Total de visualizações de página

sexta-feira, 19 de junho de 2015

2877 - barbeiros da linguagem


 

---------------------------------------------------------------

O BISCOITO MOLHADO

Edição 5127                           Data:  15 de junho de 2015

--------------------------------------------------------------

 

SABADOIDO, DAS FOFOCAS NA BARBEARIA AO MANOEL BOMFIM

 

-Pôs abaixo a vasta cabeleira?- disse-me o Claudio ao me ver de cabelo cortado quando abriu o portão da sua casa.

-Talvez porque eu cortasse à (*) reco e, depois, à meia-cabeleira, sempre que o meu cabelo fica um pouco mais comprido, eu me sinto incomodado.

-Se você quer saber de novidades ou de acontecimentos passados, vá ao barbeiro. - disse-lhe quando já estávamos na cozinha.

-Os cabeleireiros das mulheres são mais informados ainda. - completou.

-Há controvérsias, Claudio.

-Você cortou com o Paulo ou com o Fonseca?

-Com o irmão do Fonseca que segue à risca o nosso pedido, o Fonseca quer impor o seu gosto. Lembro-me do desentendimento dele com o Pirulito; sempre que ele colocava o espelho para o Pirulito apreciar o seu trabalho, Pirulito criticava, queria que cortasse mais aqui, mais ali. O Fonseca resmungava, dizia que já estava bom, mas o Pirulito não se dava por satisfeito.

-O cliente tem sempre razão, Carlinhos, mesmo tratando-se do Pirulito, que criticava em tudo.

-Eu sei que o Paulo era menos impositivo do que o irmão, por isso, só corto meu cabelo com ele.

-Isso foi há mais de 30 anos, o Fonseca deve ter mudado.

-Falando em priscas eras, Claudio, o Paulo comentou, hoje, a minha briga com o Maninho, que aconteceu em 1976. Caramba, nessa época, ele deveria morar em Campos.

-Não, Carlinhos, ele já trabalhava na barbearia do irmão.

-Ele me disse que o Maninho morreu; fiz-lhe algumas perguntas sobre essa morte e ele já não demonstrou tanta convicção. Garantiu-me que, na última vez que o viu, ele estava cheio de colares como se fosse um pai de santo.

-O Maninho morava em Jacarepaguá e o Paulo também vive por aqueles lados, então, ele está mais bem informado do que nós.

-Está mais bem informado do que nós, principalmente, porque passa o dia todo na barbearia. - acrescentei.

-De qualquer maneira, vou pesquisar a notícia dele. Há gente por aqui, na Chaves Pinheiro, que não perdeu inteiramente o contato com o Maninho.

-Outra novidade que me chegou através do Paulo, esta quando cortei o cabelo no mês passado: o “site” da Escola Manoel Bomfim.

-Ele também sabia que você estudou lá?

-Não, perguntou-me antes, quando eu confirmei, ele me falou do “site”.

-Você, é claro, correu para o computador.

-Estudei lá até 1959 e o que eu encontrei de mais antigo, no computador, foi uma turma de 1962.

-Também, Carlinhos, você entrou lá no ano da inauguração da escola. - brincou.

-A Escola 9-10 Manoel Bomfim foi inaugurada em 1952 e a mamãe me matriculou em 1955.

-Em 1962, nem eu estudava mais lá, o Lopo, talvez sim.

-Um aluno dessa turma escreveu que, certa vez, a professora o impediu de ir ao banheiro, ele, então, mijou na sala. O que aconteceu comigo foi pior.

-Se eu gostasse de computador e fosse escrever as minhas façanhas no Manoel Bomfim, fechavam esse “site”.

-Velho, você era bagunceiro? - perguntou o Daniel entrando na cozinha.

-Bagunceiro de levar as professoras à loucura. - respondi a pergunta.

-Comparado com os bagunceiros de hoje, eu era um romântico. Caí na gargalhada diante da Dona Léa...

-Que era a substituta da Dona Glorinha, a diretora.- interferi.

-Quando a Dona Léa me perguntou do que eu ria, eu respondi que ria do bigode dela. Mas nunca me passou pela cabeça agredir uma professora, como se faz hoje. Eu era um romântico.

-Você era um pirralho, velho, ia apanhar da professora.

-Eu era brigão, atraquei-me, certa vez, com outro aluno no meio de uma aula, e a professora começou a gritar de pavor.

-O Claudio era travesso, mas, que eu saiba, nunca xingou uma professora. - intervim no diálogo.

-Se eu xingasse, papai me dava uma surra.

-Voltando ao “site”, ou sítio, como dizem acertadamente os portugueses, do nosso colégio primário, o que mais atraiu a minha atenção foi os comentários dos alunos.

-Escrevem mal à beça. - previu o Daniel.

-E como! Infiltração saiu “infriutração” e outros barbarismos, mas quando o pensamento é exposto...

-O recado é dado.

-Isso, Daniel, quando o recado é dado pelos garotos, mesmo com erros ortográficos, eu não acho nenhuma calamidade. Com o passar dos anos, estudando mais, lendo bastante, esses erros acontecerão com menos incidência. Lembro-me que, na 5ª série, eu escrevi “inclusível”.

-Você, ”inclusível”, cometia esses erros escalafobéticos. - ironizou meu sobrinho.

-E chamava fuzil de fusível. - carregou o Claudio nas tintas da galhofa.

-Com a gozação, que, hoje, os politicamente corretos americanizaram para “bullying”, a grafia correta se fixava na nossa mente.

-Hoje, escreve-se muito mal; basta ler a “Nossa Crítica” do Globo, os redatores repetem os mesmos erros. - interveio o Cláudio.

-Como eu dizia, o que me atraiu mesmo foi a leitura dos comentários dos alunos da Manoel Bomfim. Um deles elogiou o colégio, mas disse que deviam servir guaraná no almoço, outro, já queria suco.

-Não falaram mal?

-Dois reclamaram que o bebedouro dava choque, um terceiro, que os alunos tinham de se contentar com ventiladores, enquanto os ares condicionados ficavam nas salas dos professores.

-Carlinhos, lá da casa da mãe, vê-se muitos ares condicionados, creio que um por sala. - manifestou-se meu irmão.

-Colocaram poucos meses atrás, e esse comentário foi escrito antes. - esclareci.

-Bebedouro que dá choque, nem nos cinemas poeiras que fui. - disse o Claudio, enquanto o Daniel voltava para o interior da casa.

-O crítico mais feroz da escola tinha uma redação horrorosa, uma relação de dez palavras erradas por uma só certa.  Um ex-aluno rebateu dizendo que, além de ele não saber escrever, é doido, porque disse que a escola não tem pátio. Este pátio foi escrito sem o acento e com “u” no lugar do “o”.

-Quem escreveu “patiu”?... Foi o crítico ou o advogado de defesa do Manoel Bomfim?

-A réplica foi bem redigida, não encontrei erro de ortografia. Gostei de como ele encerrou: “A Escola Manoel Bomfim não precisa de você. Fora moleque.”

-Esse gostou mesmo de lá. - concluiu.

-Há muitos comentários, de alunos e alunas, que são verdadeiras declarações de amor ao colégio.

-Eu não tenho maravilhosas recordações de lá.

-Eu também não, Claudio. Dos colégios que frequentei, tenho saudades mesmo é do Visconde de Cairu.

 

(*) à maneira do reco. O “maneira de” fica subentendido e neste caso, pode-se usar crase antes de masculino. Ufa!!

 

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário