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segunda-feira, 18 de março de 2013

2338 - é o biscoito no Rádio


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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4148                                      Data: 16 de  Março de 2013
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MINHA  BIOGRAFIA MUSICAL POPULAR

Dieckmann, depois de apresentar a sua biografia musical no programa do Jonas Vieira com o  Sérgio Fortes, Rádio Memória, domingo, 8h da manhã, sugeriu, com a cumplicidade do  Elio Fischberg, que eu fizesse o mesmo. Ora, como eu já lhes disse, minha fala é truncada, minha voz rascante, sou um pouco melhor do que o pai da Rainha Elizabeth II da Inglaterra antes de encontrar o milagroso fonoaudiólogo.
Porém, eu  me expresso não tão mal escrevendo e, por isso, lanço aqui a minha biografia musical popular nos moldes da que o Dieckmann apresentou na sua voz de locutor da BBC.
Ela se inicia com o carnaval. Meus pais sempre me fantasiavam, tenho retratos em que estou vestido de chinês, de marinheiro, com 4, 5, 6 anos de idade. Minha mãe me levava, pelo menos num dia de carnaval, para ver os foliões na Avenida Rio Branco. Então, aqui vai a minha primeira música que representa o que era chamado de “tríduo momesco” As Pastorinhas de Noel Rosa e João de Barro. Noel Rosa não foi apenas o filósofo do samba, como o denominou César Ladeira, compôs também inspiradas músicas. Braguinha, que beirou os 100 anos de vida, morreu com 99, não perdeu a qualidade nas suas letras, mesmo que a quantidade fosse imensa. E a gravação de As Pastorinhas é do Orlando Silva que, no seu auge, não devia nada aos melhores cantores nacionais e internacionais.
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Antes da Bossa Nova surgir como gênero musical, eu escutava no rádio do apartamento em que eu morava na rua Cachambi, um cantor sem voz pujante, mas que atraía muito a atenção de garoto pelas palavras irreverentes e por despertar em mim o interesse pela política. Trata-se do Juca Chaves. Nos meus nove, dez anos de vida,  eu parava para ouvir “Brasil já vai a guerra”. Soube depois, por uma entrevista do Carlos Lacerda, que o Juscelino Kubitschek comprou o porta-avião Minas Gerais, para provocar  uma briga entre a Marinha e a Aeronáutica pela posse do mesmo, o que desviou as Forças Armadas da ideia de um golpe para derrubá-lo do governo.
Peço, então, a música Caixinha, obrigado, como o menestrel Juca Chaves.
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E veio, na adolescência, a moda das danças em festinhas nas casas de família. Nos 15 anos da minha irmã e de muitas debutantes no fim da década de 50 e início da de 60, tocavam-se muitos discos de Ray Conniff, mas também dos Românticos de Cuba, como de outras orquestras.
Eu pretendia, então, ouvir, com Românticos de Cuba, Siboney, de Lecuona. As composições de Ernesto  Lecuona estão entre as mais inspiradas da América Latina.  Se surgissem no nosso continente políticos tão capacitados quanto os músicos, não estaríamos nessa lastimável pobreza.
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Bem, a  canção  romântica nunca saiu de cena. E antes de nomear a gravação que identifica a sua perenidade, eu quero fazer um breve comentário. Nós, economistas, e os sociólogos também, tivemos de enfrentar as enfadonhas páginas de Karl Marx sobre a Teoria da Alienação, que dizem que o operário não desfrutava dos bens que produz, no capitalismo. Noel Rosa, um marxista romântico, transformou tudo isso em pura poesia quando fala de uma operária de  fábrica de tecido que, no frio,  sem meias vai  para o trabalho, “não faz fé no agasalho”. Bem, Noel Rosa, nos seus 26 anos de vida, elevou o nível das letras do nosso cancioneiro popular a um patamar que só décadas depois Chico Buarque de Holanda e Caetano Veloso alcançariam.
Então, pretendo ouvir Três Apitos na gravação do Caetano Veloso. Ressalto que tanto Chico Buarque, como Antonio Carlos Jobim, gravaram Três Apitos.
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Falei na Bossa Nova, mas tenho de me deter no gênero musical mais marcante da nossa cultura musical porque abrange marcantemente as influências europeias e africanas na nossa cultura, o Choro – a  música de câmera brasileira, como muitos a denominam. Bem antes do surgimento do Jazz dos norte-americanos, já se criava, no Brasil,  uma música que requeria muita inspiração e competência.
   Para representar essa época, eu gostaria de ouvir uma obra de um dos maiores compositores do Brasil que, este ano, faz 150 anos, ou seja, nasceu com o Choro. Trata-se de  Apanhei-te Cavaquinho, uma polca de 1914,  que os instrumentistas chorões adotaram.  Aqui, na gravação de Altamiro Carrilho e Victor Bandeira. Diz a capa do vinil: “A Flauta de Prata e o Bandolim de Ouro”. A Flauta de Prata?!... Como disse Gilberto Gil, quando Altamiro Carrilho se foi: “Perdemos a nossa flauta mágica.”
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 Tem-se obrigatoriamente de se citar Pixinguinha quando se fala em Choro. Dono de um talento extraordinário, Pixinguinha foi mestre como compositor, como instrumentista e como arranjador. Para muitos estudiosos, ele formatou a música popular brasileira. O grande Radamés Gnatalli, com os seus milhares de arranjos, recorreu muito aos instrumentos de corda devido `a sua formação musical europeia, Pixinguinha, por outro lado, usou os instrumentos de sopro, reportou-se à época em que as bandas tiveram grande participação no início da identidade musical brasileira.
Assim sendo, gostaria de ouvir Urubatan de Pixinguinha e Benedito Lacerda. O nome de Benedito Lacerda aparece junto com o do Pixinguinha em algumas composições, mas há controvérsias sobre essa parceria. O exato é que ele foi um grande flautista, modelo do Altamiro Carrinho, nos primeiros anos deste na flauta. A gravação com os autores é a que eu prefiro.
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Eu também era frequentador assíduo do cinema, e não pude ficar indiferente aos filmes musicais. “Cantando na Chuva”, “Guardas-Chuva do Amor”, My Fair Lady”, “O Violinista no Telhado”... Posso citar vários filmes que, se não vi, escutei as gravações  em LPs de vinil que um dos meus irmãos colocava quase que obsessivamente para tocar. Desses filmes, eu destaco “West Side Story”, de Leonard Bernstein e Stephen Sondheim , cuja única deficiência, a meu ver, é o final melodramático com a Natalie Wood. Quanto a Leonard Bernstein, mostrou-se grande artista tanto na música erudita, como maestro e compositor, quanto na música popular. Não foi à toa que Jacqueline Kennedy o chamava à Casa Branca para dar um toque refinado ao governo do seu marido, que estava bem mais interessado nas mulheres do que nas  melodias.
Mesmo sabendo que nomes consagrados, como Kiri Te Kanawa e José Carreras gravaram  West Side Story, eu gostaria de ouvir Tonight  como está no filme.
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Então, vieram os chamados anos de chumbo, mas a riqueza do cancioneiro popular deste país não arrefeceu, pelo contrário. Surgiu a febre dos festivais e, com eles, aflorou para o imenso público uma plêiade impressionante de artistas: Edu Lobo, Caetano Veloso, Chico Buarque de Holanda, Gilberto Gil. Milton Nascimento, Aldir Blanc, João Bosco, Elis Regina, entre muitos.
Dos festivais, eu escolho uma das canções mais bonitas e também das mais vaiadas, porque era uma época de ânimos acirrados e paixões cegas: Sabiá de Tom Jobim e Chico Buarque, nas vozes de Cynara e Cybele. Procuro também fazer justiça ao Tom Jobim, o melhor compositor brasileiro dos últimos 50 anos.
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Bem, eu não fiquei indiferente ao Jazz, e aqueles que levaram a Bossa Nova para os Estados Unidos e, depois, para outros países, muito menos; estes foram influenciados.  Cito o Swing, no bom sentido, o Be Bop, o Coool Jazz, e aqueles que exploraram as vertentes deste gênero musical que Strawinsky disse ser a música clássica do século XX: Louis Armstrong, Duke Ellington, Charlie Parker, Miles Davis.
A música que eu gostaria de ouvir não é  Jazz, mas quem vai cantá-la é, talvez, o seu nome máximo: Louis Armstrong. E a música é What a wonderfull world, de George David Weiss, George Douglas e Bob Thiele.
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Encerro ainda com o Jazz. Quando Paul Whiteman e, principalmente, o admirável George Gershwin enveredaram por esse gênero musical, muitos negros reclamaram contra o embranquecimento do Jazz, pois as orquestras sinfônicas passaram a tocá-lo. Os mais radicais até pediram a Duke Ellington que criasse uma composição de fôlego para superar a ópera de negros “Porgy and Bess”, de George Gershwin.  Uma bobagem, que Duke Ellington logo percebeu. Era preconceito de negro contra judeu e vice-versa, o que lembra o  filme “Conduzindo Miss Daisy”.
Então, eu peço para ouvir  Summertime  de George e Ira Gershwin na voz de cristal da Kiri Te Kanawa.
É isso.

(*) Óbvio, contactamos o Dieckmann que sugeriu de batepronto: que o Sergio Fortes coloque na pauta do programa a seleção do redator do seu O BISCOITO MOLHADO, em ausência, devido às explicações debulhadas em tom lamentoso, bem à moda do Nelson Gonçalves.

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