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terça-feira, 19 de março de 2013

2341 - comprando o filho de uma filosofia sorridente


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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4141                                  Data: 29 de fevereiro de 2013
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FRASES E COMENTÁRIOS X

Um filho é um credor dado pela natureza.
Stendhal cunhou a frase acima no seu livro inacabado Lucien Leuwen.
Li alguns romances inacabados do grande escritor francês. Eles apareceram numa gôndola do Carrefour, com outros livros e não perdi tempo: coloquei-os na minha sacola de compras. Veio-me à mente  A Sinfonia Inacabada  de Schubert que, talvez porque não chegou ao fim, ficou como a mais celebrada, embora eu prefira a sua sinfonia seguinte, a nona, denominada “A Grande”. No caso de Stendhal, prefiro, sem pestanejar, “O Vermelho e o Negro”, embora, confesso com vergonha, ainda não li até hoje “Cartuxa de Parma”.
Rosa Grieco que, sem exagero, já leu dezenas de milhares de livros, confessa que, quando viajava nos trens lotados da Central do Brasil, nutria inveja da cauda  preênsil dos micos porque, com ele, pendurar-se-ia  enquanto as suas mãos ficavam livres para segurar os livros e ler. Pois ela afirma que Stendhal é o escritor que ainda abala, favoravelmente, os seus alicerces.
Stendhal, porque nasceu alguns anos antes de Balzac e Victor Hugo, viveu o esplendor e a decadência do império napoleônico. Balzac era criança, e Victor Hugo mais ainda. Com 19 anos, em Paris, foi secretário do seu primo Daru, que se tornaria ministro de Napoleão Bonaparte. No ano seguinte, 1800, descobriu a Itália e ficou irremediavelmente apaixonado por esse país.
Mas a voragem napoleônica o trouxe de volta a Paris e, de 1806 a 1808, torna-se intendente militar na Alemanha e na Áustria.
Na Rússia, na desastrada invasão de 1812, foi auditor do Conselho de Estado. Com a derrocada do  império napoleônico em 1815, Stendhal encontrou a paz para se dedicar à literatura e viver no país que tocara tão fundo a sua sensibilidade. A partir de então as suas obras são criadas e algumas, como já assinalamos, inacabadas, como Lamiel e Lucien Leuwen. Deste último, pinçamos a frase que encima estes comentários.
 É uma frase atual, pois lemos estudos de economistas que calculam quanto os pais gastarão com um filho até ele completar uma determinada idade: tanto em alimentação, em vestuário, em lazer, em educação Chegam a custos  estratosféricos. Na classe média, já se faziam, há algumas décadas, esses cálculos, sem maiores rebuscamentos matemáticos e se chegava a números parecidos; então, a época dos pais com cinco, seis e até mais filhos, se encerrou. De um tempo para cá, a média é de dois filhos por casal.
E nas classes inferiores, as que estão menos preparadas para arcar com um credor como é um filho?... Bem, os casais das classes mais baixas não recebem as devidas instruções e colocam uma filharada no mundo, uma filharada que sofre na própria carne com o fato de não receber o que lhe é devido.

Voltaire diz que os céus nos deram  duas coisas para compensar as inúmeras misérias da vida: a esperança e o sono. Ele poderia ter acrescido o riso à lista.
São do  filósofo prussiano, Immanuel Kant, que viveu de 1724 a 1804, as palavras acima.
Acreditamos que houve um lapso de memória do filósofo francês quando citou apenas a esperança e o sono, pois poucos autores cultivaram tanto o riso para combater, neutralizar as misérias humanas como ele. Antes de Voltaire, o grande pensador Pascal já se utilizava do riso como o mesmo fim, embora Voltaire, figura de proa do Iluminismo, o combatesse em alguns pontos.
Como assinalou Roberto Romano no seu estudo sobre a importância da sátira lucianesca (do filósofo cínico Luciano de Samòsata, 125 a 181 d.C.) no pensamento das Luzes, a sátira se acha, em especial,  nos textos de Voltaire:
-”Após o século XVIII, a cultura ocidental perdeu muito da força curativa proporcionada pelo riso. Se tomarmos os textos de Fichte, Hegel, Schopenhauer, Bergson (passando pelos poetas românticos, como  Baudelaire) o riso é discutido esporadicamente, perdendo o seu poder corrosivo, em especial no ataque às superstições, preconceitos, e as doutrinas filosóficas comprometidas com a dominação cinzenta que se abateu sobre o mundo após Napoleão Bonaparte. A partir do Corso, como demonstrou plasticamente Stendhal em O Vermelho e o negro, o tédio e as delações, a censura, os policiais inseridos nas conversas, tornaram a França um país soturno, melancólico. Com a sisudez, a república das letras cobriu-se com a negra teoria, fugindo da verde árvore vital.”
Mesmo o  citado Schopenhauer, reduzido por muitos a filósofo do pessimismo, dedicou algumas páginas suas ao riso, sem fazer uso dele, evidentemente, como Voltaire e Pascal. E Roberto Romano recorre a este trecho:
-”E Schopenhauer cita a anedota do público parisiense que pediu a Marselhesa num teatro, armando um barulho enorme quando não se atendeu a este desejo. Um policial uniformizado foi ao palco para dizer que, no teatro, se executava apenas o que estava anunciado no cartaz . “Et vous, monsieur, êtes vous  aussi sur l' affiche?” (E o senhor, está no cartaz?), o que provocou a hilaridade generalizada. Assim também o artista Unzelmann, quando era proibido qualquer improviso no teatro de Berlim. Ao entrar em cena com seu cavalo, este depositou algo inesperado sobre o palco. O público riu muito. Mas aumentou o tom da gargalhada  quando  Unzelmann dirigiu-se ao bicho: “Então, você não sabe que é proibido improvisar”.

Se a verdade finalmente prevalece é duvidoso, e nunca foi provado; o que é certo, contudo, é que nada se revela mais eficaz na expulsão de um erro do que um novo erro.
Assim disse o poeta inglês T.S. Eliot.
Para se dizer que a verdade prevalece temos de conhecê-la.
Numa entrevista concedida no hotel Lancaster, em Paris, Orson Welles se deparou com o seguinte  assunto proposto pelos repórteres:
“Em dois dos seus filmes você se questiona sobre a noção de verdade, em Cidadão Kane e F for Fake.”
Resposta de Orson Welles:
-”É uma questão que sempre tem um grande poder de fascínio. A pergunta de Pilatos ao Cristo é a grande pergunta de todos os tempos.”
Pilatos perguntou a Cristo qual era a verdade e Cristo se manteve calado.
O teatrólogo e escritor italiano Luigi Pirandello expôs nas suas obras  a inútil luta que o homem trava para atingir a verdade de sua própria identidade. A verdade sempre surge fragmentada em hipóteses e aparências que se anulam umas as outras.
T.S. Elliot, na sua frase,  se mostrou duvidoso sobre a prevalência da verdade, mas se mostrou seguro quanto à eficácia de um erro substituir outro.



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