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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4141
Data: 29 de fevereiro de 2013
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FRASES E COMENTÁRIOS X
Um filho é um credor dado pela
natureza.
Stendhal cunhou a frase acima no seu
livro inacabado Lucien Leuwen.
Li alguns romances inacabados do grande
escritor francês. Eles apareceram numa gôndola do Carrefour, com outros livros
e não perdi tempo: coloquei-os na minha sacola de compras. Veio-me à mente A Sinfonia Inacabada de Schubert que, talvez porque não
chegou ao fim, ficou como a mais celebrada, embora eu prefira a sua sinfonia
seguinte, a nona, denominada “A Grande”. No caso de Stendhal, prefiro, sem
pestanejar, “O Vermelho e o Negro”, embora, confesso com vergonha, ainda não li
até hoje “Cartuxa de Parma”.
Rosa Grieco que, sem exagero, já leu
dezenas de milhares de livros, confessa que, quando viajava nos trens lotados
da Central do Brasil, nutria inveja da cauda preênsil dos micos porque, com ele, pendurar-se-ia enquanto as suas mãos ficavam livres
para segurar os livros e ler. Pois ela afirma que Stendhal é o escritor que
ainda abala, favoravelmente, os seus alicerces.
Stendhal, porque nasceu alguns anos
antes de Balzac e Victor Hugo, viveu o esplendor e a decadência do império
napoleônico. Balzac era criança, e Victor Hugo mais ainda. Com 19 anos, em
Paris, foi secretário do seu primo Daru, que se tornaria ministro de Napoleão
Bonaparte. No ano seguinte, 1800, descobriu a Itália e ficou irremediavelmente
apaixonado por esse país.
Mas a voragem napoleônica o trouxe de
volta a Paris e, de 1806 a 1808, torna-se intendente militar na Alemanha e na
Áustria.
Na Rússia, na desastrada invasão de
1812, foi auditor do Conselho de Estado. Com a derrocada do império napoleônico em 1815, Stendhal
encontrou a paz para se dedicar à literatura e viver no país que tocara tão
fundo a sua sensibilidade. A partir de então as suas obras são criadas e
algumas, como já assinalamos, inacabadas, como Lamiel e Lucien Leuwen. Deste
último, pinçamos a frase que encima estes comentários.
É uma frase atual, pois lemos estudos de economistas que
calculam quanto os pais gastarão com um filho até ele completar uma determinada
idade: tanto em alimentação, em vestuário, em lazer, em educação Chegam a
custos estratosféricos. Na classe
média, já se faziam, há algumas décadas, esses cálculos, sem maiores
rebuscamentos matemáticos e se chegava a números parecidos; então, a época dos
pais com cinco, seis e até mais filhos, se encerrou. De um tempo para cá, a
média é de dois filhos por casal.
E nas classes inferiores, as que estão
menos preparadas para arcar com um credor como é um filho?... Bem, os casais
das classes mais baixas não recebem as devidas instruções e colocam uma
filharada no mundo, uma filharada que sofre na própria carne com o fato de não
receber o que lhe é devido.
Voltaire diz que os céus nos
deram duas coisas para compensar
as inúmeras misérias da vida: a esperança e o sono. Ele poderia ter acrescido o
riso à lista.
São do filósofo prussiano, Immanuel Kant, que viveu de 1724 a 1804,
as palavras acima.
Acreditamos que houve um lapso de
memória do filósofo francês quando citou apenas a esperança e o sono, pois
poucos autores cultivaram tanto o riso para combater, neutralizar as misérias
humanas como ele. Antes de Voltaire, o grande pensador Pascal já se utilizava
do riso como o mesmo fim, embora Voltaire, figura de proa do Iluminismo, o
combatesse em alguns pontos.
Como assinalou Roberto Romano no seu
estudo sobre a importância da sátira lucianesca (do filósofo cínico Luciano de
Samòsata, 125 a 181 d.C.) no pensamento das Luzes, a sátira se acha, em
especial, nos textos de Voltaire:
-”Após o século XVIII, a cultura
ocidental perdeu muito da força curativa proporcionada pelo riso. Se tomarmos
os textos de Fichte, Hegel, Schopenhauer, Bergson (passando pelos poetas
românticos, como Baudelaire) o
riso é discutido esporadicamente, perdendo o seu poder corrosivo, em especial
no ataque às superstições, preconceitos, e as doutrinas filosóficas comprometidas
com a dominação cinzenta que se abateu sobre o mundo após Napoleão Bonaparte. A
partir do Corso, como demonstrou plasticamente Stendhal em O Vermelho e o
negro, o tédio e as delações, a censura, os policiais inseridos nas
conversas, tornaram a França um país soturno, melancólico. Com a sisudez, a
república das letras cobriu-se com a negra teoria, fugindo da verde árvore
vital.”
Mesmo o citado Schopenhauer, reduzido por muitos a filósofo do
pessimismo, dedicou algumas páginas suas ao riso, sem fazer uso dele,
evidentemente, como Voltaire e Pascal. E Roberto Romano recorre a este trecho:
-”E Schopenhauer cita a anedota do
público parisiense que pediu a Marselhesa num teatro, armando um barulho enorme
quando não se atendeu a este desejo. Um policial uniformizado foi ao palco para
dizer que, no teatro, se executava apenas o que estava anunciado no cartaz .
“Et vous, monsieur, êtes vous
aussi sur l' affiche?” (E o senhor, está no cartaz?), o que provocou a
hilaridade generalizada. Assim também o artista Unzelmann, quando era proibido qualquer
improviso no teatro de Berlim. Ao entrar em cena com seu cavalo, este depositou
algo inesperado sobre o palco. O público riu muito. Mas aumentou o tom da
gargalhada quando Unzelmann dirigiu-se ao bicho: “Então,
você não sabe que é proibido improvisar”.
Se a verdade finalmente prevalece é
duvidoso, e nunca foi provado; o que é certo, contudo, é que nada se revela
mais eficaz na expulsão de um erro do que um novo erro.
Assim disse o poeta inglês T.S. Eliot.
Para se dizer que a verdade prevalece
temos de conhecê-la.
Numa entrevista concedida no hotel
Lancaster, em Paris, Orson Welles se deparou com o seguinte assunto proposto pelos repórteres:
“Em dois dos seus filmes você se
questiona sobre a noção de verdade, em Cidadão Kane e F for Fake.”
Resposta de Orson Welles:
-”É uma questão que sempre tem um grande
poder de fascínio. A pergunta de Pilatos ao Cristo é a grande pergunta de todos
os tempos.”
Pilatos perguntou a Cristo qual era a
verdade e Cristo se manteve calado.
O teatrólogo e escritor italiano Luigi
Pirandello expôs nas suas obras a
inútil luta que o homem trava para atingir a verdade de sua própria identidade.
A verdade sempre surge fragmentada em hipóteses e aparências que se anulam umas
as outras.
T.S. Elliot, na sua frase, se mostrou duvidoso sobre a prevalência
da verdade, mas se mostrou seguro quanto à eficácia de um erro substituir
outro.
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