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sexta-feira, 5 de junho de 2015

2867 - prostituição musical


 

 

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 5117                                  Data:  30 de maio de 2015

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SABADOIDO LEVADO NA FLAUTA

 

Daniel conduzia a mãe para um restaurante no Méier e, como normalmente faz, alterou o percurso para me deixar em casa. Quando o seu carro, parou no primeiro sinal que encontramos, a Gina se manifestou.

-Ontem, quando este sinal fechava para os motoristas, uma mulher, com uma blusa tomara que caia, uma calça arrochada que realçava ainda mais o seu traseiro, se metia no meio dos automóveis tocando flauta,

-A popozuda era uma Altamiro Carrilho de saia, digo, de calça arrochada?

-Nada, Carlinhos; ela enfiava os dedos em qualquer buraco e soprava. Queria, certamente, que alguém a carregasse para o motel. - respondeu-me.

-Era uma prostituta que abordava os clientes musicalmente.

-Ela queria nota, Carlão e não era da flauta. - manifestou-se meu sobrinho.

-Quando eu dirigia, eu topava muito, nos sinais, com garotos fazendo malabares com limões, laranjas, quaisquer coisas esféricas. Não tenho visto mais esses malabaristas.

-Passaram a fumar craques. - disse a Gina.

-Não foi notícia, agora, um menino que se tornou médico depois de vender bombons no ônibus? Talvez alguns deles tenham entrado numa faculdade do governo.

Sempre cética, minha cunhada zombou do meu otimismo para arrematar:

-Mesmo que entrassem, não adiantaria nada, pois está tudo parado. Não há verba nem para limpar os banheiros.

-É a pátria educadora da Dilma candidata.

-Pátria cagadora.

-Carlão, chegamos.

Como sempre faz, ao deixar-me em casa, Daniel imitou o Luca que, em Sabadoidos passados, levava nós três no seu carro como caronas.

-Dê miiiiiiiiil abraços apertados na Dona Vivi.

A abertura desse Sabadoido se deu como o seu encerramento, sem alterações dignas de nota, a não ser se eu visse uma flautista calipígia no meu caminho até a casa das nossas reuniões de sábado. O que encontrei foram as obras da Prefeitura que duram uma eternidade.

-Cada vez o buraco na sua calçada aumenta mais; sem sustentação, o muro vai cair. - disse ao Claudio quando ele abriu o portão para mim.

-O pior que só sai um fiozinho de água nas torneiras lá dentro. - reclamou.

Na cozinha, os assuntos foram outros.

-Já leu a autobiografia do Bill Clinton?

-Claudio, já vai distante o tempo em que eu lia volumes de 400 páginas em menos de uma semana e esse do Bill Clinton é um cartapácio de mais de 900 páginas. Segundo o meu cronograma de leitura, em um mês, eu chego ao imbróglio dele com a Monica Lewinsky.

-Você agora está onde?

-Lá pela página 260; quando ele se refere ao tempo de governador do Arkansas, o seu estado natal.

-É interessante?

-Um cargo desses é interessante, no mínimo, muito movimentado. Mas o que achei mais curioso foram os seus textos sobre uma eleição anterior sua para congressista, que ele se empenhou com todas as forças e perdeu. Clinton comenta que a derrota lhe tirou o ânimo, quase o levou da tristeza à depressão, e que, anos depois, constatou que, caso fosse vitorioso, jamais chegaria à Presidência da República.

-Diz o ditado popular: o que é do homem, o bicho não come. - manifestou-se.

-Na hora, lembrei-me da derrota do Fernando Henrique Cardoso para o Jânio Quadros. Se o Fernando Henrique Cardoso se elegesse prefeito de São Paulo, ele nunca seria presidente da República.

-Essa eleição foi em 1985, bem antes, Carlinhos.

-Sim; mas o F.H.C. se elegeu porque comandou a equipe de notáveis que formulou o Plano Real. O Itamar Franco já havia escolhido três ou quatro ministros da Fazenda, em dois anos, que não deram certo, então o Roberto Freire lhe sugeriu nomear o F.H.C., que era o ministro das Relações Exteriores.

-Ele aceitou contra a vontade. - assinalou meu irmão.

-O êxito do Plano Real o catapultou à Presidência da República, afinal, o povo não aguentava mais uma hiperinflação que, no acumulado de 17 anos, chegava a casa dos quintilhões, ou número parecido, por cento.

-Então, valeu a pena sentar na cadeira de prefeito de São Paulo, que o Jânio Quadros desinfetou com uma lata de inseticida?

-Como valeu! - respondi ao meu irmão.

-Como está Dona Vivi? - perguntou-me a Gina adentrando a cozinha.

-A mamãe está cada vez mais surda. Dia desses, chegando do trabalho, vi a minha mãe jantando e, como sempre, com o rádio ligado.

-Ela escuta muito a Rádio Catedral. - aparteou-me o Claudio.

-Estranhei porque a prédica religiosa era quase gritada, dita com ferocidade. Padre não fala assim... Fui averiguar a emissora. Depois, voltei-me para ela. “Mãe, você está ouvindo um pastor. Isto é rádio evangélica.” Ela quase engasgou: “Tira daí... Tira daí.”

-Carlinhos, nós temos de nos preparar: a mamãe, a Tia Flavinha, o Tio Vivinho...

-A Tia Sofia, que nós não conhecemos. - acrescentei à lista de humor negro do meu irmão.

-Todos surdos. É genético. - afirmou.

-Eu percebo que a audição do meu ouvido esquerdo está aquém do outro, e, às vezes, tenho de passar o telefone para o ouvido direito para ouvir o meu interlocutor, - revelei.

-Carlinhos, se eu fosse você, já começava hoje mesmo um curso intensivo de leitura labial. - não perdeu a Gina a oportunidade para mais uma piada.

-Numa das cartas da Rosa, ela escreveu que um dos maiores sofrimentos dela é não poder mais ouvir a Sinfonia nº7 de Beethoven e o “Miserere” da ópera “O Trovador”, de Verdi. - lembrei.

-Carlão, você foi no casamento do Roberto Jefferson? - era agora o Daniel que marcava a sua presença na cozinha.

-Roberto Jefferson é o São Dimas da política brasileira. Ele salvou o Brasil de ter o José Dirceu como presidente da República.

-Em compensação, temos a Dilma Rousseff.

-Dos males o menor, Gina. - devolvi.

-Falando em ladrões, Carlão, e o presidente da CBF?

-Merece julgamento e cadeia nos Estados Unidos, onde a justiça é de um país sério. - comentei.

-Bem, vou agora para a academia. Volto daqui a pouco.

-Vê se não desamina dessa vez, Daniel. Se você não estiver perdendo peso na rapidez que pretendia, é porque está ganhando massa magra, músculos, que também pesam, mas são bem vindos.

-Carlão, um dia, você será o meu Nuno Cobra. - disse ao sair.

-Não demora para a gente não almoçar muito tarde no Méier - gritou a Gina quando ele já rumava para o portão.

E a conversação se seguiu do seu retorno até a carona que me eu, como foi contado.

 

 

 

 

 

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