mal comecei a girá-la, ele provocou uma batida entre os ferros que estremeceram ainda mais os meus tímpanos.

-Assim, você vai quebrar isto. Não está vendo que esta cadeira já foi quebrada por um moleque? Você quer quebrar agora o que restou?

Surpreendi-me com o seu tom de voz depois de me ouvir, contrastava inteiramente com a minha rispidez.

-Por que a sua pele é assim?

-Assim, como? - amansei a minha fala também.

-Solta.

A minha surpresa persistia e ele, que agora se comportava bem, prosseguiu:

-Meu avô tem a pele igual a sua.

Em casa, diante do espelho, procurei ver se estava mesmo pelancudo.

No dia seguinte, foram dois miúdos de uns 9 anos que irromperam a Academia da Terceira Idade, enquanto eu intentava tornar menos flácida a minha pele com puxões alternados nas alavancas dos esquis. Eles trajavam o uniforme escolar da prefeitura e correram diretamente para o simulador de caminhada.

É o brinquedo preferido pela garotada. - pensei comigo mesmo.

-No entanto, mal eles me viram, vieram se juntar a mim, ocupando os dois lugares do aparelho que estavam vazios.

Não se mostraram ariscos com os adultos, um bom sinal, eram gregários.

-Vou fazer como o senhor faz. - disse o que estava mais à minha esquerda.

-Eu vou fortalecer a minha perna para o futebol. - disse aquele que se encontrava entre mim e o outro.

-Vocês estudam nesta escola – indiquei com o queixo – a Manoel Bomfim? Eu estudei nela.

-Eu estudo ali, na Escola Jean Mermoz. - apontou.

-Espera lá, a Jean Mermoz não fica ali, fica na Rua São Gabriel.

-Fica não.

-Fica na São Gabriel sim. - concordou comigo aquele que queria fortalecer a musculatura da perna.

-Ali, para onde você apontou, é a Rua Honório, que você vai descer para, depois, entrar na Cachambi e, em seguida, subir a São Gabriel. - expliquei.

-Por que vocês vêm de tão longe para cá? - indaguei.

-Para fazer ginástica.

-Caramba! Andar de lá até aqui já é uma ginástica.

-Nós viemos naquele carro. - indicaram um Monza estacionado na Rua Modigliani bem atrás de nós.

-Eu vi a inauguração da escola de vocês.

Não lhes contei que a inauguração se deu na época em que o governador Carlos Lacerda tentava emplacar o seu Secretário de Educação, Flexa Ribeiro, como seu sucessor no governo da Guanabara. Muitos anos estavam reservados para os dois aprenderem isso.

-A Jean Mermoz fica em frente à Rua Americana, onde eu ficava muito quando mais jovem.

-Rua Americana?...

-Não é aquela que desce?

-Desce até terminar na Rua Basílio de Brito.

-Onde tem uma padaria? - perguntou o garoto da esquerda.

Há muitos anos que não passo por lá, mas confirmei, pois, ao contrário do que diz o Dieckmann sobre Santa Teresa, ainda não acabaram com as padarias do Cachambi.

-Você mora sozinho? - mostrou-se curioso o menino do meio.

-Não, moro com a minha mãe naquele prédio ali atrás. E você?

-Eu moro com a minha mãe e meu pai, pai não, padrasto.

E prosseguiu o garoto que ainda conseguia executar o movimento de vaivém do esqui sem puxar as alavancas com os braços.

-Meu padrasto tem 102 anos.

Nessa hora, calculei que a esposa estivesse com uns 70 anos no mínimo e expressei a minha curiosidade:

-E a sua mãe?

-50 anos.

-Ela diz que tem 40, mas tem, mesmo, 50.

-O seu padrasto está bem de saúde?

-Ele me ganhou numa corrida no corredor do nosso apartamento.

-Ele deve comer verdura, legume, feijão, arroz, peixe, frutas?

-Ele come de tudo, só não come plástico e ferro.

Só faltava me dizer que o macróbio bebe álcool e fuma.

-Ele bebe? Fuma?

O não foi rotundo.

-Ele é evangélico; até canta hinos da igreja.

-Pertence à igreja do bispo Macedo? - explorei a tagarelice dos meninos.

-Não; a igreja dele fica em Nova Iguaçu.

-Desisto; o senhor me ganhou. - disse o menino à esquerda, descendo do estribo do esqui.

-Minhas pernas são mais compridas do que as suas, só por isso eu ganhei.

-Crianças, vamos. - gritaram do carro.

-Até outro dia. - despediram-se de mim.

-Não deixem de aparecer nesta hora. - pedi aos dois.

 

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