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terça-feira, 5 de março de 2013

2330 - grito pre-Carnavalesco


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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4130                            Data: 13  de fevereiro de 2013
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SABADOIDO DA VÉSPERA DE CARNAVAL

Claudio largou o jornal para me entregar um livro. Tratava-se do presente de Natal que a Rosa Grieco me dera sobre a denominada Campanha da Legalidade.
-Já li.
-Como Thenardier que, com suas palavras, intentando apequenar Jean Valjean o engrandeceu, Flávio Tavares, criticando o comportamento do João Goulart, naqueles dias pós-renúncia de Jânio Quadros, o enalteceu. - exagerei na comparação.
-Carlinhos, não ia sair guerra civil alguma.
-Você acredita demais nessa história de que o brasileiro é cordial. - devolvi.
Estranhamente, meu irmão recuou diante de uma possível polêmica e, sendo brizolista, não enalteceu o líder político de um dos  momentos mais críticos da história deste país.
Gina, que estava conosco, na cozinha, informou a ida do Daniel a Paraty e a conversa prosseguiu entre mim e o Claudio, agora sobre cinema.
-Claudio, eu não podia afirmar que assisti à Gilda, pois todas as vezes que o filme aparecia na televisão, eu pegava começado. Ontem, deparei-me com a mídia de DVD nas Lojas Americanas da Rua Uruguaiana e não perdi a oportunidade.
-É filme para assistir na tela do cinema. - disse ele.
-É o que dizia o Jean-Luc Godard nos cem anos do cinema: os clássicos deveriam voltar ao cinema, mas a indústria cinematográfica não permite. Acredito que o Dieckmann diria o mesmo sobre os carros do passado.
-E o que você achou da fita, agora que a viu do princípio ao fim? - quis saber.
-Eu gosto dos film noir americano e esse está entre os melhores. A primeira vez que ouvi falar da Gilda foi através do papai, que dizia que o Heleno de Freitas ganhou esse apelido das torcidas adversárias porque era tão temperamental quanto a personagem do cinema. Quando assisti ao filme em pedaços descontinuados, não percebi essa impulsividade da Gilda, mas agora eu constatei.
-E o filme?... É supervalorizado?
-Ficou no imaginário dos homens que estão na casa dos 70 anos e eram garotos, em 1946, quanto o filme se mostrou ousado demais. Luís Fernando Veríssimo escreveu, numa crônica em que conta que conseguiu assistir ao filme, porque a entrada da garotada foi permitida, embora a proibição fosse para menores de 18 anos.
-Ele escreveu duas ou três crônicas sobre Gilda. - lembrou.
-Luís Fernando Veríssimo ficou marcado, em termos de erotismo, com o strip-tease das luvas que a Rita Hayworth faz, quando canta e dança, Put the blame on Mame. Recordei-me, quando o li, de uma página impregnada de lubricidade de Machado de Assis sobre os braços nus de uma mulher. - prossegui.
-São duas as músicas desse filme: essa, que você falou, e Amado Mio, mas Rita Hayworth dubla, quem canta é Anita Ellis.
-Há muitos cinéfilos que cultuam Gilda. - afirmei.
-A arma que o marido da Gilda usa lembra a do personagem nazista do Laurence Olivier em Maratona da Morte. - afirmou.
Gina deu por encerrada a sessão de cinema, quando se reportou à Rua das Pedras de Paraty, a que meu sobrinho se referiu, quando mãe e filho se falaram pelo telefone.
-É uma rua histórica, pois foram os escravos que a calçaram no tempo em que não se falava em paralelepípedo. Temos de andar por ela olhando o chão para não cair, mas vale a pena. - comentei.
-Eu ainda não tive a oportunidade de conhecer Paraty. - disse ela.
-Eu conheço a cachaça. - não perdeu o Claudio a piada.
-Não compreendo como as pessoas se esbaldam de alegria poucos dias depois de um incêndio pavoroso matar quase duzentos e cinquenta pessoas. - interveio a Gina.
-O ser humano é assim. Logo depois do fim do terror, na Revolução Francesa, houve uma festa em Paris em que todos os participantes tinham um parente próximo morto na guilhotina. Nunca se viu festa mais alegre. O diretor de cinema Abel Gance retrata essa folia no filme Napoleão. - comentei.
-Esse filme é mudo e tem umas três horas de duração. - interveio o Claudio, sempre conectado com o mundo da sétima arte.
-O Abel Gance demonstra um amor exagerado pelos feitos de Napoleão, parecia Victor Hugo, que escreveu vários panegíricos, como diz a Rosa Grieco, para o imperador. Mas é inegável que essa película trouxe muitas inovações.
-Quando relançaram o Napoleão, há alguns anos, a música era do pai do Francis Ford Coppola. - aditou o Claudio.
Corte para a Gina.
-Daniel é que está bem, lá em Paraty.
-Tenho no pendrive, que trouxe, muitas fotos de lá; posso mostrar.
Assim, eu e minha cunhada ficamos diante do computador do Daniel apreciando a beleza de Paraty através de fotografias. Depois, cliquei num vídeo que exibia o carnaval do passado.
-Meus pais, em todos os carnavais, me fantasiavam, e minha mãe me levava para ver os foliões na Avenida Rio Branco. Como eu me divertia com aquelas brincadeiras espontâneas!  Uma das minhas lembranças era um folião, de aspecto solene, com uma roupa supostamente a rigor, e os dizeres no chapéu: médico de mulheres.
-Eu também era fantasiada e levada para a Avenida Rio Branco.
Assistindo ao vídeo, lamentei o mercantilismo do carnaval de hoje para, em seguida, tudo esquecer com as imagens que apareciam no ecrã do computador.
-Talvez, eu esteja aí. - disse a Gina.
-Esse vídeo é de 1954.
-Cruzes! Eu só tinha dois anos de idade.
-Eu estava com seis, Gina, creio que já era transportado para o carnaval da Rio Branco com essa idade. Minha fantasia de chinês que, segundo minha mãe, fez sucesso entre os turistas com máquinas fotográficas, é daquele ano.
O carnaval acabou, a Gina foi, então, cuidar dos seus afazeres e eu cliquei num vídeo do youtube, que me fora enviado por meu cunhado e pelo Dieckmann. Tratava-se de um “Eu acuso”, não de Zola, mas de um cidadão simples, porém tão convincente, na sua indignação, quanto o consagrado escritor francês. Apontou ele as causas que provocaram o incêndio da boate Kiss, que matou perto de 250 pessoas. Acusou os políticos que levam dinheiro com o faturamento dessas boates, a Corporação do Corpo de Bombeiros que exige propina para fechar os olhos aos descalabros, o CREA, que para emitir documentos, também impõe um dinheiro extra na mão. Citou os nomes dos corruptos, e, desassombradamente se prontificou a enfrentá-los, identificando-se por diversas vezes.
-Um suicida. - comentou a maioria das pessoas que viu e ouviu o desabafo desse bravo homem do povo.
 Bem, sons vindos da garagem do antigo fusca da Gina me anunciavam que se iniciara a sessão do Sabadoido da véspera de carnaval.




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