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quinta-feira, 11 de junho de 2015

2871 - Quadriculado Dicionário Biográfico


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O BISCOITO MOLHADO

Edição 5121                                  Data:  07 de junho de 2015

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MINIDICIONÁRIO AUTOBIOGRÁFICO XXXIX

 

Jogo de Xadrez - Das competições cerebrais, comecei, como todo o mundo, com o jogo da velha. Bastavam um papel, um lápis e duas pessoas, e se podia jogar. Mas, depois de pouco tempo, o jogo da velha perdia a graça, porque poucos neurônios eram exigidos; com a colocação certa das cruzinhas ou das bolinhas nas casas – nove, apenas – não se perdia e também não se ganhava caso o seu adversário não tivesse um Q.I. de Forrest Gump.

Veio o Natal, e apareceu lá em casa, como presente, o jogo de dominó, que era mais lúdico, apresentava mais recursos, mais de um podia participar e era só.

Então, como já foi narrado anteriormente, o meu pai apareceu com um jogo de damas e o nosso cérebro teve de trabalhar mais. Fui um apreciador do jogo de damas do tempo da Rua Cachambi e das Ruas São Gabriel/Americana.

Pretensioso, considerei que o jogo de damas se transformara em jogo da velha para mim – eu nem era um temido jogador – e passei para o jogo de xadrez.

O tabuleiro já existia, faltavam as 32 peças que comprei com poucos cruzeiros, pois a matéria delas era bem simples – os meus reis eram mais pobres do que os peões de tabuleiros mais refinados.

Meu irmão Claudio também desprezou a dama pelo xadrez e começou, em consonância comigo, a aprender a movimentar as peças nas 64 casas quadriculadas.

Mas o Brasil não era a Rússia; ficou, por isso, difícil encontrar jovens e mesmo senhores aposentados que se dedicassem ao jogo de xadrez; estes se contentavam com o repertório infantojuvenil, acrescido apenas de jogos de carta: sueca, buraco, truco – bridge, nem pensar.

Não vendo nenhum Tigran Petrosian nas cercanias, meu irmão me desafiou para uma partida. Aceitei.

Caramba, como ele refletia antes de fazer uma jogada! Parecia Jacó disputando o direito de primogenitura com Esaú. Como ele revestira aquilo de tanta seriedade, vi-me forçado a refletir em demasia também. 

Nos certames oficiais, há um relógio com dois mostradores de tempo conectados entre si de tal modo que só um deles é ativado de cada vez. O oponente o aciona após mover uma peça. Além disso, quando um deles se vê perdido, tomba o seu rei dando-se por derrotado. No caso do nosso duelo, não houve nada disso; o relógio era o que estava na parede, tão confiável quanto o da Central do Brasil, e o fim seria o humilhante xeque-mate – tombar antes o rei significava covardia.

Diante dessa perspectiva, eu e meu irmão ficamos mais de três horas ininterruptas, separados por um tabuleiro, embora eu já vislumbrasse a minha derrota com pouco mais de duas horas de embate. Quanto tempo! Mais um pouco e seria, em duração, um discurso de ditador comunista.

Depois, li sobre esses enfrentamentos neurônicos e soube que foram calculadas, depois das dez primeiras lances do jogo de xadrez, um número sideral de possibilidades: 169 decilhões, 518 nonicilhões, 829 octilhões, 100 septilhões, 514  sextilhões. Em 40 lances, as possibilidades se elevam a uma cifra de 117 algarismos. Caramba, nos primeiros dez lances foram apenas 11 algarismos!

Não existem atalhos? - perguntei-me, pois até a memória do computador mais avançado pediria penico diante desse cenário. A literatura sobre a matéria se reporta às defesas, que não poderiam ser poucas; entre elas há a Siciliana e a de Budapeste. Porém, há variações no miolo dessas defesas. Na Defesa Siciliana, por exemplo, há as seguintes variantes: Dragão; Dragão Acelerado (o que é isso, o bicho fugindo da lança de São Jorge?); Najdorf (concebida por um polonês naturalizado argentino); Fechada e Clássica.

Além de muito atrevimento, seria uma grande perda de tempo eu praticar esse esporte tão complexo. Mas eu me sentia fortemente atraído por essa guerra asséptica, minimalista, sem sangue, envolvendo peões, torres, cavalos, bispos, reis e rainhas. Deixei, então, as disputas de lados e passei a reproduzir os duelos entre os grandes mestres no meu tabuleiro com as minhas peças. Era como se eu ouvisse Bach: percebia a luz, como as mariposas, mas não conseguia penetrá-la na sua essência.

Na época, os jornais, além dos livros, estampavam, numa linguagem de fácil compreensão, todas as jogadas dos torneios disputados pelos mais memoráveis enxadristas. As minhas reproduções foram incontáveis, mas aquela que mais se destacou para mim foi uma partida, considerada do século pelo jornal, em que se enfrentaram Bobby Fisher, então com 13 anos de idade, e Bent Larsen. Nela, o menino prodígio americano sacrificou a rainha para ficar com as sua peças em melhor posição para atacar o rei inimigo e vencer.

Passaram os anos, o jogo de xadrez perdeu a projeção, curiosamente, depois que Kasparov perdeu para o supercomputador da IBM Deep Blue em 1997. Os poucos apreciadores sumiram, ainda assim, encontrei, por algum tempo, na Marinha Mercante, um engenheiro que era afeito ao jogo de xadrez a ponto de ter um na sua mesa de trabalho. Falei-lhe de Bobby Fisher que, claro, ele conhecia, era o grande mestre americano que se tornou campeão mundial vencendo Boris Spassky com toda a sua equipe de assessoria russa. Falei-lhe de Bert Larsen, e ele também conhecia, enxadrista dinamarquês de destaque internacional. E a partida em que Bobby Fisher o derrotou com 13 anos de idade entregando a rainha?... Não, ele não se lembrava. Fazia uns 20 anos que eu não topava com ninguém que soubesse desse “jogo do século”. Mesmo pesquisando na Internet, eu nada encontrava. Será que a memória me traía tão descaradamente?... Então, eu me deparei, há menos de uma quinzena, com um artigo do jornalista Elio Gaspari em que ele alude a essa contenda. “No 17º lance, Bobby Fischer entregou a rainha e, como tinha 13 anos, pensaram até que ele não sabia jogar.” - escreveu.

No mencionado artigo, Elio Gaspari analisa a atual situação política do Brasil, e a rainha, a nosso ver, tem alguma coisa a ver com a Variante do Dragão.

 

 

 

 

 

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