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terça-feira, 16 de junho de 2015

2874 - fecho-eclér social, aberto


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O BISCOITO MOLHADO

Edição 5124                               Data:  10 de junho de 2015

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202ª CONVERSA COM OS TAXISTAS

 

-Olha – indicou-me o 017 – quando ainda dirigia pela Rua Domingo de Magalhães e foi ultrapassado por uma motocicleta: um motoqueiro com carona e os dois sem capacetes. São assaltantes na certa.

-Eu assisti a um filme argentino, excelente, por sinal, com uma dupla de trambiqueiros, em que um deles afirma mais ou menos a mesma coisa: dois numa motocicleta é sinal que vem por aí um delito.

-Lá, na Argentina, é como aqui, no Brasil. Também, são governados por duas bruxas. - resmungou.

-Hoje, mal saí de casa para o trabalho, no meu horário costumeiro, 5h 30min, avistei dois rapazes sentados no murinho da Vlaminck defronte à minha rua, respirei fundo e fui adiante, pois não dava mais para voltar.

-Eram assaltantes?

-Assim imaginei e, quando eles me chamaram, tive certeza.

-O que você fez?

-Fingi que não ouvi e acelerei o passo. Eles, então, gritaram: “A sua mochila está aberta.” Depois de parar, tirei a mochila das costas e vi que ME esquecera de correr o fecho ecler. Gritei um “muito obrigado” com o significado de “desculpem-me”.

-Vá ver que eram moradores de lá mesmo do conjunto. - aventou a hipótese.

-Provavelmente, pois os forasteiros se acercam do quiosque “A Fofoca da Madrugada”.- disse-lhe.

-Mas 5h 30min não é hora para estudante ou trabalhador estar na rua. -intentou compreender a minha apreensão.

-Pela idade deles, seriam estudantes, mas como o ensino anda frouxo na “Pátria Educadora” da Dilma, com falta de verbas, talvez não tivessem aula.

-Minha mulher é professora e falta pouco para enlouquecer com esses garotos.

-Quanto a acordar cedo em dia útil, no início dos anos70, eu, meu irmão mais novo e um amigo da Rua Chaves Pinheiro acordamos 4 horas da manhã e partimos, meia hora depois, rumo à praia.  O céu ficou carregado de nuvens sombrias a manhã toda. Então eu e esse amigo, chamado Augustinho, começamos a fazer um cooper pelo Aterro do Flamengo, quando passamos por duas adolescentes, que matavam aula, uma delas disse para a outra: “Dois babacas”.

-Vocês acordam 4 horas da manhã e vão para a Praia do Flamengo?!... - criticou.

-Nós três não perdemos a viagem porque entramos no DC-3 da Varig que ficava no Aterro.

Quando saltei do táxi, ocorreu-me que eu tinha imagens fotográficas desse “momento histórico” perdidas em algum arquivo. Em casa, fui em busca delas.

 

Saí da estação de Maria da Graça do metrô, cheguei à primeira rampa de descida e não avistei um só táxi no ponto da Rua Magalhães Couto.

-Não é possível?... Ontem, havia uma fileira de uns 30 metros, quase dobrando a Rua Miguel Ângelo. - rosnei.

Quando já descia a quarta rampa, apareceu um. Tratei de antecipar a minha caminhada de sábado e acelerei as passadas para que nenhum aventureiro lançasse mão do meu táxi. Na praça diante do CEFET, consegui enxergar o número, era o 184, o carro do Paizão.

-Tudo bem?- saldou-me, quando eu colocava o cinto de segurança.

-Como diz o ditado popular “Dia de muito, véspera de nada”. Neste caso foi às avessas.

-O que houve? - quis saber.

-Hoje, só o seu táxi está aqui, mas ontem, havia uns cinquenta; eu até indaguei de um colega seu por que tantos e ele me respondeu que os taxistas do lado da Avenida Suburbana estão passando para cá.

-Não contou por quê?

-Não.

Paizão me contou, então, o motivo:

-Eles vêm para cá porque não pagam a mensalidade da cooperativa, e aqui não tem vigilância.

-Numa dessas corridas, eu tive de ensinar todo o caminho para o taxista, mas ele era muito simpático; na hora de pagar, perguntou-me se eu ia descontar o preço da aula.

-Aqueles táxis do Norte Shopping só carregam passageiros se estiverem com as obrigações com a cooperativa em dia. - disse-me o Paizão.

-Agora, entendo porque um intermediário entrega aos passageiros uma folha de um cupom antes de entrarem no táxi. Lá é a Copa Norte a cooperativa.

-A nossa atua no Shopping Nova América.

-Então, a vigilância sobre vocês é mais acirrada lá. - concluí.

Nesse instante, nós passávamos na altura do lixão da favela Bandeira 2, que, talvez seja a 1 ou 2, não sei distinguir ainda as fronteiras entre elas.

-Veja – disse-me ele - o número de pombos; e os moradores da comunidade se misturam com eles.

-Quando eu fui a um terminal portuário em Vitória, o funcionário de lá xingou os pombos e disse que eles eram ratos com asas.

-O cocô dos pombos seca e, depois, o vento leva essa porcaria que entra pelas vias respiratórias e causa aquela doença...

-Histoplasmose. - antecipei-me.

-Deve ser. - confiou em mim com reservas.

-Os pombos provocam doenças que matam. - acentuou.

Em seguida, Paizão mudou de assunto com uma pergunta:

-O centro da cidade está calmo?

-Hoje, na minha hora de almoço, quando saí, os guardas-municipais pegavam os camelôs que corriam, com as suas bugigangas, menos do que o Usain Bolt, os que corriam mais, escapavam.

E prossegui:

-Os guardas-municipais não andam armados, mas aqueles cassetetes de um metro de comprimento já é uma arma nas mãos daqueles galalaus.

-Eles só andam em grupo. - manifestou.

-Há mulheres que são guardas-municipais, mas elas nunca agem sozinhas contra os camelôs.

-”Olha o rapa”, era o que se dizia antigamente, agora, essa expressão não é mais usada. - lembrou saudosamente.

-O Nélson Rodrigues escrevia que, caso gritassem “olha o rapa”, numa festa luxuosa, até as grã-finas subiriam pelos lustres. Queria dizer que o brasileiro carregava uma culpabilidade com ele.

-Eu não confio em policial algum; eles têm que impedir crimes maiores. Aquela rua perto do lixão pela qual passamos, foi fechada pelo tráfico depois que instalaram a UPP do Jacarezinho.

-Como ela é estreita, facilitou o trabalho dos traficantes, que colocaram poltronas, barris, pelo que vejo de longe.

A palavra voltou para o Paizão:

- Por que a polícia não vai lá e desimpede a rua? Porque embolsa a propina dos traficantes.

A corrida seguiu até a minha casa com o Paizão apresentando as suas razões contra o comportamento dos policiais.

 

 

 

 

 

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