Total de visualizações de página

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

2269 - a nau da Carlota

----------------------------------------------------------------------
O BISCOITO MOLHADO
Edição 4069                            Data: 21  de novembro de 2012
----------------------------------------------------------------------

COM A TUMULTUADA  CORTE  PORTUGUESA

Eu e Elio voltamos no tempo, sem que uma baforada de ópio fosse dada e nos vimos no meio de uma balbúrdia dos diabos na corte do príncipe-regente D. João.
-Chegaram as ordens de Napoleão Bonaparte. - gritou um nobre com a garganta estridente de um plebeu.
E prosseguiu:
-Eis as ordens do Imperador: Portugal terá de aderir ao bloqueio continental, fechar os seus portos à navegação britânica, declarar guerra aos ingleses, sequestrar os seus bens em terras lusitanas e deter todos os cidadãos ingleses residentes no país. O príncipe-regente está intimado a dar uma resposta até o dia 1º de setembro.
-Que dia é hoje, Carlos?
-Pelo pavor que alguns demonstram, 31 de agosto de 1807.
-Portugal não se submete a país algum. - bradou um patrioteiro.
-Só à Inglaterra. - acrescentou o Elio num sopro no meu ouvido.
Olhei para o príncipe-regente D. João e ele andava de um lado para o outro sem saber que rumo tomar.
-Elio, a coisa é séria: Dom João até parou de comer.
Logo, eu e Elio Fischberg nos vimos na reunião do Conselho de Estado, onde se digladiavam verbalmente o “partido inglês” e o “partido francês”.
D. Rodrigo de Sousa Coutinho defendia a guerra contra a França e a Espanha, colocando-se em prontidão 70 mil homens e mobilizando-se 40 milhões de cruzados para custear o esforço de guerra. E se Portugal não obtivesse êxito nas armas, que se passasse a família real para o Brasil.
-É evidente que não terá êxito nas armas, nem que os heróis dos Lusíadas ressuscitassem. - disse para que apenas o Elio me ouvisse.
O representante do “partido francês”, Antônio Araújo de Azevedo, ergueu-se imediatamente da cadeira e discursou:
-“Não. Portugal deveria integrar o bloqueio continental e fechar os portos aos navios britânicos. Por outro lado, não deveria aceitar o sequestro dos bens e nem a detenção de pessoas de nacionalidade inglesa, por não serem conciliáveis com os princípios cristãos.”
-Numa hora dessas, ele me vem falar em princípios cristãos. - sussurrou outro membro do “partido francês” de viés mais radical.
Nesse instante, Elio se voltou para mim com a voz em surdina:
-Carlos, quando a França deu uma rasteira em Portugal, no Congresso de Münster, em 1648, o Padre Antônio Vieira defendeu a ideia que o Rei D.João IV transferisse a corte para o Brasil e cá fundasse o Quinto Império.
-Elio, não me diga que você aprendeu isso tudo no Colégio Militar?
-Não se esqueça que a minha mãe é professora de História.
Houve nova reunião do Conselho de Estado, com a presença camuflada minha e do Elio, em que se decidiu que embarcariam para o Brasil apenas D. Pedro de Alcântara, o herdeiro do trono e as infantas.
-Carlos, esse menino já é um taradinho, imagine-o longe dos olhos do pai.
-Elio, D. João vive tão preocupado que não consegue comer mais de um frango por dia. Ele só vê franceses e seus aliados espanhóis pela frente.
-Sem falar nos ingleses, que destruiriam toda a frota portuguesa, se ele se submeter a Napoleão – aditou o Elio.
Continuou o tumulto verborrágico dos políticos portugueses que não diminuiu com a demissão de D. Rodrigo de Sousa Coutinho e a vitória parcial do “partido francês”. O governo aceitava as condições francesas, sem perder a neutralidade.
-Como se pode tomar uma posição e se dizer neutro?... Parece piada de português. - comentei com o Elio.
Foi publicado, em seguida, o edital que tornava público o decreto do príncipe-regente que ordenava o fechamento dos portos portugueses aos navios mercantes e de guerra da Inglaterra.
Depois de ler o edital, manifestei-me:
-Elio, será que o príncipe-regente se decidiu finalmente? - perguntei porque esperava esmerada.
-Carlos, o príncipe-regente se equilibra entre o “partido francês” e o “partido inglês”, apesar da demissão do seu expoente.
Não passaram três dias, e D.João anunciou os preparativos da partida de D. Pedro de Alcântara e as infantas para o Brasil, mas que poderia ser também de toda a família real.
Nesse ínterim, chegava ao príncipe-regente a advertência do rei da Grã Bretanha de que toda a corte portuguesa deveria se transferir para o Brasil.
-Elio, você não sabe o que vi.
-E o que você viu, Carlos?
-Eu vi D. João, diante da mãe, Dona Maria, dizer desesperadamente: “Mãe, por que você enlouqueceu? Este assunto era para Vossa Majestade resolver?
E acrescentei:
-No momento, a mente dele está igual a da mãe.
-Ele terá de se definir logo. - frisou o Elio.
Chegou, então, a Portugal a notícia que o Príncipe de Astúrias, príncipe herdeiro da Espanha, fora aprisionado pelas forças napoleônicas, e que as tropas espanholas e francesas se dirigiam para a fronteira portuguesa.
Equilibrando-se ainda nos extremos, o príncipe-regente agradou o “partido francês”, remetendo efetivos militares para as costas portuguesas para evitar um suposto desembarque inglês, o que deixaria aberto o caminho de entrada das tropas comandadas por Junot. E Dom João também atendia ao “partido inglês”, preparando o embarque de toda a família real para o Brasil.
Quando veio a notícia que tropas francesas e espanholas acabaram de penetrar no território luso, anunciou-se a fala do trono. Eu e Elio, naturalmente, estivemos presentes.
Com a voz titubeante, o príncipe-regente se pronunciou:
-”Vejo que pelo interior do meu reino marcham tropas do imperador dos franceses e do rei da Itália, a quem eu me havia unido no continente, na persuasão de não ser mais inquietado...
Disse mais alguma coisa e prosseguiu:
“E querendo evitar as funestas consequências que se podem seguir de uma defesa, que seria mais nociva que proveitosa, servindo só de derramar sangue em prejuízo da humanidade, tenho resolvido, em benefício dos mesmos meus vassalos, passar com a rainha minha senhora e mãe, e com toda a real família, para os estados da América, e estabelecer -me na Cidade do Rio de Janeiro até a paz geral.
A reação dos súditos foi a mais contraditória possível; uns choravam alto, outros protestava em voz baixa.
-Enfim, o príncipe-regente se definiu. - desabafei.
-O que vamos fazer, Carlos, ficar, como José Bonifácio, que combateu os invasores, ou partir para a nossa terra.
-Elio, considero José Bonifácio um dos três maiores brasileiros de todos os tempos, mas prefiro partir.
-Então, vamos.
-Mas jamais na mesma nau da Carlota Joaquina. - impus essa condição.

Nenhum comentário:

Postar um comentário