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quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

2285 - o biscoito cooperativo

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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4085                               Data: 10 de dezembro de 2012
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CONVERSAS NO TÁXI nº 151

Sempre que saio mais cedo do serviço, pego o táxi do 009. Essa certeza me veio da época do incêndio no prédio do meu trabalho quando, de abril a setembro, eu chegava ao ponto da Domingo de Magalhães.
O Gaguinho, dessa vez, sentado no banco do motorista, dormia a sono solto.
Está tão sossegado com a bolsa de estudos ganhada pelo filho que dorme.  Além disso, trabalha desde cedo para pagar o financiamento deste carro novo, iludido pelos juros baixos, como se não houvesse impostos escorchantes incidindo no valor dos veículos. - pensei.
Parado, ladeando seu táxi, não tive coragem de acordá-lo. Mas a fila anda. Um colega, que estava com o carro logo atrás do seu, não pensou duas vezes, gritou-lhe nos ouvidos:
-O passageiro está esperando.
-Vamos, Vamos. - disse sem gaguejar, franqueando a porta para mim.
-Esses cochilos são reparadores. - manifestei-me.
-Sim.
-Muitas vezes, eu retorno do almoço ao meio dia e meia, aproveito que a sala de trabalho está vazia, me acomodo na cadeira e procuro cochilar.
-O cochilo nos revigora,
-Pena que a minha cadeira não seja tão confortável quanto às dos ministros do Supremo Tribunal Federal.
-Você hoje veio mais cedo.
-Seríamos dispensados, por causada passeata do “Veta, Dilma”, às duas da tarde. Ora, essa é a hora do início  do evento, então, eles anteciparam em uma hora nossa saída.
-Eu imagino o nó que vai dar no trânsito. - disse, alongando vogais por causa da gagueira.
 -Almocei na esquina da Primeiro de Março com a Avenida Antônio Carlos  andando pelo meio da rua da Assembleia. Fui depois, da Rodrigo Silva à estação Carioca do Metrô pela Avenida Rio Branco. Tive a sensação que estava nos carnavais dos anos 50, quando a minha mãe me levava, como meus irmãos, para ver os foliões.
-Fecharam várias ruas e avenidas da cidade desde cedo. - disse ele.
-Eu peguei o metrô, hoje, antes das seis da manhã. A princípio, estranhei, pois estava lotado, depois, eu calculei que a chuva, pois chovia, obriga que muitas pessoas troquem o ônibus pelo metrô.
-O trânsito da Avenida Brasil está também mais carregado.
-Sim; uma colega minha, que mora em Campo grande, chegou duas horas depois do costumeiro. Disse-me que, quando não são os cracudos da Favela Parque União , é a chuva que atravanca o trânsito da Avenida Brasil.
-Eu levei um passageiro para o Centro, mas foi uma corrida tranquila, porque aconteceu bem cedo, no horário em que você desce a Van Gogh. - arriscou ele uma frase mais longa.
-Quem sofreu mais foi a minha colega que vem de Niterói, pois passam por lá os manifestantes dos royalties de São João da Barra, Campos, Macaé...
E acrescentei:
-Todos os cabos eleitorais do Garotinho e da Rosinha devem aparecer. Eles distribuem pão com mortadela e ônibus grátis.
-É uma festa. - comentou.
-Eles ainda verão seus ídolos da TV Globo.
-E você acha que a Dilma vai vetar essa distribuição dos royalties do petróleo para todo o mundo?
-Ela vai vetar, se não, o Brasil vai ficar desmoralizado por não cumprir contratos internacionais.
-Mas o Brasil já não quebrou contratos?...
-Depois que o Fernando Henrique arrumou a nossa economia, não e o Brasil passou a ser visto com outros olhos. - disse, enquanto tirava o dinheiro do bolso da camisa para pagar a corrida.

-Como vai a sardinha?
Essa pergunta do taxista que eu mal conhecia, tanto que lhe disse o meu destino, surpreendeu-me.
-Será que sou peixeiro? - indaguei comigo mesmo.
Notando a minha expressão de mau entendedor, acrescentou:
-A sardinha em lata. O metrô.
-Ah, sim. Tento estar na plataforma, na ida ao trabalho, pelas seis da manhã e, na volta, pelas quatro e quinze da tarde.
-Ainda assim, não escapa da “sardinha”.
-Normalmente, eu escapo sim, de manhã cedo, é evidente que nunca sento, mas de tarde...
-De tarde, é aquela pressão por todos os lados. - interveio com uma risada sádica,
-Não é o período em que você mal respira, isso ocorre pelas seis horas da tarde, no entanto, você tem de encontrar um lugar estratégico, no momento do fluxo e refluxo dos passageiros que se dá na estação da Central do Brasil.
-E esses trens chineses não iriam resolver o problema de lotação?
-Eu viajo umas trinta e quatro vezes por mês de metrô, e só peguei, até hoje, quatro vezes o trem chinês.
-Vieram poucos, então?... Noticiaram outra coisa.
-Sempre que passo pela estação da Cidade Nova, onde há um depósito de trens, vejo um chinês ocioso por lá.
-E olha que chinês trabalha pra burro. Vá ver que o trem é baiano.
E explodiu numa gargalhada, satisfeito com a própria piada.
Já estávamos na Rua Modigliani, paguei a corrida e fui para casa.

Peguei o táxi do 045, no dia subsequente, e, depois das saudações de praxe, perguntei-lhe sobre o tráfego nos dias de semana para a Barra da Tijuca.
-Tem havido engarrafamento a qualquer hora no Rio de Janeiro, porque  há muita gente  colocando seus cacarecos para rodar nas ruas.
-Prometi a um amigo de décadas, que não vejo a alguns anos, visitá-lo em casa, mas adio sempre essa visita por temer a demora no trânsito.
-Certa vez, a minha mulher cismou de ir à Bienal do Livro, no Riocentro,  para pegar um autógrafo do Padre Marcelo no “Ágape”.
-O livro que vendeu mais do que banana na feira-livre?
-Esse mesmo.
E continuou:
-A caminho de lá, enfrentei um engarrafamento dos diabos.
- Um amigo meu, que conhece também o Machado, mostrou-me um artigo do Ruy Castro, da Folha de São Paulo, sobre noites de autógrafos.
-Sim. - mostrou curiosidade.
-Afirma o cronista que o número de autógrafos que anunciam não corresponde a realidade. Falam em 1000 autógrafos, mas ele argumentou com 400, projetando um minuto por autógrafo, o que significaria 400 minutos, ou seja, 6 horas e 40 minutos.  E concluiu que nenhum escritor suporta fisicamente esse tempo todo.
-Mas um minuto é muita coisa para se rabiscar um nome; eu caminho 100 metros por minuto. Quando o escritor vê que a fila é enorme, resolve isso gastando um vinte segundos por pessoa. A fila do “Ágape” era quilométrica, de dar inveja ao Paulo Coelho.
-Mas eu soube que ele teve cãibra nos dedos.
-É verdade. Padre Marcelo pediu, então, a compreensão do pessoal que estava na fila, houve protestos, e ele disse que trocaria o autógrafo pela bênção a cada comprador do “Ágape” .
-E todos acataram?
-Sim.
Só depois de saltar do táxi é que percebi que não lhe perguntara se a sua esposa fora abençoada ou levara para casa o livro autografado.




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