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terça-feira, 26 de março de 2013

2344 - NOJENTO


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O BISCOITO MOLHADO
                          Edição 4144                                 Data: 05 de  Março de 2013
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82ª VISITA À MINHA CASA

-David Niven, a sua visita é sempre bem-vinda.
-Sempre que posso, passo por aqui.
-Ainda bem, pois as suas histórias da Hollywood de 1935 a 1960 são pepitas de ouro para qualquer cinéfilo.
-Hollywood é a terra do loto.
-Explique, porque muita gente não entendeu, inclusive a minha pessoa.
-Encontra-se na Odisseia de Homero: quem come o fruto dessa árvore passa a viver um mundo de sonhos com uma sensação de bem-estar.
-Sim, Hollywood é a terra do sonho, como na mitologia grega.
-Eu escrevi muitas páginas sobre o realismo na terra dos sonhos.
-Conte-nos, então.
-Eu teria de ficar dias aqui e não tenho muito  tempo.
-Fale-nos das festas e jantares de Hollywood, de algumas delas, já que o seu tempo aqui é curto.
-Compareci aos jantares íntimos do Cole Porter nos quais o seu maître francês nos deliciava com autênticas obras de arte culinária, regadas a vinhos capazes de excitar qualquer sommelier.
-E Cole Porter tocava piano para dar um fecho de ouro?
-Não só ele, como George Gershwin e Irving Berlin, que também compareciam a esses jantares.
-Três dos maiores compositores que já existiram nos Estados Unidos. - animei-me.
-Eles tocavam por satisfação própria, o que tornava ainda mais prazeroso para nós ouvi-los. E que improvisações!... Embora Gershwin tenha ficado no limite da música popular com a erudita, não superava Cole Porter em conhecimentos musicais.
-Era tudo refinado. - comentei.
-Nem sempre. Estive numa festa em que o champanhe jorrava dos seios de uma estátua; em outra, de nudistas, realizada numa casa à beira-mar,  dois convidados desapareceram por alguns minutos e voltaram vestidos de policiais.
-Para prender todo o mundo?-  previ.
David Niven gargalhou e foi adiante:
-Nessa festa, um artista, uma celebridade, quebrou a perna ao fugir por uma janela.
-Quem foi esse nudista que correu dos policiais fantasiados.
-Não posso contar tudo. Uma discrição se faz necessária.- disse com forte acento britânico.
E prosseguiu:
-Certa vez, Charlie e Ann Lederer ofereceram um jantar ao Xá do Irã. Em dado momento, o homenageado se voltou para Lauren Bacall e lhe disse que ela nascera para dançar. Ela respondeu sem pestanejar: “Xá, pode apostar o seu rabo.”
-Lauren Bacall usava esse palavreado? - surpreendi-me.
-Você precisava ouvir o que diziam aquelas que apareciam como vestais nas telas.
Pelo que a Lauren Bacall disse ao Xá do Irã, eu já imagino.
-Houve uma festa, que se deu em certa mansão de Hollywood, em que o convidado de honra foi um cavalo.
-Um cavalo?!... Se ainda fosse um cachorro, o Rin Tin Tin, que salvou a Warner Brothers da falência.
-Hollywood também tinha o seu Calígula fora da tela.
-E como foi a festa?
-Bem, o cavalo homenageado se sentiu tão à vontade  que os tapetes persas tiveram de passar, depois, por uma boa faxina.
-Qual dessas festas foi a inesquecível?
- Estou me lembrando de muitas delas...
Depois dessa hesitação à minha pergunta movida pela curiosidade,  deteve-se num almoço em que o convidado de honra da Twentieth Century Fox foi o premier da União Soviética, Nikita Kruschev.
-Sim, houve o célebre debate na cozinha em que o vice-presidente Nixon enalteceu o capitalismo, enquanto Kruschev contra-atacava com os grandes feitos do comunismo.- manifestei-me.
-Isso foi  em 1959, na Rússia; o almoço foi por essa época.
-Em plena guerra fria.- dramatizei.
-Compareceram uns trezentos convidados, entre eles a Madame Kruschev e a filha. Elas eram as exceções, só havia homens.
-E como foi?- cresceu a minha curiosidade.
-Eu e Frank Sinatra  fomos escalados para entreter as duas madames.
-É evidente que havia um intérprete por perto.
Enquanto David Niven sorria, eu lhe perguntei como era a   Senhora Kruschev.
-Sua expressão era maternal. Seus cabelos grisalhos foram puxados para cima e presos por um coque. Ela sorria bondosa e indiscriminadamente.
-Não vou pedir-lhe para descrevê-la fisicamente.
-Ainda bem; quem quiser saber, que leia o meu livro.
-E como foi ela com vocês?
-Logo que se sentou à mesa, abriu a bolsa, vasculhou-a e retirou as fotografias dos seus netos, que passou para mim por sobre a mesa.
-E a filha dela com o  premier soviético?
-Era uma loura discreta, com nariz grande, tendo uns 30 anos de idade. Era casada com o editor do Izvestia.
-Izvestia e Pravda, os dois jornais de lá. Ele compareceu ao almoço?
-Sim, mostrou-se muito afável.
-Evidentemente que você colocou  mãe e filha à vontade.
-Bem, eu perguntei o que elas pretendiam fazer depois do almoço e, com a expressão constrangedora, a Senhora Kruschev me respondeu que gostaria de ir a Disneylândia.
-Interessante.
-Em seguida, ela acrescentou que a polícia comunicara que não podia se responsabilizar pela segurança dela e da filha.
-E não foram à Disneylândia?
-Passei a informação  para o Frank Sinatra que reagiu do jeito dele: “Que os tiras se fodam. Diga à bruxa velha que você e eu as levaremos esta tarde para a Disneylândia. Nós tomaremos conta delas”.
-Ainda bem que ela não entendia a língua inglesa.- comentei depois de rir.
-Modifiquei um pouco as palavras do Frank para o intéprete, quando a Madame Kruschev o ouviu seu rosto se iluminou. Depois, ela voltou a escarafunchar a bolsa, tirou um pedacinho de papel e lápis, escreveu alguma coisa que foi despachada para o marido. Ele leu, com a expressão antipática, e acenou-lhe um “Nyet”.
E prosseguiu:
-Terrível foi o momento em que o presidente da 20th Century Fox ergueu-se para discursar.  Fez um paralelo entre a ascensão de um trabalhador de mina de carvão a homem mais importante da URSS com a sua ascensão de simples trabalhador a dono de empresa.
-E o discurso do Kruschev?
-Desancou a prefeitura de Los Angeles, uma cidade em que não se está a salvo nem num parque de diversão para crianças. Para acalmar o homem, ele foi levado para o estúdio de gravação do filme Can Can.
-Com músicas de Cole Porter. - interferi.
Com um sorriso malicioso, David Niven continuou:
-Shirley MacLaine e outras dançarinas, com suas meias rendadas e pequeninas cintas de liga,atiravam as pernas para o ar, rodavam as anáguas e, com movimentos rotativos dos joelhos, terminavam com as saias erguidas até a cabeça. Elas apontavam seus  traseiros diretamente para o hóspede de honra e sua família.
-E  Kruschev?
-Disse só uma palavra: NOJENTO.
E com um sorriso irônico, David Niven se foi.

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