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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4070 Data: 22 de
novembro de 2012
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COM A
TUMULTUADA CORTE PORTUGUESA
PARTE II
Deus do céu! O tumulto no cais ainda foi
maior do que no palácio. Também pudera, eram 15 mil almas que partiriam para o
Brasil: nobres, servos, valetes e agregados.
Elio Fischberg foi treinar o seu francês
dizendo le jour de gloire est arrivé e provocou uma desabalada corrida
naqueles que o ouviram.
-Os franceses já chegaram – gritavam.
Felizmente, o pânico não se espalhou
como um rastilho de pólvora, pois o que se via, além da esquadra portuguesa,
eram quatro naus da Marinha Real Britânica, sob o comando de Graham Moore e não
os soldados comandados pelo General Junot.
A frota portuguesa era composta de oito
naus, três fragatas, três brigues e duas escunas, e o vice-almirante Manoel da
Cunha Souto Maior foi designado o comandante que teria a responsabilidade do
sucesso dessa viagem.
Os nobres, principalmente, carregavam
com eles seus bens, desde que não ocupassem muito espaço nas embarcações. O
príncipe-regente D. João, levou o que pôde felizmente não se esqueceu dos
livros.
-Olha, Elio, um nobre quer embarcar com
o piano.
-Aqui não entra piano, mesmo que Haydn
fosse conosco. - foi peremptório um dos ajudantes do vice-almirante Manoel da
Cunha.
-Vou me queixar com Dom João.
O herdeiro do trono, Dom Pedro de
Alcântara, batucou em algumas teclas, ainda assim, o piano ficou pelo caminho.
-Eles estão chegando. - voltaram os
alarmistas a se manifestar.
Houve mais correrias no cais, e eu e
Elio fomos jogados para o navio mais insígne da esquadra, o Príncipe-Regente.
-Eu não queria a proximidade da Carlota
Joaquina. - lastimei.
-Olha a filharada dela, Carlos. -
indicou-me o Elio.
-Os mexericos que correm por Lisboa,
Elio, é que nem todos são filhos de D.João.
-A minha suspeita é quanto a Dom Miguel,
Carlos, o filho predileto dela. Parece que o príncipe-regente alimenta a mesma
suspeita, pois se afasta quando ele chega perto.
-Por que não levantamos ferros. -
questionou Dom João o vice-almirante Manoel da Cunha Souto Maior.
-Sopra o vento sul, e só podemos partir
com o nordeste.- explicou.
-Até o vento está a favor de Napoleão. -
comentou uma viscondessa.
Quando chegou a notícia que a tropa do
General junto pisava a terra de Santarém e pernoitava no Cartaxo, o desespero
se instalou.
Um dos servos, de origem africana,
recebeu a incumbência de clamar por todas as entidades do seu credo para que o
vento nordeste soprasse. E assim foi feito, sem que se deixasse de rezar também
por todos os santos católicos. E eis que o tão desejado vento nordeste enfunou
as embarcações para o alívio geral. Era o dia 29 de novembro de 1907; no dia
seguinte, às 9 horas da manhã, o General Junot, com 26 mil homens, tendo à
frente um destacamento da cavalaria portuguesa, que passou para o seu lado,
entrava em Lisboa.
Logo, o ministro Antônio Araújo de
Azevedo, expoente do “partido-francês”, informou ao comandante das tropas, que
toda a corte portuguesa estava em fuga para o Brasil. Sabe-se que essa notícia
desagradou sobremaneira o General, pois recebera ordens de Napoleão de
aprisionar o príncipe-regente, como foi feito na Espanha.
-Onde essas quinze mil pessoas vão
defecar, Carlos?
-Lembre-se, Elio que, na imensidão do
Palácio de Versailles, não construíram um único vaso sanitário.
-É muita poluição caindo no mar. -
lamentou.
-Elio, olha para o céu. - apontei.
Não éramos apenas nós que olhávamos para
o céu, todos, nobres e plebeus, sem exceção, se assustaram com as nuvens
carregadas sobre nós. Os trovões, tonitroantes como tiro de canhão, se
sucediam, depois que os raios riscavam os céus. Logo a chuva desabou sobre nós acompanhada de um vento que nos obrigava a segurar em
qualquer parte do navio que, por seu lado, era jogado de um lado para o outro
como se fosse um brinquedo dos elementos.
-Até parece que estamos a dobrar o Cabo
das Tormentas. - comentou um marujo.
Quando a tempestade amainou,
constatou-se que parte da esquadra se dispersara.
-Será que naufragaram? - era a pergunta
que se fazia.
Alguns ainda choravam os mortos, quando,
transcorridos cinco dias, as embarcações dispersas foram vistas. No meio do
júbilo geral, com exceção da princesa Carlota Joaquina, sempre carrancuda, os
navios se reagruparam e seguiram em frente. No dia seguinte, foi avistada a Ilha da
Madeira.
-Carlos, como eu gostaria de desembarcar
aqui.
-Eu também, Elio.
-Você viu o filme Sissi na parte em que
a arquiduquesa da Áustria foi tratar da saúde na Ilha da Madeira?
-Porque vi essa fita, que mostra a
beleza da ilha é que eu queria desembarcar aqui. - foi minha resposta.
A realidade, porém, era que seguíamos em
frente.
-Piolhos, piolhos. - gritou uma marquesa
desesperada despojada de toda a sua nobreza.
Em pouco tempo, todos coçavam as fartas
cabeleiras, mesmos os que não tinham nada na cabeça.
-Carlos, veja se há piolhos no meu cocuruto.
-Examinei as mechas grisalhas do meu
amigo, e concluí:
-Só caspas, Elio.
-Um catava piolho da cabeça do outro,
enquanto a princesa Carlota Joaquina soltava gritos histéricos:
-Piolhos!... Piolhos!...Não limparam os
navios antes do embarque? Isso é um acinte que merece uma reparação.
-Elio, não sei o que é pior, se os piolhos
ou a Carlota Joaquina.
-Calma, Carlos falta só um mês para
chegarmos ao Brasil.
-Um mês? - revesti a minha pergunta de
desespero.
-Por isso que alguns livros foram escritos em viagens náuticas. -
concluiu o Elio.
-É difícil ter ideias para se escrever
enjoado.
E foram muitos os que enjoaram.
-Só falta eu vomitar meu estômago. -
bramiu uma viscondessa.
-Como disse alguém, Elio, os navios existem para inglês bêbado.
-São apenas três meses de viagem de
Portugal ao Brasil. - ponderou o Elio.
-Veja o príncipe herdeiro, Dom Pedro de
Alcântara, Carlos, tão menino e já se mostra democrata; viaja perto dos servos
e valetes.
-Olhe com mais atenção; ele alisa a
perna das mais novas e se coloca debaixo da saia das mais velhas.
-É verdade. - constatou o Elio.
-Não há balanço de navio que o faça
enjoar quando ele está perto do sexo feminino. - acrescentei.
-Essa gente toda com panos enrolados na
cabeça por causa dos piolhos...
-Esses panos parecem turbantes de
baiana. - completou o Elio.
E, por coincidência, terras da Bahia
foram avistadas pela nau que ponteava a esquadra.
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