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quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

2272 - fontes, chafarizes e meliantes


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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4071                                 Data: 23 de novembro de 2012
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DOIS OU TRÊS SABADOIDOS NUM SÓ

Claudio, diverti-me muito, esta semana, assistindo Adorável Pecadora.
-É um filme com a Marilyn Monroe.
-Isso. Mas há momentos que merecem ser assinalados.
E no meu entusiasmo prossegui:
-O filme se inicia como um documentário, mostrando com fotografias, a formação da riqueza da dinastia Marc Clément de 1777 até o século XX, quando surge o personagem do Yves Montand, Jean-Marc Clément.
-Você não pretende contar o filme.
-Claro que não, eu me esforço ao máximo para não ser chato.
Depois de tranquilizá-lo, continuei:
-Nessa espécie de documentário, aparece o 14 Bis de Santos Dumont, enquanto o locutor fala do surgimento do aeroplano.
-Isso nos Estados Unidos dos Irmãos Wright? - reagiu com perplexidade.
-Como eu tenho a fita gravada, congelei essa imagem e lá estava o 14 Bis no ar, só faltou a Torre Eiffel.  Então, um locutor, sempre em off, informa que um dos ascendentes de Jean-Marc Clément comprou a patente do aeroplano, e aumentou ainda mais a fortuna da família.
-Sendo na França, tinha de ser mesmo o Santos Dumont, ainda mais que os irmãos Wright fizeram tudo escondido nos Estados Unidos. - comentou meu irmão.
-Outra cena que merece destaque é a que mostra a Marilyn Monroe e o Yves Montand caminhando pelas ruas de Nova York. Em dado momento, para o constrangimento do milionário, que se passava pelo pobretão Alex Dumas, ela o incita o correr, dizendo-lhe que fazia bem a saúde. Em seguida, ela passa a trotar no meio das pessoas. O filme é de 1960 e a febre das corridas pelas ruas se iniciou por volta de 1970 com Kenneth Cooper.
-Ela foi uma visionária. - brincou o Claudio.
-Pena que a Marilyn Monroe não cuidou da saúde como a personagem dela.
-Nesse filme não tem muitas músicas? - quis saber.
-Há um compositor e um letrista que se incumbiram da parte musical, mas a exceção é o My heart belongs to my daddy (Meu coração pertence ao papai) do Cole Porter, cantado e dançado pela Marilyn, um grupo participa com ela da dança.
-Cole Porter sempre fez coisas boas. - afirmou.
-Ele era bom letrista, mas na música residia o imenso talento dele. Com uma letra quase pueril, ele a tornou espetacular com a parte musical.
-E como a Marilyn Monroe se sai?- demonstrou curiosidade.
-Quando o personagem de Yves Montand a vê cantando e dançando se apaixona por ela, na ficção e na vida real. Claudio, sem se despir dos pés à cabeça, como muitas atrizes fazem hoje, Marilyn Monroe continua sendo a atriz mais sensual do cinema.
-Esse filme recebeu várias indicações de prêmios, mas não recebeu nenhum. - lembrou.
-Não se trata de arte, mas de entretenimento e como tal, eu gostei muito.
-Note que os filmes considerados artísticos foram, na maioria, feitos em preto e branco.
-É verdade, Claudio. A sombra e a luz são mais bem trabalhadas nos filmes em preto e branco.
E emendei com uma pergunta:
-Lembra-se da febre de colorização dos filmes em preto e branco por computador, nos Estados Unidos, lá pela década de 80?
-Claro, coloriram até o Casablanca.
-Erraram as cores dos vestuários dos personagens...
-E mesmo que tivessem acertado, não estava certo. - bradou.
-Sim e o público que assistiu ao Casablanca em cores só o fez por curiosidade, pois a preferência continuou pela versão original.
-Mas coloriram muitos filmes. - disse meu irmão.
-O Orson Welles, pressentindo que a morte se aproximava, pediu aos seus amigos que impedissem a colorização do Cidadão Kane.
-O Woody Allen liderou uma campanha contra a adulteração das obras de arte em preto e branco pelos computadores, venceu e essa tolice foi esquecida. - manifestou-se o Claudio.
Nesse instante, meu sobrinho apareceu informando que ia caminhar e que a sua Lan House estava à minha disposição. Rumei, então, para o computador, enquanto meu irmão pegava alpiste para alimentar as rolinhas.
Acessei mais uma produção Triunfo 30, com o vídeo Mãe d´água, em que a Branca e o Dieckmann denunciam o descaso que as autoridades relegaram um lugar de Santa Teresa prenhe da história do Rio de Janeiro.
Enquanto a câmera mostrava um fio d' água, ouvia-se a voz do Dieckmann que dizia que esse líquido escorria para o rio Carioca.
A indignação da Branca dava o tom emotivo necessário ao vídeo de protesto.
Com a curiosidade aguçada, acionei o Departamento de Pesquisas do Biscoito Molhado que me franqueou mil páginas sobre o abastecimento d´água no Rio de Janeiro no passado, mas procuraremos nos restringir à história relacionada ao reservatório   Mãe d' água em um ou dois parágrafos.
“O chafariz da Rua Riachuelo (antes, Rua Matacavalos) foi construído em 1817. Moradores de lá, chamado de Caminho de Matacavalos, solicitaram ao Rei Dom João VI o mencionado chafariz porque não existia fonte de abastecimento na região, que começava a ser intensamente ocupada por residências majestosas. Foram, então, captadas águas de uma nascente do Morro de Santa Teresa, que desembocavam no pequeno chafariz parietal com três bicas e um único tanque sobre o qual se encontra uma cartela com a data e os dizeres: “O Rey por bem do seu povo mandou fazer e oferecido pela polícia.” (*)
“O chafariz de Paulo Fernandes, nome do intendente da polícia, faz parte de um sistema que levava as águas do Rio Catumbi até ao chafariz que existia no Campo de Santana, inaugurado solenemente pelo rei em 1818.”
Como a sessão do Sabadoido já se iniciara, e eu estava encarregado das atas, rumei para lá.
Cláudio e Vagner rememoravam a bandidagem do Cachambi dos anos 70 e 80. Recuei ainda mais no tempo e citei o Borboleta dos anos 60.
-Ele era boa pinta. - reconheceu o Vagner.
-Hoje, seria um bandido romântico. - comentou o Claudio.
-Quando houve aquela manifestação dos marinheiros no sindicato dos metalúrgicos, liderados pelo Cabo Anselmo, a Rua Ana Nery ficou repleta de soldados. Minha mãe e minha irmã, que voltavam de ônibus da casa da minha avó, viram o “Borboleta”, que servia o Exército.
-Isso foi em 1964 e ele foi morto em 1965. - interveio meu irmão.
-Morreu mal. Levou vários tiros e ainda passaram com a moto por cima dele. - disse o Vagner.
-Falaram em crime passional, que ele se envolveu com a mulher de alguém.
-Carlinhos, o Borboleta foi várias vezes preso pela Invernada de Olaria. - retorquiu o Claudio.
A esse Sabadoido, Luca, por motivo de força maior, não compareceu, mas esteve no da semana seguinte, e falou da Rosa.
-Carlinhos, escrevi num papel para a Rosa ler aquele pensamento do Sartre que você me enviou:
-Aquele em que ele diz que viver é se equilibrar entre as nossas escolhas e as suas consequências?
-Esse mesmo; ela leu, crispou o rosto, e disse:
-Prefiro a Simone de Beauvoir,
Fosse o Sartre que escreveu que o marxismo é a filosofia insuperável do nosso tempo, o Sartre estacionado no capitalismo selvagem do século XIX, eu concordaria com a Rosa Grieco:
-Prefiro a Simone de Beauvoir. - arrematei.
(*) Há restos de chafarizes e fontes em vários pontos da cidade. O abastecimento a partir das águas do Rio Carioca chegava a Laranjeiras (caminho natural), na Glória e posteriormente no Largo da Carioca, mas aí já através do Aqueduto dos Arcos. O incrível é que precisasse um rei para abrir um chafariz, D. João V no caso da Mãe d’Água e D. João VI, no caso da fonte da Rua Matacavalos (Riachuelo). O bom é que há vestígios de tudo.
E parietal quer dizer, que vem da parede.

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