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segunda-feira, 24 de agosto de 2015

2923 - pensando bem


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O BISCOITO MOLHADO
Edição 5173                        Data:  20 de agosto de 2015
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METRÔ – IDA À ESTAÇÃO E CONVERSAS
 
IDA
Por que vou, por volta das 5h 30min da manhã, a pé até o metrô de Del Castilho? Acredito que seja um resquício das corridas que eu fazia desde 1983, antes de ir trabalhar. Passaram-se os anos e o que chegou a ser uma corrida de uma hora de duração é, agora, uma caminhada de 15 minutos, que ainda me faz ser grato às minhas pernas como Brás Cubas de Machado de Assis. 
                   No caminho, passo pelo que já recebeu o cognome de beco da morte, que é o corredor estreito que liga a Avenida Suburbana até a escadaria de 45 degraus que leva à passarela da estação do metrô. Exageraram, porque eu passava por lá antes de me tornar freguês dos taxistas do ponto Domingo de Magalhães, ou seja, transitava pelo beco indo para o trabalho e voltando, e, nessa minha experiência, não soube de ninguém que morrera ali. Soube sim de um assalto, contado pela vítima, numa tarde, que desancou o Padre João, da Igreja Nossa Senhora do Rosário, porque, segundo ele, o padre impediu que o caminho do beco atravessasse o meio do terreno da igreja. Será que a proximidade física maior com a casa do Senhor regeneraria o assaltante que, assim, se tornaria um novo São Dimas? Não creio.
                   Falando de dias mais recentes, nessa minha passagem pelo beco tenho visto cracudos perambulando, viciados fumando debaixo da escadaria e passageiros do trem do ramal de Belford Roxo, o popular matassapo, que, para não pagarem a passagem, aproveitam o buraco que fizeram no alambrado, sob essa escadaria, saltam do muro para a linha férrea e, entre os dormentes, caminham até a estação de Del Castilho da Supervia, onde dão outro salto, agora para cima, colocando-se entre os pagantes que aguardam o trem.
                   Testemunho essas irregularidades, mas, no que diz respeito a assaltos aos cidadãos que pagam impostos escorchantes, não soube de nenhum, por isso, não me privo da minha curta caminhada.   
                   Ontem, porém, houve um ponto fora da curva (também aqui vai a nossa contribuição para tornar a imagem geométrica do ministro do STF, Luís Roberto Barroso, um clichê), eu dera uns dez passos a caminho da mencionada escadaria, quando vi que, do lado contrário, caminhava um sujeito. Ao me notar, olhou para trás. Não vinha, infelizmente, ninguém. Éramos eu e ele naquele beco, suspeitei que seria assaltado. Não cruzou comigo, veio em minha direção.
                 -Eu quero sair do tráfico...
                
                 Entendi que dissera “alemão”, provavelmente o morro.
                 -Vai falando que eu vou ouvindo.
                 Disse-lhe isto sem parar um momento, creio até que acelerei os passos.
                 -A minha filha precisa de leite, chora... Eu não sou ladrão, tio... Mas eu não suporto ver a minha filha chorar...
                  -Já sei; você quer dinheiro.
                  Nesse instante, eu parei e levei a mão para o bolso traseiro da minha calça, coberto por um casaco, porque entrara uma frente fria na cidade.
                  -Não é isso... não é isso.
                  Na hora não entendi sua reação; mais tarde, aventei a hipótese de ele ter julgado que eu puxaria uma arma, pois a minha voz era firme e meu gesto rápido de levar a mão para trás, para um lugar do meu corpo que ele não via, por causa do casaco, o assustara.
                  Senti-me mais aliviado, e apressei as passadas, pisando já os primeiros degraus da escadaria, mas ele não desgrudava de mim.
                  -Tio, eu preciso do leite.
                   Michael Jackson pedia ao seu médico particular “milk”, o coquetel de drogas que o mataria. É verdade que esse pensamento me vem agora, quando escrevo, pois, na hora, eu só pensava em sair fora do que me parecia uma iminência de assalto.
                   -Então, você quer dinheiro?
                   -Aqui está escuro.
                   -Está, vamos para lá, que está mais claro, onde eu posso ver o dinheiro.
                   Já estávamos na passarela, e surgiam pessoas que vinham pela outra escadaria. Sem nunca parar, tirei a carteira do bolso e tive o cuidado de direcionar os meus dedos para a parte das moedas.
                   -Mas não dá para comprar o leite. – disse-me com a mão espalmada onde eu pusera duas moedas perfazendo R$ 1,50.
                  -Mas não dá para o leite... – insistiu.         
                  Tarde demais para ele e para os eleitores que votaram na Dilma acreditando que a inflação estava dentro da meta, nós dois já descíamos os primeiros degraus da estação do metrô de Del Castilho, onde se destacavam dois seguranças.
                   -Não dá...
                   -Dá sim.
                   E ele seguiu seu caminho, atrás, certamente, de mais R$ 3,50, para poder comprar o seu leite, ou “milk”.
 
                   CONVERSAS
         Não são todos os passageiros do metrô que estão dormindo, quando sentados, principalmente se há idosos nas proximidades, ou que estão absorvidos pelos seus celulares e smartphones, de pé ou abancados, há aqueles que conversam. Quando as conversas me interessam, eu as ouço discretamente.
        Dia desses, dividi o espaço entre o balaústre e a porta com quatro pessoas, entre elas, uma que expressava, com os seus sapatos surrados e roupa amarrotada, a dignidade de um trabalhador. Quando a porta se abriu em Maria da Graça,  entrou um sujeito de uns 40 anos, como ele, mas um pouco melhor trajado, notei que seu rosto se alegrou. Sem perda de tempo, tomou a iniciativa.
        -Então, tudo certo?
         Depois de se cumprimentarem com um aperto de mão, o sujeito que acabara de embarcar, lhe perguntou.
        -Está indo para onde?
        -Para a Tijuca no prédio do Bradesco.
        -Conheço esse Bradesco; você vai ter de saltar na estação de Afonso Pena e andar um pouquinho.
-Faço a baldeação na Central.
-Algum trabalho por lá?
-Estou limpando as janelas e hoje eu vou limpar as janelas até o décimo andar.
-Décimo andar?
-Tenho de ir cedo, porque tem menos gente passando pelas calçadas, menos pessoas para reclamar que está caindo água lá de cima.
-Você faz a limpeza pendurado naquela cadeirinha?
-Com a gente não tem esse luxo, não; é na corda, mesmo.
Será que o Bradesco não tem dinheiro para comprar cadeirinhas para os trabalhadores mais humildes arriscarem a vida?- perguntei-me.
-Aquela corda é um sufoco. – comentou o interlocutor que entrara em Maria da Graça.
-Eu é que sei; nem olho lá pra baixo quando estou preso naquilo.
-Mas você tem de olhar, se não vai cair pingos d’ água nas pessoas.
-Pior se eu cair nelas.
-É verdade.
-Então, morre todo mundo. - expressou seu conformismo macabro.
-Quanto você ganha por mês?
-Mil e trezentos reais.
-O que é isso?!... Uns dois salários mínimos.
-Mas já penso em largar esse emprego e procurar outro.
-Mais vale um pássaro na mão do que dois voando; só larga se estiver certeza absoluta que o outro emprego é certo.
-Eu sei; tem gente por aí que está matando cachorro a grito; aceitaria o meu lugar sem cadeira, sem corda, sem nada.
-Sim.
-Como o Bradesco comprou o HSBC, vai haver mais janelas para limpar.
-Vai, mas com o mesmo número de trabalhadores, o meu serviço vai aumentar. Se eu puder largar, largo mesmo.
-Mas, meu amigo, mesmo não estando pendurado no décimo andar, continue tendo cuidado.
O trem do metrô já havia parado na estação da Central, e muitos passageiros se acercaram da porta que se abriria.
-Vou nessa. Até outro dia.
-Fica esperto.
-Tenho de ficar, se não, despenco lá de cima.
Depois que o trem do metrô reiniciou a viagem, o que ficara emudeceu durante todo o tempo em que eu estive próximo a ele, entregue aos seus pensamentos.

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