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sexta-feira, 31 de julho de 2015

2907 - pisando em falso


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O BISCOITO MOLHADO

Edição 5157                            Data:  28de julho de 2015

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SABADOIDO

2ª PARTE

 

-Mal comparando, pessoas, para mim, são como balanços, só me afasto daquelas em que o passivo é maior do que o ativo.

-Mas Carlão, o passivo não tem de ser igual ao ativo?

-Daniel, isso em contabilidade; eu estou usando uma licença poética. Então, vá lá: eu só evito as pessoas com passivo a descoberto.

-Estive anteontem, com o Luca, que me entregou um mimo da Rosa: uma réplica do mais conhecido quadro do Édouard Manet, em que ela escreveu “Piquenique na Praça Manet”. É aquele que, mal traduzido, chamam de “Almoço na Relva”.

-A Rosa deveria escrever “Piquenique no Sangue e Areia.”

-Gina, não tem relva lá, na Praça Manet, agora o campo é de carpete.

-Então, Carlão, “Piquenique no carpete”, de Mané.

-Bem, Daniel, é o título que melhor espelha a realidade de hoje. - concordei.

-A igreja, na missa do Vagner, estava lotada. - reclamou meu irmão.

-O Luca, quando estive com ele, se encontrou, na missa, depois de décadas, com o Rogério. Pelo que o Luca me contou, o Rogério continua com aqueles gestos espalhafatosos, falando alto e sem tomar fôlego mesmo na igreja.

-Eu nem consegui ver o Rogério de tanta gente. - lamentou o Cláudio.

-Daniel, se você conhecer o Rogério, ele certamente não escapará do seu vasto repertório de imitações.

-Cumééééééééééérça. - imitou meu sobrinho o Luca, que chamava, às vezes, o Vagner de Cumercindo ou Cumerça. 

-Sua mãe, agora, que deu presença de vida, está mais calma?- perguntou-me a Gina.

-Ela já vinha se torturando com isso há mais de um mês.

-Vinha torturando todo o mundo. - rezingou meu irmão.

-Foi uma operação de guerra levá-la à Caixa Econômica do Norte Shopping. - exagerei.

-Eu cheguei lá mais cedo e peguei logo a senha, enquanto o Lopo, a Suzete e a Verônica levavam a mãe de carro até lá para se encontrarem comigo.

-Levaram de carro e, dentro do Norte Shopping, de cadeira de rodas, que franqueiam durante quatro horas. - acrescentei.

-Por que você não foi também, Carlinhos?

-Gina, bem que a Verônica insistiu que eu fosse. Fiquei em casa e atendi vários telefonemas de felicitações pelos 89 anos da mamãe.

-Ela não voltou logo? - quis saber meu sobrinho que, naquele dia, trabalhava.

-Nada, Daniel, soube que se empolgou, depois de muito tempo sem ir à rua, que ficou horas no Shopping; comprou DVD nas Lojas Americanas, comeu torta na Praça da Alimentação, só não bebeu chope com o Lopo e a Suzete.

-E a Verônica, também não bebeu? - quis ele saber da prima.

-A Verônica ia dirigir. - expliquei.

-E você velho, não participou da festa?

-Daniel, eu já havia feito a minha parte; não podia demorar lá. Também tinha de suspender o pedido ao DNIT de uma assistente social ir até a casa da mãe para constatar a presença de vida.

Às palavras do Claudio, seguiram-se as da Gina:

-Eu, depois de muita luta no telefone, consegui falar com o DNIT, e eles garantiram que, era líquido e certo que, antes de três meses no mínimo, após o aniversário dela, o salário não seria cortado e que um assistente social iria lá, só não sabiam precisar quando. Mas a Dona Vivi, mesmo assim, continuou estressada.

-Gina, de tanto ver, na televisão e ler nos jornais, a falta de dinheiro no governo, o grande medo da mamãe era que a Dilma embolsasse a sua pensão se ela demorasse mais de um dia sem dar presença de vida. - justifiquei.

-Todo cuidado é pouco. - comentou meu sobrinho.

Retomei a palavra.

-O Luciano, marido da Verônica, me disse que a bolsa de estudos da UFF, que ele ganharia, foi cortada. Informou-me também que conhecidos seus, que receberam as chamadas bolsas sanduíche, para estudar no exterior, estão apavorados com os cortes nas verbas e que, aqueles, com menos de dois anos de bolsa, são os que mais sofrem na carne.

-Carlão, que negócio é esse de bolsas sanduíche? É para comer?

-Com a bolsa sanduíche, metade do gasto de um estudante brasileiro é paga pelo governo brasileiro e a outra metade pela instituição de ensino do exterior. Como o nosso governo cortou a verba, esse estudante tem de se virar com 50% apenas.

-É a Pátria Educadora da nossa presidenta. - manifestou-se a Gina.

-Ela á uma mescla de prepotência com incompetência.

Mudei de assunto com uma pergunta dirigida ao meu sobrinho.

-Daniel, assistiu aos jogos do Pan Americano?

-Pouca coisa.

-O que me chamou a atenção, além das disputas, é claro, foi o comentarista de atletismo do Sport TV.

-Por que, Carlão, ele não dominava o métier?

-Ele dizia os tempos de vários atletas que estavam competindo ou não, estivessem em atividade ou não.

-Muitas vezes, eles estão consultando revistas, e, como nós, tele-espectadores, não estamos vendo, julgamos que eles são detentores de uma mente enciclopédica.

-O que você está dizendo, Gina, me faz recordar uma partida de tênis comentada pelo Thomas Koch e o Álvaro José. Este se mostrava muito mais conhecedor do esporte do que aquele que foi um dos maiores tenistas brasileiros. Houve uma hora que o Thomas Koch não aguentou e disse: “Você está dizendo tudo isso com revistas nas mãos.”

-O Álvaro José era da equipe do Luciano do Vale na TV Bandeirantes. - lembrou o Claudio.

-Continuando o que eu dizia, esse comentarista conhecia muito de atletismo, mas torcia demais e, com isso, falava asneira.

-Exemplos, Carlão.

-A Juliana dos Santos ganhou medalha de ouro na corrida de 5 000 metros, maravilhoso, mas ele não disse, como eu soube pelos jornais, que o tempo foi muito fraco.

-Você critica o cara por isso? - cobrou-me o Claudio.

-Até então, tudo bem. No dia em que ela correu os 3000 metros com barreiras, esse comentarista informou que Juliana dos Santos, participava dessa prova pela primeira vez. Bem, as atletas começam a correr e a saltar, e ele diz que o ritmo estava muito lento. Como continuava assim, com duas americanas ponteando, disse que a Juliana estava cozinhando o galo, que seria servido para ela no prato. Achei estranho, porque a Juliana dos Santos era estreante para ter uma estratégia de atleta experiente. O locutor, então, pergunta a ele se o recorde do Pan Americano da prova seria quebrado. Ele garantiu que não, por causa da lentidão das atletas.

-Como terminou isso, Carlão? - impacientou-se o Daniel.

-A Juliana pisou em falso quando saltou uma barreira e caiu, saindo da corrida. Duas americanas já haviam disparado na frente, seguidas de longe por uma canadense e, assim, terminou a corrida. O recorde do Pan Americano foi quebrado.

-Eles não entendem nada. - alfinetou a Gina.

 Pouco depois, ela e o Daniel se aprontaram para sair. Fui com eles, de carona até onde ocorreu o piquenique de Manet, segundo a piada da Rosa.

  

 

 

 

 

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