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sexta-feira, 10 de julho de 2015

2892 - o nome do cara


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O BISCOITO MOLHADO

Edição 5142                         Data:  08 de julho de 2015

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204 ª CONVERSA COM OS TAXISTAS

 

-Boa tarde, Carlos.

-Há uns seis anos que sou cliente dos táxis dessa cooperativa, mas o 184 é o único a saber o meu nome; para isso, bastou apenas me perguntar. Por isso, quando ele fazia ponto na Rua Van Gogh, antes do amanhecer e eu passava a caminho da estação do metrô de Del Castilho, eu ouvia uma voz sonora “bom dia, Carlos”, sabia que era o 184.

 Como foi candidato a vereador em 2012 e pretende, nessa eleição de 2016, frequentar a Gaiola de Ouro, sabe que o político deve saber de cor e salteado os nomes dos eleitores. Tanto aqui, como nos Estados Unidos, pois lendo as memórias do ex-presidente Bill Clinton, constatei que, em todas as fotografias do seu livro, são nomeados todos, sem exceção, seja fotos do seu presente, seja fotos do seu passado, seja quatro, seja vinte os fotografados. Certamente, colocou em ação a sua equipe de assessores para identificar todo o mundo.

Respondi à sua saudação e abri o diálogo com o seu tema favorito.

-A Dilma vai durar até quando no poder?

-O que foi que eu lhe falei antes das eleições?

Eu sei lá, mas não falei isso, como não respondeu objetivamente a minha pergunta, não respondi a sua.

-O nosso cenário político está muito nebuloso, talvez seja melhor deixá-la no poder, sangrando até 2018.

-Carlos, o povo é muito bobo.

-Desmemoriado também. Veja o caso da Petrobras: a partir do momento que o governo petista aceitou um apadrinhado do Collor num cargo importante nessa empresa, é porque não havia lisura na sua administração.

-E não é só isso, Carlos, eles impediram que se abrisse uma CPI, em 2010, para investigar a Petrobras. Não investigar por quê? Quem não deve não teme, Carlos.

-Fizeram uma CPI chapa branca e quando vinha uma de verdade, a coisa foi abortada. Era consenso geral que a Petrobras era uma caixa preta. - lembrei.

-Até o presidente do PSDB, o Sérgio Guerra, levou o pixuleco dele para frear essa CPI. Aliás, o pessoal do PSDB também gosta de uma falcatrua. O mensalão começou em Minas. - comentou.

-Normalmente, eu voto nos candidatos do PSDB, mas defendo a investigação minuciosa de todos os acusados sem distinção de partidos e a punição se culpados. Agora, não há como colocar no mesmo nível de impureza o mensalão de Minas Gerais do Eduardo Azevedo com o do José Dirceu, ou melhor, do Lula. No Direito, existem os Princípios da Razoabilidade e da Proporcionalidade que levam em conta essas diferenças.

-Você é advogado, Carlos?

-Não, mas no meu trabalho, sou obrigado a dar pareceres sobre as irregularidades das empresas de navegação e, por isso, consulto muito os meus colegas que se formaram em Direito.

-Eu preciso, Carlos, de um bom advogado porque estou tendo problema com a aprovação do meu fundo de arrecadação da última eleição.

-Você deu pedaladas?

-Dei nada. O meu advogado está pisando na bola.

-Qual é o seu partido?

-PSL.

Nunca ouvi falar. - pensei, mas disse outra coisa.

-As coisas estão muito incertas na nossa política, mas, como diz a Lei de Murphy: “Nada está tão ruim que não possa piorar.” - disse-lhe quando o seu táxi entrou na minha rua.

-Carlos, só há uma coisa que acerta esse país: eu ser eleito no ano que vem.

-Conte com o meu voto.

 

-Encontraram aquela moça desaparecida? - informou-me o 140, com a sua voz mansa, quando eu mal sentei no banco da frente do seu táxi.

-Qual delas?... São tantas as moças desaparecidas.

-Aquela de São Paulo que veio estudar numa universidade daqui.

-Ah, sim. A moça de 23 anos que entrou na UFRJ para estudar Farmácia. Sumiu no domingo e foi encontrada em Ipanema na terça-feira. Sei, porque acordo e ouço o noticiário da CBN enquanto me preparo para ir ao trabalho.

-O pai estava desesperado, a família, enfim. Ele viajou para o Rio e disse que ela teve um surto.

-Sim, segundo ele, a filha quer ficar sozinha, nem a companhia dele ela quer.

-Você não acha – indagou-me – essa história estranha? Ela foi a uma festa na Lapa, desaparece, depois é vista perambulando em Ipanema...

-Você pensa que ela foi rejeitada pelo namorado?... Estuprada?...

-Alguma coisa parecida com isso. - disse ele.

-Parece-me mais um caso de esquizofrenia.

-Esquizofrenia faz isso?

-O Ferreira Gullar, o grande poeta, conta que, quando esteve exilado em Buenos Aires, na época da ditadura, o seu filho esquizofrênico desapareceu várias vezes. Quando esse drama o atingia, ele procurava uma vidente que, depois de entrar em transe, localizava o rapaz sem nunca ter errado uma só vez.

-Caramba! Faltou para o pai dessa moça essa vidente de Buenos Aires.

-Não, porque ela só ficou sumida por dois dias; os casos com o filho do Ferreira Gullar eram mais complicados.

-Ela acertava todos?!... - continuou abismado.

-”Há mais coisas entre o céu e a terra do que sonha a nossa vã filosofia”. - citei a frase de Shakespeare modificando-a um pouco, pois é uma fala de Hamlet com Horácio na peça.

-Há muitas coisas inexplicáveis mesmo.- simplificou.

-Ferreira Gullar conta que, em 1976, Vinícius de Moraes e Toquinho fizeram um show em Buenos Aires e o pianista do conjunto desapareceu.

-Ele era esquizofrênico também?

-Esquizofrênico, não. Parece que se envolvia com política naquele tempo em que grassava a ditadura na Argentina e no Brasil.

-Xi! - reagiu com apreensão. E na Argentina a ditadura foi bem mais cruel.

Retomei a palavra:

-Ferreira Gullar indicou a vidente ao Vinícius e ao Toquinho para localizar o desaparecido. Todos foram até ela que, depois de muitas tentativas, desistiu.

-Dessa vez, ela falhou. - manifestou-se.

-O Ferreira Gullar disse – baseio-me na participação dele no programa Rádio Memória – que a vidente só podia entrar em contato, não importando a distância, com uma pessoa que estivesse viva.

-Ele estava, então, morto?

-Com toda certeza. Houve, agora, a Comissão da Verdade, a família do músico tentou, mais uma vez, saber do paradeiro do músico, mas em vão.

-Fim da linha. - disse-me, quando parou seu táxi na Rua Modigliani.

 

 

 

 

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