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O BISCOITO
MOLHADO
Edição 4144 Data: 05
de Março de 2013
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82ª VISITA À MINHA CASA
-David Niven, a sua visita é
sempre bem-vinda.
-Sempre que posso, passo por
aqui.
-Ainda bem, pois as suas
histórias da Hollywood de 1935 a 1960 são pepitas de ouro para qualquer
cinéfilo.
-Hollywood é a terra do loto.
-Explique, porque muita gente
não entendeu, inclusive a minha pessoa.
-Encontra-se na Odisseia de
Homero: quem come o fruto dessa árvore passa a viver um mundo de sonhos com uma
sensação de bem-estar.
-Sim, Hollywood é a terra do
sonho, como na mitologia grega.
-Eu escrevi muitas páginas
sobre o realismo na terra dos sonhos.
-Conte-nos, então.
-Eu teria de ficar dias aqui
e não tenho muito tempo.
-Fale-nos das festas e
jantares de Hollywood, de algumas delas, já que o seu tempo aqui é curto.
-Compareci aos jantares
íntimos do Cole Porter nos quais o seu maître francês nos deliciava com
autênticas obras de arte culinária, regadas a vinhos capazes de excitar
qualquer sommelier.
-E Cole Porter tocava piano
para dar um fecho de ouro?
-Não só ele, como George
Gershwin e Irving Berlin, que também compareciam a esses jantares.
-Três dos maiores
compositores que já existiram nos Estados Unidos. - animei-me.
-Eles tocavam por satisfação
própria, o que tornava ainda mais prazeroso para nós ouvi-los. E que
improvisações!... Embora Gershwin tenha ficado no limite da música popular com
a erudita, não superava Cole Porter em conhecimentos musicais.
-Era tudo refinado. -
comentei.
-Nem sempre. Estive numa
festa em que o champanhe jorrava dos seios de uma estátua; em outra, de
nudistas, realizada numa casa à beira-mar,
dois convidados desapareceram por alguns minutos e voltaram vestidos de
policiais.
-Para prender todo o
mundo?- previ.
David Niven gargalhou e foi
adiante:
-Nessa festa, um artista, uma
celebridade, quebrou a perna ao fugir por uma janela.
-Quem foi esse nudista que
correu dos policiais fantasiados.
-Não posso contar tudo. Uma
discrição se faz necessária.- disse com forte acento britânico.
E prosseguiu:
-Certa vez, Charlie e Ann
Lederer ofereceram um jantar ao Xá do Irã. Em dado momento, o homenageado se
voltou para Lauren Bacall e lhe disse que ela nascera para dançar. Ela
respondeu sem pestanejar: “Xá, pode apostar o seu rabo.”
-Lauren Bacall usava esse
palavreado? - surpreendi-me.
-Você precisava ouvir o que
diziam aquelas que apareciam como vestais nas telas.
Pelo que a Lauren Bacall
disse ao Xá do Irã, eu já imagino.
-Houve uma festa, que se deu
em certa mansão de Hollywood, em que o convidado de honra foi um cavalo.
-Um cavalo?!... Se ainda
fosse um cachorro, o Rin Tin Tin, que salvou a Warner Brothers da falência.
-Hollywood também tinha o seu
Calígula fora da tela.
-E como foi a festa?
-Bem, o cavalo homenageado se
sentiu tão à vontade que os tapetes
persas tiveram de passar, depois, por uma boa faxina.
-Qual dessas festas foi a
inesquecível?
- Estou me lembrando de
muitas delas...
Depois dessa hesitação à
minha pergunta movida pela curiosidade,
deteve-se num almoço em que o convidado de honra da Twentieth Century
Fox foi o premier da União Soviética, Nikita Kruschev.
-Sim, houve o célebre debate
na cozinha em que o vice-presidente Nixon enalteceu o capitalismo, enquanto
Kruschev contra-atacava com os grandes feitos do comunismo.- manifestei-me.
-Isso foi em 1959, na Rússia; o almoço foi por essa
época.
-Em plena guerra fria.-
dramatizei.
-Compareceram uns trezentos
convidados, entre eles a Madame Kruschev e a filha. Elas eram as exceções, só
havia homens.
-E como foi?- cresceu a minha
curiosidade.
-Eu e Frank Sinatra fomos escalados para entreter as duas
madames.
-É evidente que havia um
intérprete por perto.
Enquanto David Niven sorria, eu
lhe perguntei como era a Senhora
Kruschev.
-Sua expressão era maternal.
Seus cabelos grisalhos foram puxados para cima e presos por um coque. Ela
sorria bondosa e indiscriminadamente.
-Não vou pedir-lhe para
descrevê-la fisicamente.
-Ainda bem; quem quiser
saber, que leia o meu livro.
-E como foi ela com vocês?
-Logo que se sentou à mesa,
abriu a bolsa, vasculhou-a e retirou as fotografias dos seus netos, que passou
para mim por sobre a mesa.
-E a filha dela com o premier soviético?
-Era uma loura discreta, com
nariz grande, tendo uns 30 anos de idade. Era casada com o editor do Izvestia.
-Izvestia e Pravda, os
dois jornais de lá. Ele compareceu ao almoço?
-Sim, mostrou-se muito
afável.
-Evidentemente que você
colocou mãe e filha à vontade.
-Bem, eu perguntei o que elas
pretendiam fazer depois do almoço e, com a expressão constrangedora, a Senhora
Kruschev me respondeu que gostaria de ir a Disneylândia.
-Interessante.
-Em seguida, ela acrescentou
que a polícia comunicara que não podia se responsabilizar pela segurança dela e
da filha.
-E não foram à Disneylândia?
-Passei a informação para o Frank Sinatra que reagiu do jeito
dele: “Que os tiras se fodam. Diga à bruxa velha que você e eu as levaremos
esta tarde para a Disneylândia. Nós tomaremos conta delas”.
-Ainda bem que ela não
entendia a língua inglesa.- comentei depois de rir.
-Modifiquei um pouco as
palavras do Frank para o intéprete, quando a Madame Kruschev o ouviu seu rosto
se iluminou. Depois, ela voltou a escarafunchar a bolsa, tirou um pedacinho de
papel e lápis, escreveu alguma coisa que foi despachada para o marido. Ele leu,
com a expressão antipática, e acenou-lhe um “Nyet”.
E prosseguiu:
-Terrível foi o momento em
que o presidente da 20th Century Fox ergueu-se para discursar. Fez um paralelo entre a ascensão de um
trabalhador de mina de carvão a homem mais importante da URSS com a sua
ascensão de simples trabalhador a dono de empresa.
-E o discurso do Kruschev?
-Desancou a prefeitura de Los
Angeles, uma cidade em que não se está a salvo nem num parque de diversão para
crianças. Para acalmar o homem, ele foi levado para o estúdio de gravação do
filme Can Can.
-Com músicas de Cole Porter.
- interferi.
Com um sorriso malicioso,
David Niven continuou:
-Shirley MacLaine e outras
dançarinas, com suas meias rendadas e pequeninas cintas de liga,atiravam as
pernas para o ar, rodavam as anáguas e, com movimentos rotativos dos joelhos,
terminavam com as saias erguidas até a cabeça. Elas apontavam seus traseiros diretamente para o hóspede de honra
e sua família.
-E Kruschev?
-Disse só uma palavra:
NOJENTO.
E com um sorriso irônico, David
Niven se foi.
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