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quinta-feira, 25 de junho de 2015

2881 - de marré de si


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O BISCOITO MOLHADO

Edição 5131                          Data:  22 de junho de 2015

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CARTA DA ROSA

 

INTRODUÇÃO

 

Rosa Grieco nos enviou uma carta, que segue abaixo, em que comenta os biscoitos que lhe enviamos logo que saíram do forno e foram devidamente molhados, apesar da crise hídrica, acompanhados de uma carta manuscrita.

Não vamos colocar asteriscos no seu texto para, em seguida, tecermos comentários no rodapé, porque o Dieckmann patenteou esse método e não queremos correr o risco de uma acusação de plagiário.

Isso posto, interromperemos alguns parágrafos para enxertamos nossas observações para, depois,  seguir com as palavras da nossa remetente. Vamos a ela ou a elas.

“Galhardo missivista:

Dedicando um primeiro olhar à sua epístola, só traduzi “Cara Rosa” e Beijos, Carlos”. De permeio, nada captei até que convoquei Champollion e recorri às minhas apostilas de Paleografia, curso realizado em 1951 (Vossência era miúdo) e, auxiliada por escritas  lombardas e merovíngias, consegui traduzir seus hieróglifos.”

Nossa irônica Rosa compara a nossa missiva à Pedra de Roseta, que foi descoberta a 30 quilômetros de Alexandria, em 1799, por um dos sábios franceses que acompanhavam o exército de Napoleão Bonaparte na sua campanha no Egito.

Em 1822, Jean-François Champollion, que conhecia 12 idiomas, mais a língua coopta do Egito antigo, buscava o sentido oculto em tudo que parecia, para os comuns mortais, meros rabiscos. Ele, com todo o seu cabedal, comparou as escritas demótica e hieroglífica com o grego e decifrou os escritos da Pedra de Roseta.

Quase ao mesmo tempo, em 1823 precisamente, um médico britânico, Thomas Young, apresentou um entendimento diferente da escrita hieroglífica. Durante 40 anos, houve defensores de uma versão e de outra. Quando um novo texto hieroglífico foi descoberto, o Decreto de Canopus de autoria de Ptolomeu III Evergeta, de 237 a.C, que impunha uma reforma no calendário para introduzir o ano bissexto, a questão foi decidida: o sistema de Champollion foi decisivo na sua decifração. Thomas Young comparado a  Jean-François Champollion era um fraco abusado.

Um professor meu de Estudos dos Problemas Brasileiros, que ficava a anos-luz da erudição da Rosa, quando se deparava com uma prova em que ele não entendia o que estava escrito, esbravejava: “Isto é letra de veterinário!”. Qual é o problema? - eu me perguntava; os animais não vão ler a receita.

Para que nossa amiga continue pondo em prática seus conhecimentos de egiptologia, nós lhe enviaremos exemplares do Biscoito Molhado também manuscritos.

“Agradeço seus agradecimentos.”

“Cantigas de roda: muitas foram trazidas pelas freiras gaulesas. “Eu sou pobre, pobre, etc” é “je suis pauvre, pauvre, pauvre, je m' en vais d' ici.” Colega minha no Sion falava sobre a “Mère Delphine”, grande cacófaton...”

Rosa alude ao Biscoito Molhado que repercutiu o programa Rádio Memória em que o centenário do Carequinha foi comemorado e muitas cantigas de roda entoadas por ele e a criançada foram tocadas.

Segundo a Rosa, “je m' en vais d' ici.” - eu me vou daqui – se transformou em “de marré de si”. No nosso idioma, há muitas expressões provenientes de combinações fonéticas malucas, por exemplo: “cara esculpida em mármore Carrara” se transformou em “cara cuspida e escarrada”. Será que “Je m'en vais d' ici” virou “de marré de si”?

O Departamento de Pesquisa do Biscoito Molhado entrou na internet em busca de outras versões. Duas foram encontradas, a primeira guarda alguma semelhança com a da Rosa. Diz que “marré” se origina, após inúmeras corruptelas, de um diminutivo do nome Maria, “Marie” em francês. Quanto a “deci”, foi extraído do verso “dans ce jeu d' ici”, que significa “neste jogo daqui”, na variante belga. A conclusão tirada é que estas palavras aparentemente sem sentido “de marré deci” significa, na cantiga de roda, “paupérrimo”.  A segunda, é de um internauta que cita a irmã que ouvia a professora de francês ensinar às alunas “Je Suis pauvre, pauvre, pauvre  du Marais, Marais, Marais.” Um terceiro internauta completou: “Je suis riche, riche, riche de La Mairie d' Issy.” E explicou que se trata de dois bairros de Paris: Marais, bairro de pobres, e Mairie d' Issy, bairro de ricos.

Nós cantamos essa inocente cantiga de roda, quando crianças e chegamos à idade adulta sem desconfiar de tanto francesismo nelas. Pena que a Rosa não se estendeu mais sobre as freiras francesas, esperamos que ela o faça na próxima oportunidade.

“Sua roda-gigante com direito a “Um Corpo Que Cai”, me trouxe à combalida memória a mãe do Inesquecível; perguntada se entendera o filme, declarou que sim. “Mas quem era aquela outra mulher?” E “Psicose”? Entendeu tudo, era um homem que cuidava da irmã dele numa cadeira de balanço. Dotada de uma sábia ignorância, gostava muito de mim e filosofava: “Quando a Rosa diz “Mata!”, meu filho diz “Esfola!” Bons tempos...”

Trata-se de capítulo do meu Minidicionário Autobiográfico sobre a minha experiência na roda-gigante com quase 30 anos de atraso, quando tentei satisfazer um desejo de infância na idade adulta. Com esse descompasso de tempo, sofri uma acrofobia que comparamos à do personagem James Stewart no filme “Um Corpo Que Cai” de Alfred Hitchcock.

Falando nesse filme, na última pesquisa com críticos de cinema, ele tirou o primeiro lugar de “O Cidadão Kane”, de Orson Welles. Nós discordamos inteiramente, preferimos aqueles críticos que há mais de 50 anos dão a primazia à obra-prima do cineasta americano.

Se a quase sogra da Rosa não entendeu “Um Corpo Que Cai” e “Psicose”, nós imaginamos qual seria a reação dela se assistisse a “O Cidadão Kane” com a sua narrativa não linear. 

“O John Malcovich estava um atentado, feio e bom professor de latim, o livro é tão bom que o cinema não conseguiu derrotá-lo.

A enxurrada de BMs foi um deleite para mim; estou demais solitária, supérflua como o trema da reforma ortográfica.  Merci.

Ósculos (não em latim).”

Rosa Junho 2015

 

Ela agora fala do filme “Relações Perigosas”, que foi baseado numa peça homônima que, por sua vez, se baseou no consagrado romance de Choderlos de Laclos publicado em 1782.

Para não escrevermos em tintas bocagianas, no Biscoito Molhado, a cena de sexo que surpreendemos no meio da calçada da Rua Van Gogh, nós recorremos a uma palavra latina escorando-nos no sedutor personagem de John Malcovich, do filme mencionado, que avisa a uma ninfeta da nobreza que iria lhe ensinar uma palavra dessa língua.

Com essa citação, Rosa fez a festa.

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                              

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