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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4135
Data: 18 de fevereiro de 2013
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SABADOIDO DAS ROMARIAS EVANGÉLICAS
PARTE II
-Os europeus se queixam porque comeram
carne de cavalo pensando que era de vaca. - disse-me o Daniel quando eu rumava
para o Sabadoido.
-Quando eu trabalhei com manifestos de
carga, ficava abismado com a quantidade de exportação brasileira de carne de
cavalo, mas os países do extremo oriente é que comprava.
-Lá, eles comem de tudo. - finalizou.
Vagner, Claudio e Gina trocavam ideias quando me juntei a eles.
Claudio se referia, agora, a um pastor evangélico que explorava os
crentes mais simplórios com lenços que dizia que era milagroso por conter um
suor sagrado...
-Vendia os lenços? - perguntou o Vagner.
-Claro; e esse pastor tinha uma
criatividade incrível para tirar dinheiro dos crédulos.
E fez uma ressalva.
-Não concordo com muitas ideias do
pastor Silas Malafaia, mas lhe faço justiça: ele fala para os seus seguidores
irem ao médico caso se sintam doentes.
-O outro pastor não, curava. - comentou
o Vagner com um sorriso.
A Gina, que estava calada, se
manifestou:
-Dizem que numa reunião do rebanho do
Edir Macedo, no Maracanã, um pastor gritou para que todos os que enxergavam mal
jogassem os óculos fora, e o chão do Maracanã ficou cheio de óculos.
-E todo o mundo continuou míope. -
concluiu o Vagner com uma gargalhada.
-Há um filme, com Steve Martin, que
mostra bem isso; Fé Demais Fede. Você assistiu a esse filme, Carlinhos?
-Claudio, o filme que eu conheço sobre
líder religioso charlatão é Elmer Gantry, o Burt Lancaster atua como
protagonista.
Enquanto me irmão escarafunchava a
memória à cata desse filme, aproveitei para narrar um dos episódios mais marcante:
-O Elmer Gantry lidera seus seguidores na destruição de um prostíbulo e se
depara com uma mulher que se tornara prostituta porque ele a seduziu; a partir
de então, ele é desmascarado.
-Dudu (nosso primo) falava muito nesse
filme. - recordou-se meu irmão.
-Se levasse no cinema de novo, eu
veria.- garanti.
-Os judeus reconhecem a existência de
Cristo, mas não com essa divindade que nós vemos. - assinalou a Gina.
-Eles falam do advento do Messias que,
para nós, é Jesus Cristo.
-Para os judeus, Messias ainda não
chegou.- seguiram-se as palavras da minha cunhada às minhas.
Claudio que, embora agnóstico, dedica
algumas horas para ouvir prédicas religiosas de diversas vertentes, interveio:
-Há pastores que consideram Davi mais
importante do que Cristo.
-Sim, a estrela de Davi para eles é um
símbolo mais forte do que a cruz.
O diabo é quando usam símbolos para
arregimentar rebanhos na política, pensei, reportando-me à suástica, à foice e
martelo, e à estrela do PT. Mas não desviei o tema religioso para o político.
-Davi consolidou a nação hebraica e o
filho dele, Salomão, quando reinou, houve abundância: riqueza e bem-aventurança.
-Mas eles tiveram momentos de
decadência; foram escravos no Egito.
-Eu vi Os Dez Mandamentos, Gina.-
disse o Vagner voltando-se para ela.
-Vocês conhecem a piada dos dez mandamentos?
- perguntei sem muita esperança de ouvir um não.
Para minha surpresa, os três
desconheciam a piada.
-Deus foi aos persas e perguntou se eles
queriam um mandamento. Perguntaram,então, que mandamento era esse. Quando Deus
respondeu que era “não roubarás', eles recusaram porque atrapalharia a economia
deles. Então, Deus voltou-se para os gregos com a mesma proposta. Quando
souberam que o mandamento era “não cobiçarás a mulher do próximo”, recusaram
porque estragaria o fim de semana deles. Por fim, Deus foi até os judeus. Ao
ouvi-lo, eles perguntaram: “Quando custa o mandamento?” Deus respondeu: “É de
Graça.” Os judeus, então disseram:
“Manda dez”.
Embora eu não represente bem o papel de
contador de anedotas, consegui arrancar alguns risinhos.
-O Egito tem uma cultura muita antiga;
influenciou muito os gregos. - voltou-se a falar sério no Sabadoido.
-Dia desses, a Rosa corrigiu um cronista
da Folha de São Paulo que escreveu sobre o mito da ave Fênix, que renasce das
cinzas, dizendo que é grego. “É
egípcio”. - colocou ela em vermelho.
-O cão de Cérbero titubeou o meu irmão.
-Essa patacoada foi do cronista de
sábado do Globo... um Bloch.
-Arnaldo Bloch. - socorreu-me o Claudio.
Fui, com essa ajuda adiante:
-O Arnaldo Bloch confundiu os cães
mitológicos, e a Rosa Grieco sublinhou os erros impressos e escreveu ao lado
a residência certa dos cães citados.
-Os judeus não foram escravos só no
Egito. - interveio a Gina.
-Foram cativos na Babilônia do rei
Nabucodonozor.
-O Carlinhos sabe isso por causa da
ópera do Verdi. - pilheriou o Claudio.
-E muita gente que gostava da música do
PL, quando o Álvaro Vale aparecia com sua prédica, não sabia que se tratava do
coro dos hebreus escravizados na Babilônia, e que esse trecho da ópera se
tornou um hino para os italianos que lutavam pela unificação da Itália, fatiada
no Congresso de Viena de 1815.
Gina deixou que eu terminasse a minha
garrulice para afirmar que Jesus Cristo frequentava sinagogas e seguia os
preceitos judaicos.
-Quem criou o cristianismo foi Saulo, que tinha a cidadania grega,
e se tornou mais tarde. Ele era um intelectual que, em vez de se tornar
filósofo, enveredou pela religião. Eu li, há poucos dias, trechos da biografia
de Sêneca, que se correspondeu com Saulo, São Paulo. Mas o irmão do Sêneca,
também letrado, trocou mais correspondência com ele. São Paulo foi muito
influenciado pela filosofia estoica, vida sem luxos, frugal, de Sêneca, e a
levou para o cristianismo.
Deixaram-me de novo tagarelar.
Mas sempre há uma sabatina no Sabadoido
e, dessa vez, a pergunta coube à Gina.
-Quem foi o último faraó do Egito?
Fez-se silêncio, Gina falou em mulher,
veio-me à mente o imperador Augusto, que não se deixou seduzir como César e
Marco Antônio por ela, e respondi Cleópatra.
Ela, então, se levantou da cadeira.
-Daqui a dez minutos, eu saio para
almoçar. - informou.
-Eu aproveitarei para ir embora mais
cedo, pois tenho de ir para casa pela viação canela.
Nesse ínterim, relembramos eu, Claudio e
Vagner os acontecimentos picantes dos anos 60 e 70 das ruas Americana e Chaves
Pinheiro.
Eu era mais contemplativo no meu tempo
de Chaves Pinheiro, pois ficava muito tempo na janela que dava para fora,
enquanto na Modigliani não fico mais de um minuto. - pensava, enquanto a Gina
reaparecia,
Do portão aberto por ela, gritei um até
logo para o Daniel que, na sala, me ouviu e me saudou.
-Gina, a romaria os evangélicos
prossegue. - surpreendi-me, pois já se passaram mais de três horas daquele
fluxo constante.
-O pessoal não esmorece nem sob este
sol escaldante.- observou antes de
seguir para o lado contrário a mim.
Ao atravessar a rua Cachambi, uma
agradável surpresa que me veio através de uma buzinada: parado no sinal, estava
o carro do Luca, que levava a Glória, a Kiara, a cunhada Candinha e o marido a
um churrasco. Corri até ele. Um apressado buzinou quando o sinal abriu, mas
Luca teve tempo de me entregar um envelope.
Com os textos da Rosa Grieco bem seguros
na minha mão, segui para casa saboreando o fecho de ouro daquele Sabadoido.
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