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quarta-feira, 27 de março de 2013

2346 - o Conde (1)


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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4146                                      Data: 09 de  Março de 2013
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83ª VISITA À MINHA CASA

-Como vai, Conde Francesco Matarazzo? - perguntei-lhe assim que se materializou à minha frente.
-Mal, sem  trabalhar...
-Você veio do sul da Itália, para trabalhar no Brasil com 27 anos de idade?
-Vim de Castellabate, minha pequena vila do sul italiano em busca de oportunidades no Brasil. Emigrei em 1881, com mulher e filho pequeno, trazendo uma carga de banho de porco.
-Imagino a sua dificuldade, não sabendo que maiale é porco, e que banha é lardo.
-A dificuldade não foi o idioma e sim a perda da minha carga de banha de porco no desembarque, na Baía de Guanabara.
-Mas o seu destino  era o Rio de Janeiro?
-Não; era Sorocaba, onde me fixei com o pouco dinheiro que restou nos meus primeiros nove anos no Brasil.
-Há poucos anos li uma biografia sua do historiador Ronaldo Costa e Couto e sei alguma coisa sobre você.
Sob o olhar astucioso do empresário, prossegui:
-Você chegou  a Sorocaba, mascateou na roça e, depois,  estabeleceu um armazém de secos e molhados; comprou mercadorias e contratou tropa...
-Tropa?!... - interrompeu-me. 
Depois de lhe explicar que contratou trabalhadores braçais  para trabalharem em armazém, prossegui:
-Importou banha de porco em barricas, sal, arroz, azeite fubá. Comprou e engordou porcos, passou a fabricar banha em casa. Fez latas no fundo de quintal para enlatar a banha. Fabricou fubá, explorou açougue. E as vendas e lucros se multiplicaram.
-Você se esqueceu da Filomena, minha mulher, que trabalhou no pesado junto comigo.
Feita a justa ressalva, fui adiante:
-Empresários que surgiram no Brasil muito depois de você declaram que o início da sua fortuna  se deu no atendimento ao consumo de massa: banha, tecidos, farinha de trigo, óleos comestíveis, etc. Reconhecem a sua extraordinária visão ao não enfrentar a competição internacional e proteger-se com a produção interna.
-Eu fui crescendo aos poucos e atuando no ramo que eu mais conhecia, o de alimentos. Eu era audacioso, mas nunca inconsequente.. Estava escarmentado pela dura vida no sul da Itália, sabia melhor que todos o que era uma crise.
-Sei que você não entrou na euforia da política econômica do Ruy Barbosa, no primeiro governo republicano, que resultou no Encilhamento.
-Não disseram que eu tinha visão?... Pois eu tinha, não pisaria em falso. A riqueza viria paulatinamente, sem pressa. - afirmou.
-Você seguiu um lema simples, mas de grande sabedoria: uma coisa puxa a outra.
-Sim; eu produzia trigo que, por sua vez, tinha de ser embalado. A embalagem exigiu que eu montasse uma tecelagem. Para aproveitar todo o algodão utilizado na produção do tecido, instalei uma refinaria de óleo, e assim por diante. Uma coisa puxa outra e nos leva além do horizonte.
-E quando você se mudou para a cidade de São Paulo?
-Em 1890, quando fundei com meus irmãos Giuseppe e Luigi a empresa Matarazzo & Irmãos. Giuseppe participava da fábrica de banha, em Porto Alegre, e Luigi do depósito-armazém, em São Paulo. Em pouco mais de um ano, a empresa foi dissolvida e constituí, em seu lugar, a Companhia Matarazzo S.A. com pouco mais de 40 acionistas majoritários. Em 1898, houve a guerra entre a Espanha e Estados Unidos, eu percebi que era o momento de dar mais uma sacudidela nos negócios; obtive crédito do London and Brazilian Bank, construí, então, um moinho, em São Paulo e os negócios se expandiram.
-A ponto de você trabalhar com pouco capital de terceiros e ter o seu próprio banco.
-Você está apressando as coisas.- admoestou- me com o sorriso das pessoas exitosas.
-Sim, temos de nos deter no emblemático ano de 1911, que consolidou a sua vida de empresário. - reconheci.
-Em 1911, nasceram as Indústrias Reunidas Fábricas Matarazzo S/A com as três símbolos fundamentais para o engrandecimento: Fides – Honor – Labor ( Fé, Honra e Trabalho). -  declarou com orgulho.
-A IRFM  foi um empreendimento que englobou o já encorpado conjunto industrial, com a sede central em São Paulo mais filiais em Santos e Rosário de Santa Fé, na Argentina?
-Isso. Eu era o diretor-presidente; Ermelino Matarazzo, meu filho, era o diretor-gerente; e o meu outro filho, Andrea Matarazzo, era o diretor-secretário. E também havia grandes nomes no Conselho Fiscal.
-O escopo da empresa era, então, a moagem de trigo, o engenho de arroz, as fábricas de banha, óleo, sabão, fiação, tecelagem e tinturaria. - acrescentei.
-Eu não desativei a atividade comercial, eu a mantive porque era lucrativa, com ela, tínhamos relações de negócios em todo o mundo.
-As medidas econômicas tomadas pelo governo brasileiro, na época, eram favoráveis à industrialização e à emergência de uma burguesia industrial. - disse.
-Sim, era hora das mudanças, de arregaçar ainda mais as mangas da camisa  e trabalhar. - clamou com o entusiasmo de quem revivia aquele tempo.
-Então, Francesco Matarazzo, três anos depois espocou a Primeira Guerra Mundial com a Itália envolvida.
-Eu nunca deixei de ser italiano, embora a IRFM fosse genuinamente brasileira. É verdade que cheguei a ter 80% de trabalhadores italianos ou oriundi, eles se realizavam com o meu êxito, eu era mais do que um chefe para eles, uma fonte de autoestima. Estou falando aqui português, mas, quando vivo, eu me comunicava mais com as pessoas do Brasil na minha língua pátria.
-Como italiano, você voltou para a Itália envolvida pela guerra.
-Não, a guerra me surpreendeu na Itália. Comprei uma propriedade em Resina, perto do Vesúvio e construí a Vila Matarazzo com magníficos vinhedos. Uma das minhas maiores paixões era o vinho de lá, bebia uma garrafa ´por dia.
-E as Indústrias Reunidas Fábricas Matarazzo S/A?
-Ficaram sob a administração dos meus filhos mais talentosos, principalmente Ermelino. E eu preparei bem o meu segundo filho; ele estudou na Suíça dos sete aos dezoito anos. Depois, Ermelino estagiou na França, na Alemanha e na Itália. Após  um curso de comércio, em Londres, ele retornou ao Brasil com dezenove anos. Eu o guiei, então, nos nossos negócios, e ele, demonstrou tamanha aptidão que lhe entreguei a direção das  Indústrias Reunidas Fábricas Matarazzo S/A e retornei à minha pátria.
-Ermelino Matarazzo  era o seu sucessor natural?
-Eu não tinha a menor dúvida, nem os seus irmãos.
-Eu não concebo que, com o seu temperamento de trabalhador, tenha retornada a Itália para descansar.
-Mas eu não descansei, fiz negócios por lá; por exemplo, obtive a representação da Navegação Geral Italiana, em Gênova.
-E a entrada da Itália, na guerra,  ao lado dos ingleses e italianos, mexeu ainda mais com seus brios?
-É evidente. Eu estava com  61 anos de idade, mas com plena saúde. Administrei o abastecimento e controle de alimentos principalmente em Nápoles. Articulado com a IRFM, enviei bens de primeira necessidade à população civil  pobre. Ermelino, em São Paulo, liderou polpudas contribuições dos imigrantes no esforço de guerra italiano. Forneci aos governos italiano e francês as instruções para a panificação da farinha de trigo, instruções essas que as autoridades fizeram imprimir e distribuíram largamente. O resultado obtido foi muito bom e tive a satisfação de receber do prefeito de Paris calorosos agradecimentos pela minha contribuição com a farinha de milho para minorar as dificuldades daqueles dias sombrios.
-E o rei da Itália, Vittorio Emanuele III, lhe concedeu o título de conde.
-Só os paulistas quatrocentões levaram a sério o meu título nobiliárquico, os nobres italianos, não.
-Então, veio a tragédia: Ermelino Matarazzo, seu sucessor, morre.

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