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segunda-feira, 11 de março de 2013

2334 - o nome da avenida


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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4134                            Data: 17 de fevereiro de 2013
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SABADOIDO DAS ROMARIAS EVANGÉLICAS

Pisei o chão da Avenida Suburbana vindo da Rua Gaugin, passei por ela porque tinha de jogar duas latas de cerveja no quintal da casa cuja moradora, uma simpática senhora gorda e patusca, reforça a sua receita com a venda de alumínio.
Logo que avistei a citada avenida, surpreendi-me com uma espécie de romaria que se estendia no outro lado da calçada. Deduzi que só a Igreja Universal do bispo Macedo reunia ali, em Del Castilho, em Cachambi e arredores tanta gente.
Prossegui em direção à casa da Gina, pensando na alfinetada que o então prefeito César Maia dera nos evangélicos ao mudar o nome da Avenida Suburbana para Dom Hélder Câmera.  Afiançam, eu ainda não comprovei, que os evangélicos apenas utilizam o novo nome da avenida ao declinarem o endereço da sua igreja... Quanto a mim, faço o mesmo, mas por motivos diametralmente oposto; Dom Hélder Câmera sempre procurava os holofotes para exibir seu favorecimento aos perseguidos. Eu preferiria estar, naquele momento, na Avenida Dom Eugênio Sales, que morreu com fama de reacionário, mas, soube-se depois, protegeu e salvou inúmeros presos políticos, bem mais do que o religioso midiático.
Depois de alguma demora (certamente procurava alguma notícia boa no jornal, o que requer tempo), meu irmão abriu o portão para mim.
-O Daniel já voltou do carnaval de Paraty?
-Já, ele tem trabalho na Casa da Moeda na segunda-feira.
-Vida boa. - brinquei.
Na cozinha, Claudio retomou a leitura do jornal, enquanto eu, antes de me acomodar no sofá de alvenaria, coberto por duas almofadas, coloquei um envelope sobre a mesa. Ao perceber o envelope, meu irmão advertiu que o Luca não viria.
-Pena, pois trouxe quatro páginas de uma reportagem da VEJA, para a Rosa, sobre Ricardo III e a seu esqueleto encontrado num estacionamento em Leicester.
-Falam em ironia da sorte: ele, que ficou a pé, na batalha, e propôs a troca do seu reino por um cavalo, acabou debaixo de um estacionamento de carros. - comentou.
Logo, o assunto mudou para a tragédia da boate Kiss.
-Cláudio, você deveria navegar na internet, há um vídeo de um popular revoltado da cidade de Santa Maria que tem de ser visto por todos.
-O Daniel toma conta do computador que ninguém mais pode colocar a mão. - justificou-se.
Injustiça clamorosa, como se diz no futebol, eu mesmo o usava sempre que o pedia ao meu sobrinho.
-O que tem nesse vídeo? - mostrou-se curioso, mas sem largar o jornal que lia.
-Grosso modo, o revoltado denuncia a série de corrupção que concorreu para o incêndio da boate Kiss, que matou quase duzentos e cinquenta pessoas.
E prossegui:
-Ele citou o CREA, que emite o ART, integrado por pessoas que recolhem o dinheiro dos engenheiros para tomar cachaça, e que só libera o documento com propina.
-Eles devem beber uísque escocês. - contrapôs.
-Ele culpou a Corporação dos bombeiros, que também só libera o certificado com um dinheiro por fora. Não havia, por isso, rota de fuga, o que desnorteou muita gente, na hora do incêndio, e, assim, a grande maioria morreu encurralada nos banheiros.
-Sem falar naquela espuma de poliuretano, altamente tóxica, que asfixiou as vítimas. As pessoas pensam que o Corpo de Bombeiros é composta apenas dos homens que vão apagar incêndios, há muitas autoridades com desvio de caráter lá dentro. - acrescentou meu irmão.
-Ele culpou também a prefeitura, os funcionários que só emitem alvarás se receberem uma polpuda gorjeta.
-Chegou, então, aos políticos?
-Os políticos lavam dinheiro com essas casas de espetáculo lucrativas, colocando laranjas como donos.
-Dizem que o dono dessa boate Kiss é um deputado do PT.
-Claudio, seja do PT, do PSDB, do PDT, do PSOL, de onde for, tem de mofar na cadeia.
-Mas esse denunciante mostrou a cara?
-Não só mostrou a cara, como citou o próprio nome três vezes. Afirmou que a cidade de Santa Maria só funciona com corrupção.
-A cidade e todo o Brasil.- completou meu irmão.
-Eu avisei todos os meus colegas, que fiscalizam portos e terminais, que vejam esse vídeo e fiquem alertas; afinal, nós exigimos o ART do CREA, o Certificado do Corpo de Bombeiros, a colocação bem visível da rota de fuga...
-Vocês têm de tomar cuidado com esses megaempresários que compram todo o mundo.
-Com esses, eu já fico com um pé atrás, Claudio.
As chegadas do Daniel e da Gina transportaram a conversação para um tema ameno.
-Daniel, vi as suas fotos de Paraty.
-A Roberta (sua prima) colocou umas cinquenta no Facebook.
-Espera lá, Daniel: eu salvei no pendrive só as fotografias em que você aparecia, e foram mais de setenta.
-Chegou a isso?
-Salvei para transferir para um CD e a sua avó ver. Ela viu, achou você bonito e o Valtencir (marido da Roberta) bastante envelhecido.
-O Valtencir envelheceu mesmo – concordou a Gina, acrescentando:
-E ficou mais careca.
-Minha mãe também se referiu a essa calvície. - manifestei-me.
-E você ainda fala que ela enxerga mal, Carlão.
-Rapaz, ela enxergou aquele fiozinho para vocês, que atravessavam aquela estreita ponte de madeira, segurar.
-Carlão, aquela travessia me deu um medo...
-Só você se aventurou?
-Nada; o Valtencir ainda atravessou com a Mariana (a filha) no colo.
-Mas ficou para a posteridade apenas a sua travessia. - comentei.
-Carlão, o computador está livre.
Não fiquei sozinho diante do computador por muito tempo, pois logo veio o Daniel e, depois, a mãe.
-Daniel, pedem aqui a minha assinatura para que o Renan Calheiros renuncie, mas não consigo assinar no trabalho, pois os computadores são bloqueados.
-Aqui, você não terá problemas. - garantiu.
Enquanto eu punha meu nome no abaixo-assinado, Gina retransmitia uma notícia que o Claudio leu para ela sobre duas estagiárias do Senado que postaram no Facebook um rato morto pelos faxineiros de lá com o comentário Renan Calheiros não era o único.
-Foram demitidas?- indaguei.
Depois da resposta afirmativa, eu atentei que não se deve usar as ferramentas do trabalho para essas coisas, embora eu, muitas vezes, esquecesse disso.
-Elas postaram o rato no Facebook pelo celular. - interveio o Daniel.
-Então, é ditadura, mesmo. - concluí.
-Uma das estagiárias é sobrinha do Joaquim Barbosa. - informou a Gina.
-E a Petrobras, Carlão?
-Depois que o Lula privatizou a Petrobras para o PT, está explorando merda em vez de petróleo.
Gina percebeu um corte no meu supercílio, devido a uma pancada numa porta de vidro transparente, no meu trabalho, e se prontificou a fazer um curativo.
Enquanto ele mexia em água oxigenada e esparadrapo, perguntei-lhe sobre a razão da romaria dos evangélicos pela Suburbana.
-Parece que eles estão indo para a Livraria Saraiva, no Norte Shopping, comprar um livro do bispo Macedo.

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