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terça-feira, 2 de junho de 2015

2865 - O Baile do Dicionário Biográfico


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O BISCOITO MOLHADO

Edição 5115                                   Data:  26 de maio de 2015

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XXXVIII MINIDICIONÁRIO AUTOBIOGRÁFICO

 

DEBUTANTE - A festa de aniversário dos 15 anos da minha irmã aconteceria no dia 24 de agosto de 1961 e mal sabíamos nós que seria a nossa Festa da Ilha Fiscal da Rua Cachambi, pois poucos meses depois, nesse mesmo ano, nós teríamos de mudar de endereço.

Lá, em casa, até então, havia apenas comemorações de aniversários, chochas, provavelmente, pois nenhuma delas ficou marcada da minha memória. A exceção para ficar na história viria quando a minha irmã debutasse, pois bem antes dessa data, ela, vendo a festa da sua prima mais velha, exigiu dos meus pais a mesma atenção. Assim, eles suaram para sair o máximo de moedas possíveis do cofre para atender ao pedido da filha e não a deixar apequenada diante das primas e das amiguinhas.

Minha mãe, que comparecera à festa de debutante mencionada, levando a mim e a minha irmã, constatou que duas coisas eram imprescindíveis para os convidados, entre outras: o bolo de sorvete da Kibon – grande sucesso na época – e o barril de chope de serpentina.  Assim, no sábado – a festança foi adiada para esse dia porque dia 24 caiu na quarta-feira – a minha mãe se encarregou de encomendar o bolo da Kibon, enquanto o meu pai ficou com o encargo do barril de chope de serpentina e do gelo, essa última parte não seria problema, pois o geleiro não distava mais de 100 metros da nossa casa e, por diversas vezes, aqueles compridos paralelepípedos de gelo eram comprados por meu pai.

Os vizinhos espanhóis, Dona Maria e o seu filho Fernando, sempre muito próximos a nós, ajudaram bastante nos preparativos.

Comparada com as festas de debutante de hoje, aquela seria bem simples; quanto à tranquilidade, pelo contrário, e uma das razões era a experiência quase nenhuma dos nossos pais de iluminar todas as luzes da casa e dar comida, bebida e divertimento aos que aparecessem.

Atualmente, as festividades dos 15 anos da filhota são temáticas, em locais alugados pelos pais com toda a parte braçal a cargo dos profissionais do ramo: retratos, filmes, decorações etc. Quanto mais os responsáveis gastam, menos trabalho têm. Caso diametralmente oposto com a festa de debutante da minha irmã: quanto mais se teve de economizar, mais trabalho houve.

Hoje, também, a debutante pode pedir, em vez disso tudo, uma viagem à Disneylândia. No caso da minha irmã, seria impensável.

-Você não achava que está grandinha para ver o Mickey?- diria o meu pai, que sempre estava com o humor aflorado, a ela essas palavras ou algo parecido.

Não fugiu da minha retentiva que tamanho era o esforço para que tudo corresse a contento, na hora do baile, que almocei arroz, com feijão e ovo estrelado, apenas, mas conformado, pois, de noite, eu teria mais espaço no estômago para os doces, o bolo e o sorvete.

Meus irmãos Claudio e Lopo, com 12 e 10 anos, respectivamente, estavam no auge da traquinagem e, desde que não atrapalhassem, pois ajudar era inviável, já era lucro. Ocuparam-se, sobre o muro que separava o nosso quintal do terreno baldio, com as pipas no céu, e o nosso cachorro Big estava sempre pronto a alertá-los nos momentos em que as pipas subiam nas cercanias.

Uma das preocupações maiores da minha irmã era o vestido, mas nesse particular, não era para o nível de cortisol subir nas artérias, pois a costureira era de confiança, além de a minha mãe também entender do riscado. Ela falava sem parar que a valsa que dançaria com o pai, à meia-noite em ponto, seria o “Danúbio Azul”, de Johann Strauss – dez de cada dez misses preferiam o livro “O Pequeno Príncipe”, assim como dez entre dez debutantes preferiam o “Danúbio Azul” como o ponto supremo da sua festa. Será que ela ensaiou com o meu pai? Talvez sim, mas eu não vi; como ele se casou com 29 anos de idade, deve ter valsado por aí (que a minha mãe não me ouça).

Bebidas a serem servidas além do chope de barril: guaranás, Coca-Cola e Cuba-Libra.

Músicas a serem ouvidas além do “Danúbio Azul”: discos de rock do Elvis Presley, por quem a aniversariante era fanática, Neil Sedaka, Litlle Richard, Johnny Restivo e, principalmente, por agradar os convidados de todas as idades, os LPs do Ray Conniff, do Românticos de Cuba  e do Ed Lincoln.

O melhor da festa é esperar por ela, eis um clichê de que não podemos fugir. Isso posto, não temos muito a realçar quando ela efetivamente começou, a não ser a presença de uns três penetras que participavam da turma da Rua Cachambi esquina com a Rua Getúlio. Eles trajavam calças Jeans, topetes que mais pareciam bolo de sorvete de casquinha e costeletas. Como não chegavam a ser transviados, meu pai aceitou a entrada deles lá em casa. No dia seguinte, porém, deparou-se com vomitados no vaso sanitário e a sua suspeita recaiu sobre os penetras, já que a aproximação do Claudio, minha e demais adolescentes da família e da vizinhança do barril de chope foi rigorosamente impedida. E os componentes daquela turma foram devidamente xingados pelo meu pai com as suas respectivas genitoras.

Foi, como eu disse acima, o nosso último (e também primeiro) baile da Ilha Fiscal da Rua Cachambi. 

 

 

 

 

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