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quinta-feira, 23 de julho de 2015

2901 - to plug and to unplug


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O BISCOITO MOLHADO

Edição 5151                        Data:  21 de julho de 2015

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SABADOIDO

2ª PARTE

 

Tirei um pen drive da pochete e o mostrei ao Claudio e à Gina.

-Um colega me deu isto com um monte de músicas, algumas delas, ele disse que eu não gostaria por não ser a minha praia.

-Então, se tiver aí “Copacabana, princesinha do mar”, você não vai gostar?

-Há, Claudio, quem diga que um trecho da linha melódica dessa canção lembra “A Paixão Segundo São Mateus de Bach”.

-O José Ramos Tinhorão tem implicância com Tom Jobim. - retrucou meu irmão.

-Se não me falha a memória foi o Antônio Hernandez, crítico do Globo, que antecedeu o Luiz Paulo Horta, que escreveu sobre essa semelhança.

E completei:

-Grosso modo, todas as músicas já foram compostas, todos os livros já foram escritos, se um artista quiser ser essencialmente original, tem de romper com tudo. Exemplo de originalidade: música eletroacústica. A Rádio MEC dedica uma hora do seu repertório erudito à música eletroacústica. Claudio e Gina, eu não consigo ouvir aquilo por 10 minutos seguidos; para mim, não é música, são ruídos.

-Música eletroacústica?... O que é isso, Carlinhos?... Dá choque? - manifestou-se a Gina.

Intentei ser sério.

-Há cenas de filmes em que esses ruídos, vamos dizer assim, ganham importância.

-Você quer dizer que ela só ganha força quando unida à imagem.

-Mais ou menos isso, Claudio.

-Estou lembrando agora da cena do chuveiro do “Psicose”, do Hithcock: a música não é eletroacústica, mas são ruídos que nada tem a ver com melodia, harmonia, ritmo.

-Ressalte-se o fato, Claudio, que o Hitchcock pretendia que essa cena do chuveiro fosse silenciosa, mas quando ouviu o que o Bernard Hermann tinha composto, aquela cacofonia de corvos, alusivo à taxidermia cultivada pelo assassino, logo mudou de ideia. Imagem e música ficaram indissociáveis.

-Carlinhos, vamos ver logo o que tem nesse pen drive. - impacientou-se a Gina.

-Deixe-me pôr neste rádio, que tem entrada para pen drive. - disse meu irmão, estendendo a mão e pegando o objeto de mim.

Depois de espetá-lo na entrada do cabo USB, informou-me que ali estavam armazenadas mais de 100 músicas.

-Você pode ouvir música durante três dias seguidos sem parar.

-Prefiro que chova três dias sem parar, Claudio.

Muito tempo e, no entanto, não conseguimos escutar um segundo sequer de música.

Certamente, aquele rádio, sobre a mesa da cozinha, não possuía muitos recursos. A Gina se levantou da poltrona de alvenaria e pediu que o Claudio lhe passasse o pen drive.

-Este rádio aqui é bem melhor. - disse ela sobre o aparelho de som que estava na bancada envernizada, onde plugou o dispositivo.

Soou uma orquestra e meu irmão tentou identificar a composição, em seguida, o autor. Depois, veio um chorrilho de Bossa Nova, que levou meu irmão a fazer comentários sobre o que se ouvia. Enquanto isso, a Gina, que voltou a se sentar, distraía-se com o seu tablet.

Se o Daniel sair do computador para tocar teclado, vai ser uma confusão só. - imaginei.

Gina, até então quieta, se manifestou:

-Eu acho que esse negócio de Bossa Nova só fala da zona sul, que esquece a zona norte, como se o Rio de Janeiro fosse apenas Ipanema, Copacabana e Leblon. (*)

-E foi incisiva:

-Não gosto de Bossa Nova.

Para não perder o seu ímpeto crítico, completou afirmando que também não gosta do cinema nacional.

Se o Claudio, que é muito mais polemista do que eu, não retrucou, eu achei melhor também permanecer quieto.

Depois de seis ou sete faixas, as riquezas melódicas, harmônicas, os acordes da Bossa Nova nos soaram como “musak”, como em inglês se denomina a música de elevador, ou como John Lennon designava as criações de Paul McCartney, depois da briga e passamos a falar de outros assuntos, enquanto a Gina voltava a se fixar no seu tablet.

-Claudio, o Canal Curta, no programa “Filmes que marcaram época”, está levando “Quanto Mais Quente Melhor”.

-Deve ser bom.

-Bom e muito interessante. Mostra o Billy Wilder dizendo que uma pessoa pode ser besta, mas, juntando-se a outras bestas  e formando uma plateia, torna-se um gênio.

-Os filmes do Billy Wilder agradavam ao público e aos críticos. - disse o Claudio.

-Mas quem mais aparece nesse curta-metragem é o Tony Curtis. Caramba, levei um susto. Aquele galã bonitão se tornou irreconhecível com a velhice, ainda mais que não se via um só fio de cabelo na sua cabeça.

-Devia estar doente. - calculou.

-O cérebro dele estava muito bom, pois tudo o que disse não discrepava do livro da Charlotte Chandler, que o entrevistou sobre esse filme na biografia que escreveu sobre o diretor.

-Eu também tenho uma biografia do Billy Wilder, mas foi escrito por outro autor.

-Tony Curtis revela que o Billy Wilder não nutria simpatia por ele; e diz que pensou, na cena em que deitado num sofá, fazendo-se de milionário impotente, é beijado pela Marilyn Monroe, em levantar uma das pernas...

-Não estava no roteiro?

-Não, Claudio, então, ele procurou a cumplicidade do outro roteirista, Iz Diamond, que gostou muito da sua ideia. Na hora em que ele levanta a perna, na filmagem, o Iz Diamond olhou para o Billy Wilder com um sorriso e este concordou que o improviso era bom. 

-O xodó do Billy Wilder sempre foi o Jack Lemmon.

-O Tony Curtis conta que o guru da Marilyn Monroe era a Paula Strasberg, esposa do Lee Strasberg.

-Esse Lee Strasberg criou um método de interpretação que foi seguido por excelentes atores. - acrescentou o Claudio.

-Na cena em que a Marilyn Monroe passa pela plataforma e dá um pulo para o jato de fumaça do trem não atingir a sua bunda, ela – conta o Tony Curtis – logo que o Billy Wilder gritou corta, em vez de olhar para o diretor, olhou para a Paula Strasberg, que fez um sinal positivo. De pirraça, o Billy Wilder mandou que toda a cena fosse filmada de novo.

-Mostrou quem mandava ali. - comentou.

-O Laurence Olivier, que dirigiu a Marilyn Monroe em “O Príncipe e a Corista” e também atuou como ator, desabafou, nas suas memórias, a sua irritação, quase ódio, por essa dependência da Marilyn Monroe pela Paula Strasberg.

 -Daniel, vai se vestir que hoje nós vamos sair mais cedo. - gritou a Gina.

Depois, voltou-se para mim.

-Vai aproveitar a carona?

-Vou.

-Então, leve o seu pen drive. - disse o Claudio, desplugando o dito cujo.

 

(*) O Distribuidor do seu O BISCOITO MOLHADO é adorador da Bossa Nova e traz aqui uma contestação à afirmação da Gina, respeitando, entretanto o seu direito de não gostar, seja da Bossa Nova, ou do que for.

No seu entender, a Zona Sul é que embarcou na Bossa Nova, por substituir as canções e, especialmente, as letras das canções, que falavam de ciúmes, inveja, traições, dores de cotovelo por chuvas em roseiras, brisas, primaveras, amor demais, meditações, dando um basta na saudade.

É verdade que os compositores transitavam pela Zona Sul e o quartel general da Bossa Nova ficava no Beco das Garrafas, em plena Copacabana, mas o barquinho do Menescal estava em qualquer mar, o pato em qualquer lagoa e a Garota de Ipanema, que realmente trouxe a geografia para a música, só apareceu em 1962, cinco anos depois de aparecer a Bossa.

 

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