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sexta-feira, 10 de julho de 2015

2891 - Estudioso Dicionário Biográfico


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O BISCOITO MOLHADO

Edição 5141                           Data:  07 de julho de 2015

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MINIDICIONÁRIO AUTOBIOGRÁFICO XLIV

 

NOTAS (03) – No meu curso primário, foram ministradas três disciplinas: Linguagem, Matemática e Conhecimentos Gerais, que englobavam Geografia, História e Ciências Naturais e, agora, no curso ginasial, o número delas crescia para onze. No primeiro ano, entraram – além das citadas, com Linguagem sendo chamada de Português e Conhecimentos Gerais desdobrados nas três citadas –  Latim, Francês, Trabalhos Manuais, Educação Física, Canto Orfeônico e Desenho. Com essas onze disciplinas, estávamos submetidos, durante o ano, a sete ou oito provas mensais, a exceção era Educação Física em que bastava aparecer e praticar barra, flexões de braço, pulinho de galo, canguru, rolamentos e, nos momentos lúdicos, participar de competições.

Tomei gosto pelo estudo. Em casa, diminuí, por conta própria, as horas de lazer e passei mais tempo com os livros. Minhas notas eram altas, e a minha surpresa maior foi o meu ótimo desempenho em História, porque eu não atentara que, agora sim, a didática era regular, não era truncada como no Manoel Bomfim e no Seu Alcyr.

Para a minha vergonha, a minha mãe me levava para o Visconde de Cairu e me buscava.  Foi através dela, quando mal nos encontramos na Rua Soares na hora da saída, que eu soube que o Jânio Quadros renunciara, ou seja, até o dia 25 de agosto, eu não ia sozinho para o colégio. Acredito que, no início de setembro, a minha mãe me viu como um homenzinho e me liberou.

Latim era a matéria a ser temida, dizia-me o Itamauru. Muitas vezes, eu me encontrava com ele no bonde Cachambi e viajávamos juntos. Eu, com uma divisa na ombreira da camisa do Visconde de Cairu e ele com a estrela na ombreira da camisa do Pedro II, que significava 1º ano científico. Nas minhas três primeiras residências, estive, de algum jeito, ligado ao Itamauru; na Rua Cachambi (1959), quando brigou a socos com o Fernando, o vizinho espanhol –  briga provocada por uma guerra de pedra em que estive envolvido e ele não;  na Rua São Gabriel/Americana (1961/1964), quando travamos essas conversas no bonde; e, finalmente, na Rua Chaves Pinheiro (pós 1965) quando nos tornamos vizinhos.

Eu lhe dizia que as minhas notas em Latim eram boas, que o professor, sendo padre, mostrava-se eficaz no ensino, mas Itamauru retrucava, afiançando-me que, na segunda série ginasial, as seis declinações seriam bem mais difíceis e que as conjugações dos verbos se complicariam. Estaria no segundo ano científico se não fosse o Latim da segunda série ginasial. Além dos conselhos, fazia questão de pagar a minha passagem do bonde. Anos mais tarde, viria a ser professor de Matemática do meu irmão mais novo num colégio de Del Castilho. Desafortunadamente, Itamauru não viveu muito. Uma pena.

   Encerrados os exames do segundo semestre da minha primeira série, os alunos que obtivessem nota acima de 7 passariam direto para o ano seguinte, se não, prestariam prova oral. Não passei direto em duas disciplinas: Português e Canto Orfeônico. Parece que a Dona Eunice não gostou da minha voz ou, então, eu errei o compasso na hora em que ela acionou o diapasão. Na prova oral, ela me mostrou uma partitura, indicou um sinal de mais abaixo de uma nota e me perguntou se significava crescendo ou diminuendo, respondi crescendo e ela me deu 9. Não houve também sobressaltos com a prova de Português.

Na minha segunda série ginasial, em 1962, passava a vigorar a Lei de Diretrizes e Bases do governo parlamentarista de João Goulart e Tancredo Neves, e ela tirava do currículo o Latim e o Canto Orfeônico (pobre Villa Lobos); até então, vigorava a Lei Gustavo Capanema, ministro da Educação do governo Getúlio Vargas. Assim, os muitos conselhos que o Itamauru me deu foram em vão.

Na segunda série, o Inglês juntou-se ao Francês, e passamos a estudar a História da América, não só a do Brasil. A alegria veio da Matemática com a introdução da álgebra e a decepção, veio do ensino do nosso idioma, com o livro adotado de autoria do diretor do Visconde de Cairu, com textos empolados de cronistas desconhecidos em que se supervalorizava o vocabulário e pouco a gramática. Minhas notas continuaram boas, com uma exceção, Geografia. O professor lecionava de uma maneira estranha a ponto de permitir que se abrissem os cadernos para consultas no meio das provas. Não me adaptei à sua didática e as minhas notas entraram no nível no meu tempo da Turma 3 do curso primário. A Geografia, para mim, substituía o Latim dos aconselhamentos do Itamauru. Quando o professor voltou ao velho método, isto é, às provas que exigiam boa memória, eu me recuperei.

Creio que, com a nova lei, as provas orais para quem não alcançasse a média 7 tinham terminado. Passei para a terceira série sem sustos, Nessa série, a História era Geral; continuou o ensino de Francês, juntamente com o de Inglês, aliás, o livro adotado “Cours De Langue Et De Civilisation Françaises” I, de G. Mauger, tinha assunto para todo o curso ginasial, e o volume II, provavelmente, para todo o científico. Lembrava-me até o “Atlas do Brasil”, um livro editado pelo IBGE de umas 500 páginas, que uma professora adotou, no Manoel Bomfim, para nos dizer que os dados estavam desatualizados, que Minas Gerais sobrepujou São Paulo na produção de café, e o deixou, praticamente, de lado.

Quanto às aulas de Português, a frustração prosseguiu com o livro do Enéias Martins Barros, o diretor do Visconde de Cairu - textos farfalhudos seguidos de um glossário extenso e com pouco espaço para a gramática.

Itamauru não me havia alertado, nas nossas idas ao colégio no bonde Cachambi, para a complexidade da Matemática no terceiro ano ginasial, talvez não o fizesse porque era desenvolto nessa disciplina. Agora, no livro do Ary Quintella, tínhamos muita geometria e trigonometria para ler e aprender. Nosso professor, como os demais, na sua grande maioria, dava aulas no Pedro II – eles, assim, ficavam com duas matrículas: federal e estadual. Por dar provas com três questões complexas, recebeu da turma o cognome de Professor Charada. Eu e um colega revezávamos: ora ele tirava o primeiro lugar, ora eu, mas nunca ultrapassamos a nota 6,5 – a coisa era difícil mesmo, as notas zero não eram poucas. Quanto a esse colega, não sei como ele pensava, mas eu não o via como um competidor, a minha meta era tirar uma boa nota apenas. Numa dessas provas, já no segundo semestre, tive de desviar a minha atenção com os soluços das meninas desesperadas que já se sentiam reprovadas no fim do ano.

Na prova final, de maior peso, a dureza do Professor Charada se desfez e ele se tornou macio como a autêntica seda chinesa; foram dez questões com um grau de dificuldade mínimo, daria para as meninas choronas e os meninos amedrontados se recuperarem. Eu precisava da nota 3,5 para passar e quando cheguei à sexta ou sétima questão, já estava consciente de que tinha nota de sobra para ser aprovado. Apressei-me, então, nas questões restantes, porque não queria me atrasar para as peladas da manhã na Rua Americana.

Bons tempos aqueles em que eu não me cobrava muito.

Quase caí do cavalo em Ciências, eu estudava a matéria, na noite anterior à prova, mas, houve um momento em que eu não resisti, larguei o livro e sintonizei o rádio na PRD 5 para escutar a ópera do Teatro Municipal. O assunto que deixei de lado, o sistema circulatório, dominou a prova e eu, que precisava de 3,0, saí da sala com sérias dúvidas sobre a minha aprovação.

Não posso esquecer, no fim daquele ano letivo, do professor de Desenho, não por causa da sua prova – era bonachão demais para deixar um aluno reprovado – mas pelos seus comentários contra o John Kennedy, na época um dos meus ídolos, que acabara de ser assassinado. Ele me surpreendeu negativamente.

No ano seguinte, quarta-série ginasial, eu tive de me submeter a um horário horrível: de 16h30min a 20h20min. Finalmente o livro de Português do Eneias saiu de cena, estudaríamos agora pelo livro do Domingos Paschoal Cegalla. O professor, machadiano assumido, era tão bom que o seu nome completo ficou na minha memória: José Vinícius Frias Ruas. Com ele, vieram textos de Carlos Drummond de Andrade, Raul Pompeia, Machado de Assis (naturalmente), poesias de Manuel Bandeira, Camões, Castro Alves e, naturalmente, gramática. Ele só não foi mais eficiente, porque a turma se enfraquecera com os três anos anteriores de didática capenga nessa matéria.

A História, mais uma vez, era Geral, e a nossa professora, certa vez, elogiou o Mineirinho, por ser botafoguense, como ela, e vítima das injustiças sociais. Houve alguns professores, naquela época agitada do governo João Goulart, que revelavam nas aulas, as suas simpatias pelo socialismo. Há pouco tempo li no Globo, numa reportagem sobre a Comissão da Verdade, que alguns deles foram dedurados pelo Eneias.

Minhas notas eram boas, principalmente em Matemática. Numa prova do mês de abril, tirei 8 e uma colega também. O professor lançou a suspeita de cola. Não me defendi, mas jurei que tiraria 10 na prova seguinte. Na turma, houve um único 10, tinha de ser meu e foi, senti-me vingado. Essa foi, talvez, a única prova dos meus quatro anos do Visconde de Cairu, que fiz estressado.

Bem, em setembro de 1964, abocanhado pelo black dog, abandonei as salas de aula, só voltaria 12 anos depois. Ainda assim, sinto que os meus melhores anos de estudante ficaram no Visconde de Cairu.

 

 

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