Total de visualizações de página

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

2283 - o duque

-->
O BISCOITO MOLHADO
Edição 4082                               Data: 07 de dezembro de 2012
-------------------------------------------------------------------

74ª VISITA A MINHA CASA

Digamos que eu me encontrava na fase intermediária entre a vigília e o sono, no devaneio, quando ouvi notas de um piano que acompanhava uma música bem ritmada que uma banda de jazz executava. Abri os olhos.
-Duke Ellington. - encantei-me ao vê-lo diante de mim.
-Como vai?
-Desde que eu vi o filme “Anatomia de um crime”, com James Stewart, que me senti atraído por aquela música que me soava nova aos ouvidos. Até então, eu só ouvia óperas italianas, alguns concertos sinfônicos e a música popular do Brasil e outras nações.
-Eu compus a música para “Anatomia de um crime”, em 1959; dois anos depois, fiz o mesmo para Paris Blues (Paris vive á noite), com Paul Newman e Sidney Poitier.  Mas antes, bem antes, em 1929, eu coloquei a música no Black and Tan Fantasy.
-Duke Ellington, há mil testemunhas que comprovam que você compunha com uma facilidade espantosa. Enquanto você aguardava um jantar, você compunha uma obra-prima. Na banheira, durante o banho, as notas musicais de novo sucesso lhe vinham à mente e você logo as colocava no pentagrama.
-Eu tinha uma orquestra de jazz, tinha de conciliar os temperamentos difíceis dos meus talentosos músicos e, por isso, só havia esses momentos para criar. Além, é claro, de adaptar as minhas criações à capacidade profunda dos componentes da minha orquestra. Fiz, muitas vezes, mais de um arranjo para várias músicas.
-E assim brotaram mais de mil composições.
-Não parei para contar, não tive tempo. - manifestou-se sem falsa modéstia.
-O apresentador do programa de jazz da Rádio MEC, Nélson Tolipan, reportou-se, mais de uma vez, à sua apresentação com seus músicos no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Conta ele que ao chegar no seu camarim, para entrevistá-lo, você pediu que ele aguardasse um pouco porque estava compondo.
-É verdade.
-Você sempre atendia às musas inspiradoras que chegavam a todo momento.
-Nem sempre as atendi... Quando a minha mãe faleceu...
Nesse instante, cortei, intempestivamente, a fala do visitante com a minha tagarelice.
-Assisti, ano retrasado e depois revi, um documentário sobre a história do jazz em vinte capítulos de uma hora. Você e Louis Armstrong foram os jazzistas mais citados. Num desses capítulos, há uma referencia à morte de sua mãe, que o abalou profundamente.
-Fiquei deprimido durante dias, não tinha ânimo para nada; quando escrevi uma composição, depois outra e mais outra, constatei que vencera a depressão.
-Nesse mesmo documentário, Duke, Dave Brubeck contou chorando que, numa turnê que vocês faziam na Europa, você bateu na porta do hotel em que se hospedaram para felicitá-lo, com uma revista Times na mão, porque ele era a capa.
-David Brubeck era muito emotivo. - comentou.
-Ele chorava, como revelou, porque a capa do Times era para ter a sua imagem e não a dele. O racismo nos Estados Unidos o entristecia muito.
-Muitos negros se enfureciam, mas eu era um homem do piano, não do revólver. Meu temperamento era de um conciliador.
-Seu nome de batismo é Edward Kennedy Ellington.
-Sim, chamam-me de “Duke” (Duque), por causa do meu jeito um tanto nobre.
-Seu pai foi mordomo na Casa Branca?
-Papai trabalhava como desenhista da Marinha, como o dinheiro era escasso, ele se tornou, também, mordomo da Casa Branca. Talvez eu tenha absorvido os modos aristocráticos dele.
-Você logo se sentiu atraído pelo piano?
-Que nada!... Eu gostava mesmo era de beisebol; para ver os meus ídolos de perto, eu arrumei um emprego de vendedor de amendoim. Não foi um tempo perdido na minha vida porque eu tinha de gritar para conseguir vender alguma coisa e, assim, perdi a timidez.
-E o chamado da música?
-Tanto o meu pai como a minha mãe sabiam tocar piano e passaram o seu conhecimento para mim. Com 17 anos de idade, eu toquei profissionalmente, mas não parava de estudar música. Nos meus tempos de ociosidade, eu procurava ouvir os pianistas de ragtime e de abordar os mestres, como Harvey Brooks, na Filadélfia, que me mostrou algumas sutilezas.
-Você era de Washington?
-Mas segui a minha carreira por alguns estados americanos, onde eu tocava em cafés e mesmo em casas de prostituição.
-E como foi em Nova York?
-Conheci um dos meus ídolos, Fats Walter, mestre no piano; ele foi fundamental nos primeiros anos da minha carreira, incentivando-me.  Em Nova York, conheci um ragtime mais evoluído do que eu ouvia em Washington. Fui apresentado aos pianistas do Harlem e, o principal de tudo, deparei-me com o som melodioso e o ritmo swingado do Louis Armstrong e Sidney Bechet.
-Em 1917, com 18 anos de idade, você formou a banda de jazz “The Duke´s Serenaders”.
-Sim, como o nome era pretensioso de mais para um garoto de 18 anos, mudei para “The Washingtonians”.
-Em 1923, “The Washingtonians” se apresentou em Nova York?
-Tocamos em vários clubes da Big Apple e passamos pela Nova Inglaterra como uma banda de música para se dançar.
-Então, em 1927, surgiu a sua grande oportunidade.
-Sim. Joe “King” Oliver exigiu muito dinheiro para renovar seu contrato com o Cotton Club, então, o lugar vago foi oferecido a mim com meus rapazes, e, assim, nos apresentamos como “Duke Ellington and his Jungle Band.”
-Eu assisti ao filme Cotton Club, de Francis Ford Coppola, que faz referência às suas apresentações, mas se detém mesmo é na máfia.
-Era a máfia de um lado e eu do outro. O Cotton Club, para mim, era um clube do Harlem, que se tornou conhecido na esfera nacional graças as transmissões de rádio que se faziam de lá, com isso, nós nos tornamos conhecidos em todo os Estados Unidos da América,
-Afirmaram os estudiosos que o seu instrumento não era mais o piano, mas toda a orquestra de jazz, que você fez experiências com a tonalidade, usando novos efeitos com os trompetes e saxofones.
-Nessa época, elaborei composições em vários estilos.
-Quando você deixou o Cotton Club, em 1931, já era uma das maiores estrelas do país, e gravava regularmente para várias companhias discográficas.
-Algumas das suas criações foram feitas com Billy Strayhorn, um homossexual de extraordinário talento, que nem sempre recebeu os créditos devidos.
Nesse instante, uma névoa passou pelos olhos de Duke Ellington.
-Billy Strayhorn foi o meu alter ego, algumas vezes, eu parava no meio de uma composição com dúvida de que nota deveria escrever no pentagrama; consultava Billy Strayhorn, e quase sempre chegávamos a mesma conclusão.
-Duke, você, sempre que podia, enveredava pela música experimental; que, nos anos 40, você alcançou o cume criativo quando compôs para orquestra e vozes.
-Na minha orquestra havia músicos fabulosos como Jimmy Blanton, que também me ajudou a mudar o jazz.
-Sim, mas você perdeu músicos, o swing já não era tão popular com a chegada de novos ritmos, você se deparou, então, com novos desafios.
-Bem, as músicas de três, quatro minutos, não me satisfaziam mais. Eu tinha fôlego criativo para compor músicas de trinta minutos, quarenta minutos de duração.
-Mas as plateias da música popular não gostam de música tão longa, que exija muita atenção e ouvidos bem apurados. - manifestei-me.
-Diziam que as minhas criações eram similares à música clássica, que eu venderia menos discos, mas segui a minha natureza.
-A sua música desse período ainda é analisada, mas todos concordam quanto a sua incrível criatividade até a morte chegar, em 1974.
-Eu poderia compor por mais alguns anos, digo, viver.
-Duke Ellington, uma coisa que li e gostaria de lhe falar. Muitos negros não se conformavam com o fato de a maior ópera realizada sobre negros, unicamente, Porgy and Bess, com música jazzística, seja da autoria de um judeu, George Gershwin e lhe pediram uma ópera que a superasse.
-Era um pedido preconceituoso. Por que não podia ser judeu?... Eu agasalhava outras ideias na cabeça, que não era a ópera.
-Bem Ellington, você foi distinguido com a Presidential Medal of Freedom, a maior condecoração que um civil pode receber nos Estados Unidos, e foi reconhecido como o compositor que levou o jazz à sua altura mais elevada.
-Sim, mas eu morri, por isso, vou-me.
E se foi para outras paragens.





Nenhum comentário:

Postar um comentário