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sexta-feira, 26 de junho de 2015

2882 - A mosquitinha asseada


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O BISCOITO MOLHADO

Edição 5132                          Data:  23 de junho de 2015

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SABADOIDO COM O DANIEL TRABALHANDO

 

Estranhei o silêncio.

-E o Daniel?

-Foi trabalhar. -respondeu-me meu irmão.

-Trabalhar num sábado... - coloquei o dissabor nas reticências.

 -Pior quando tem de ir também no domingo, mas, dessa vez, trabalha só no sábado.

-Naquele poema do Vinícius de Moraes sobre o sábado, trabalhava-se neste dia. - lembrei.

-Lembra-se, Carlinhos, que o papai chegou a trabalhar nas segundas-feiras de carnaval?... Era trabalho na redação de jornal, não era trabalho de rua. 

-O jornalismo sugou o sangue do pai e pensar que a pensão dele pelo INSS é uma mixaria...

-O DNER, onde ele trabalhou dez vezes menos do que como jornalista, é onde a pensão dele é dez vezes maior, até mais. - seguiram-se as palavras do Claudio às minhas.

-Querer o quê?... O Brasil segue as leis trabalhistas do Mussolini, a CLT e os sindicalistas não admitem que mexam nelas porque ganham muito. - comentei.

-Voltando ao Daniel, os programadores só podem fazer manutenção nos computadores quando os que trabalham com eles não estão, por isso, ele é escalado sábado e, às vezes, domingo. Mas a Casa da Moeda paga o táxi até Santa Cruz.

-Deve dar uns 150 reais. - calculei.

-”Um Corpo que Cai”, que você encomendou pelo Mercado Livre já chegou?

-Há muito tempo, Claudio.

-Você não havia assistido a esse filme no cinema? - perguntou-me.

-Claudio, você deve se recordar...

-De quê? - cortou-me.

-Hitchcock recomprou os direitos de cinco dos seus filmes para deixá-los de legado à sua filha. Eles ficaram conhecidos como “os cinco filmes perdidos de Hitchcock”. Foram relançados, em 1984, cerca de 40 anos depois do primeiro lançamento. Nessa época, eu via, pelo menos, um filme por semana; logicamente, assisti a todos os cinco.

-Não diz os nomes, eu vou dizer.

Puxando pela memória, pôs-se a citá-los.

-”A Janela Indiscreta”, “Festim Diabólico”, “O Homem Que Sabia Demais”, “O Terceiro Tiro”. Falta um.

-Está na cara, Claudio.

-Claro! “Um Corpo Que Cai”.

A seguir, desafiou-me:

-Você pode dizer os nomes dos artistas desses filmes?

-Eu só sei, Claudio, que “O Homem Que Sabia Demais” não foi com o Lula.

-Carlinhos, na última pesquisa entre os críticos de cinema, “Um Corpo Que Cai” desbancou “O Cidadão Kane” como o maior filme de todos os tempos.

Disse-lhe que discordava terminantemente.

-Para o Bernard Herrmann, se estivesse vivo, não importava, pois ele musicou os dois filmes.

-Ele estava inspiradíssimo em “O Cidadão Kane”, mas conseguiu se superar em “Um Corpo Que Cai”. - manifestei-me.

-Bernard Herrmann era descendente de família russa, o Henry Mancini, de família italiana, Miklós Rózsa, da Hungria, e por aí vai.  O que havia de melhor na Europa foi para os Estados Unidos ou se refugiou lá, para o Brasil, não sobrou quase nada.

-No momento, Claudio, eu só me recordo do Radamés Gnattali.

-Se rebuscarmos bem, deve haver outros compositores, não muitos.

-Eu diria, Cláudio, que há trilhas sonoras no cinema tão criativas, que os filmes deveriam ser citados como as composições da música popular; por exemplo: “Um Corpo Que Cai”, de Hitchcock e Bernard Herrmann; “Amarcord”, de Fellini e Nino Rota.

-Na ópera, só se cita o nome do compositor, o libretista fica esquecido. - contrapôs.

-Porque os libretos ficam muito aquém da música. Com “A Flauta Mágica”, por exemplo, todos ficam abismados como Mozart conseguiu pôr música tão genial em um enredo tão maluco.

-Tudo bem, Carlinhos? - era a Gina que se fazia presente na cozinha do Sabadoido.

-Sentindo muito frio. - respondi.

-Eu acho que peguei dengue com essas obras em frente daqui de casa.

-Mas, Gina, a água empoçada dessas obras são imundas, e o mosquito fêmea da dengue só desova em água limpa. - estranhei.

-Então, essa “mosquita” e seus rebentos eram imundos, porque tenho certeza que peguei dengue e até reclamei com os trabalhadores, que já aterraram as poças.

-Você já pegou dengue uma vez, não foi?

-Naquela vez, arrasou comigo. Creio que fiquei com alguma defesa no organismo porque agora a doença foi mais fraca, e eu me recuperei em poucos dias.

Nesse instante, o celular do meu irmão tocou, e ele atendeu. Era o Daniel avisando que chegou ao trabalho.

-Hoje, Gina, você está sem o seu companheiro de almoço no restaurante.

-Comprarei duas quentinhas para mim e para o Claudio.

-Eu, que tinha a carona do Luca, perdi, hoje, a do Daniel. Tudo bem: uma caminhadinha daqui à minha casa esquenta um pouco com esse frio.

-Não tenho visto mais jogos de pingue-pongue, no Facebook, com o Luca. - disse a Gina.

-Tênis de mesa. - corrigi.

-Pingue-pongue.- teimou.

-O Luca me disse, pelo telefone, que ele é novo na turma dos veteranos do Fluminense, que não deixariam um novato se sobressair logo de cara.

-Houve, então, mutreta. - deduziu a Gina.

-Pelo que entendi, sim, mas ele foi muito reticente.

Claudio passou para as artimanhas mais cabulosas.

-Eu não entendo por que, até hoje, não prenderam o Lula, a Dilma e o Antônio Palocci.

-Claudio, eu estranharia se os três tivessem agido nos Estados Unidos, na França, na Alemanha e, até mesmo, em Portugal, onde prenderam o Primeiro-ministro José Sócrates.

-O José Sócrates ainda teve o decoro de não aceitar a liberdade com tornozeleira eletrônica.

-Mas você tem razão, Claudio, até a Argentina colocou na prisão o Carlos Menem; no Brasil, enquanto isso, o “Brahma” está solto.

-Nem engarrafado ele foi. - não perdeu a Gina a piada.

Meu irmão se levantou da cadeira e foi cuidar dos seus afazeres. A Gina passou a rememorar os tempos de Visconde de Cairu.

-Você conheceu, Carlinhos, a “Caverna do Batman”?

-No meu tempo de Cairu, não havia sido batizada com esse nome. Era apenas o local dos banhos coletivos de dezenas de alunos depois das aulas de Educação Física.

-Nós tínhamos de nos enxugar na própria roupa de ginástica – reclamou – e eu sofri muito com essas aulas, pois colocavam as mulheres para se exercitarem com os homens e eles eram mais fortes.

-Havia uma professora para as meninas, e um professor para os meninos, a ginástica era separada, mudou, então, depois. - retruquei.

-Tivemos aulas até com o Admildo Chirol.- reclamou.

-Ele já era da minha época; excelente, não como professor, mas como ginasta. O Carlos Alberto Parreira dizia que era o melhor da geração deles, o único a fazer o Cristo nas argolas. O vício do cigarro matou o Chirol.

Continuamos a conversar sobre o Visconde de Cairu dos anos 60 até que chegou a hora de eu ir para a casa, e a Gina, de comprar as duas quentinhas.

  

 

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