Total de visualizações de página

terça-feira, 28 de julho de 2015

2904 - Tubarões e suas variações


--------------------------------------------

O BISCOITO MOLHADO

Edição 5154                          Data:  24 de julho de 2015

-------------------------------------------------------

 

205ª CONVERSA COM OS TAXISTAS

 

-Tudo bem? - fiz a pergunta-saudação ao entrar no táxi do ponto da Domingo de Magalhães.

-Tudo, meu amado.

Não era a primeira vez que ele me tratava assim, mas estranhei; ou melhor, senti o choque cultural; muitos nordestinos vão ao extremo: fúria fora de controle de um lado e afabilidade excessiva, dengo de outro.

-Rua Modigliani. - informei.

-Eu sei.

 Depois de uma pequena pausa, em que percorreu uns 100 metros, puxou conversa.

-O amado tem visto o Pan no Canadá?

-Assisti até agora a algumas disputas.

-Viu, então, atletas brasileiros fazendo continência no pódio.

-Tanto na televisão como nos jornais, eu tenho visto.

-Não acha que isso soa como um pedido aos militares para tomarem o poder?

-Não.

-Mas a roubalheira é muito grande; tem de sair essa gente toda que está arrasando a gente. - manifestou-se.

-Esse gesto dos nossos atletas significa um reconhecimento à ajuda que eles receberam das forças armadas para participar e vencer nesse Pan-Americano em Toronto.

-É isso mesmo?

-Aqui, no Rio de Janeiro, os atletas ficaram sem o Estádio Célio de Barros para treinar, também sem a pista de atletismo do Engenhão. Então, o Exército e a Marinha cederam alojamentos, espaço para eles treinarem. Há uma parceria entre os ministérios da Defesa e o do Esporte.

-Por que não há verba? Porque roubam tudo. - indignou-se.

-Quero ver como serão os Jogos Olímpicos do ano que vem. - expressei o meu ceticismo na entonação da voz.

-O amado não pensa que só os militares darão jeito nessa corrupção toda dos políticos?

-Quando o Marechal Castelo Branco deixou o poder, ele disse que encontrara impasses, mas que deixava opções.  De fato, os impasses eram muitos. No governo Juscelino Kubitscheck, se criou, em três anos, uma cidade para ser Capital Federal; nem os Estados Unidos aguentariam tantos gastos. Depois, veio o maluco do Jânio Quadros que renunciou e o país ficou sem rumo; com o João Goulart, degringolou de vez. O presidente Castelo Branco começou a pôr o Brasil nos trilhos, criou o Banco Central, o BNH, o FGTS, outorgou a Constituição de 1967, que, apesar de dar muito poder ao executivo, era boa naquele contexto.

-Então, o que estão esperando agora. - animou-se.

-Como disse o General Leônidas Pires Gonçalves, aquele que o Tancredo Neves escolheu para ser o ministro do Exército na transição da ditadura para a democracia...

-O que ele disse? - não conteve a curiosidade.

-Ele disse que a miserável condição humana faz com que as pessoas queiram o poder. Castelo Branco quis entregar o governo a um civil, não pôde, No ano seguinte, 1968, baixaram o AI 5, que decretou a ditadura sem disfarces. Antes, Castelo Branco morreu num desastre aeronáutico muito suspeito.

-Mas como está, não pode ficar.

-O Joaquim Barbosa e o Sérgio Moro mostram como se deve fazer. Faltam as punições exemplares. Vamos ver daqui para frente.

-Chegamos, amado.

Obrigado.

 

O 017 é a antítese do “Meu Amado”: grunhe uma saudação e, mesmo quando se mostra alegre, há vestígios de irritabilidade na sua alegria.

-Como vai? - perguntei, enquanto me entendia com o cinto de segurança do banco do carona.

-Bem. - respondeu com a voz quase inaudível.

Mas ele gosta de falar.

-Você viu o tubarão que quase pegou um surfista australiano numa dessas praias da África do Sul?

-Sim; ele escapou porque o tubarão estava, na verdade, perseguindo um cardume.

Você viu o filme “Tubarão”?

-Depois de muitos anos eu, finalmente, assisti a essa fita do Spielberg.

-Aquilo que era tubarão; abocanhava até pedaço de barco. Se fosse um tubarão como aquele, engolia esse surfista com prancha e tudo.

-O do filme era enorme, tinha, sei lá, quinze metros; esse, do torneio de surf da África do Sul era filhote e de outra espécie.

-Devia ser filhote mesmo, se não, esse cara da Austrália seria comido vivo.

-Um especialista falou sobre esse caso, na Rádio CBN; disse que ele não come mamífero, só peixe.

-Vai nessa. - expressou a sua descrença.

-Eu só coloco o dedão do pé na água e volto para a minha barraca na areia, isso se não passou, antes, um arrastão e levou tudo.

-Quando eu era rapaz vivia na praia, depois, quando meus pais se mudaram para a zona norte e eu tive de trabalhar, acabou tudo. - disse ele com amargura.

-Eu estava brincando; não sei o que é praia há décadas, com exceção de uma a que fui, numa horinha de lazer, em Angra dos Reis. Não me arrisquei por causa dos tubarões e sim, pelos coliformes fecais que eram quase visíveis.

-Você se lembra quando o Zagalo disse: “Vocês tem de me engolir”?

-Claro; ele ficou vermelho como a camisa do América, o primeiro clube da carreira dele. Pensei que fosse enfartar. - respondi.

-Quero ver ele falar isso perto de um tubarão. Se um tubarão engolir o Zagalo vai se sentir satisfeito.

Rindo com a própria piada, deixou-me na Rua Modigliani.

 

 

 

 

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário