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sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

2284 - o Colégio Militar farináceo


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O BISCOITO MOLHADO
                          Edição 4084                               Data: 09 de dezembro de 2012
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CONVERSAS NO TÁXI nº 150

-Quantas conversas realizadas com os taxistas da Metrô Táxi eu reproduzi nos BMs? Vejamos, primeiramente, a partir de quando eu passei a vir de Maria da Graça para casa de táxi.  Isso aconteceu assim que furtaram o meu carro. Em que ano ele foi roubado? Lembro-me do dia: São Cosme e Damião; a garotada corria  atrás de doce. Mas o ano?...  Sim, 2008; um ano antes de o chefe da milícia de Del Castilho, provável mandante do furto, receber duas azeitonas na cabeça.
 Fiz umas 600 viagens e devo ter gasto uns 4 mil e 800 reais. O leitor deve estranhar esse cálculo, mas eu me explico: neste período sempre paguei 8 reais por corrida; desde que o taxímetro marcava pouco mais de 6 reais até hoje, que marca 7,75 reais. Eu entrego uma nota de dez e recebo uma de dois. Bob Esponja já saca os dois reais antes de eu lhe pagar. Outros taxistas, como o 081, nem acionam o taxímetro quando sabem que eu sou o passageiro.
Calculo que de quatro em quatro viagens eu tinha material para confeccionar uma edição do Biscoito Molhado, assim, este vai com o número 150, porque não tenho mais ideias para criar títulos.
Isso posto, sigamos adiante.
Percebi a poucos metros do ponto da Domingo de Magalhães que o táxi que me levaria até a Rua Modigliani era o 009, do Gaguinho. Na última vez que me levou, há uns dez dias, informou-me que o filho seria submetido ao teste de jogador de handball do Colégio Castelo Branco em que estava em jogo uma bolsa de estudo que adiantaria em muito a vida de pai e filho. E se o garoto não passou?... Seria, nesse caso, uma indelicadeza da minha parte tocar no assunto, por isso, entrei no seu táxi falando do calor senegalesco que nos castigava, Ele não quis saber da quentura.
-Sabe que o meu filho foi selecionado pelo técnico de handball?
-Que bom.
A emoção acentuava ainda mais a sua gagueira, parecia, guardadas as devidas proporções, o pai da Rainha Elizabeth II falando da guerra contra Hitler antes de passar pelo tratamento de um milagroso fonoaudiólogo.
-Ele e um monte de garotos passaram pelo teste e, depois do jogo, o técnico selecionou os doze melhores e, entre eles estava meu filho.
-Então, ele está aprovado. - expus o meu otimismo.
-O técnico não assegurou nada, mas eu acredito que uma parte dessa bolsa de estudos na Universidade Castelo Branco está praticamente certa.
-Isso será ótimo.
-Claro.- apenas nesse momento ele não enfrentou uma frase longa.
Eu olhava para o seu carro novo e percebia que ele, como tantos outros taxistas, entrara num financiamento a juros atraentes, esquecendo-se que os impostos praticados no Brasil jogam os preços na estratosfera, Não teria, provavelmente, folga no orçamento caso tivesse de pagar uma mensalidade cara do colégio do filho.
-Você não pressionou o garoto para conseguir essa bolsa de estudos?
-Não, isso eu não faço.
-A minha sobrinha-neta, Ana Clara, estuda num colégio onde o relacionamento social entre alunos e professores é ótimo, mas o estudo, não, Assim, a sua mãe resolveu colocá-la num colégio mais puxado em que, naturalmente, a mensalidade é mais cara. Antes da matrícula, ela se submeteria a uma prova onde poderia obter uma bolsa de 40%.
-Uma ótima bolsa de estudos. - manifestou-se.
-Sim, mas não se esqueça que ela não vinha com uma boa bagagem para essa prova. Então, falei com a mãe dela: “Nada de pressioná-la, se não conseguir, paciência, porque terá tempo de sobra para se recuperar”.
-E eles têm mesmo. - concordou.
-Contei um caso que sofri na pele. Saí da Escola Manoel Bomfim e fui enfrentar uma prova de admissão ao Colégio Militar do Rio de Janeiro. Deparei-me com sujeitos, predicado e outras questões que eu nunca tinha visto na vida. Ainda me apareceu um aumentativo de incêndio, e, para mim, até aquele concurso, bastava acrescentar um “ão”...
-Você respondeu “incendião”.
-No meio da minha ignorância, percebi que não cabia um “âo”, e inventei “incendiadez”.
-Qual era a resposta certa? - mostrou curiosidade.
-Incêndio grande. Era uma forma de aumentativo que não me foi ensinada no meu curso primário.
-E qual foi a reação dos seus pais?
-Minha mãe não disse nada, apesar do grande sonho dela, alimentada pela minha avó, que tinha pais e irmãos oficiais do Exército, de me ver no Colégio Militar. Quanto a meu pai... Bem, eu já me deitara para dormir, quando ele chegou do jornal em que trabalhava. Minha mãe lhe deu a notícia do meu fracasso e ele se alterou. Disse que não tinha dinheiro para pagar escola, que eu deveria ter estudado mais...
-E você?
-Fingi que dormia. A criança é muito vulnerável; eu fiquei com um sentimento de culpa profundo, como se tivesse cometido um crime. Aquelas palavras me feriram mais do que qualquer surra que ele tenha me dado.
-E seu pai lhe bateu muito?
-Ele nunca me bateu, mas aquelas palavras valeram por mil surras.
-E você se recuperou?
Meu pai, na realidade, agia por impulso. Desembolsou 500 cruzeiros mensalmente para eu e minha irmã estudarmos num explicador da Rua Rocha Pita, que dava aulas de matemática no Colégio Pedro II. Gastava, no total, mil cruzeiros. No segundo semestre daquele ano, fez-me estudar de manhã e de tarde, assim, a minha mensalidade dobrou.
-A sua irmã passou também para o horário integral?
-Em 1960, a sociedade era muito mais machista do que hoje, quase todas as fichas foram apostadas em mim, não na minha irmã, que prosseguia nos estudos só pela tarde.
-Você estava, agora, pronto para enfrentar os sujeitos e predicados do Colégio Militar?...
-Além do aumentativo de incêndio. - acrescentei.
-E como se saiu?
-Rapaz, o primeiro colégio a chamar para as provas de admissão foi o Colégio Visconde de Cairu. E lá fui eu, com minha mãe, ser inscrito. Tomei um susto quando li a placa, sobre um balcão, com as palavras 70 vagas, pois se falava em milhares de candidatos.
-A relação era uns 300 candidados por vaga... - calculou de cabeça.
Na época, o Carlos Lacerda se tornou governador do Estado da Guanabara e abriu a porteira; as vagas subiram para 400, por aí.
-E você passou.
-Passei; o Colégio Visconde de Cairu gozava da fama de ser o melhor colégio estadual. Como os mestres tinham, na época, matrículas do governo federal e estadual, os meus professores também davam aulas no Pedro II.
-E depois, você tentou o Colégio Militar?
-Que nada! Minha mãe já pretendia me levar à escola e trazer, e, percebendo que o Maracanã ficava longe do Cachambi, deu-se por satisfeita com o Visconde de Cairu do Méier. Meu pai aprovou.
Antes de saltar do seu táxi, desejei sorte ao filho do Gaguinho na obtenção da bolsa de estudos através do esporte e me dirigi para casa.






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