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quarta-feira, 30 de maio de 2012

2157 - Trufô, Acre e facebook

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O BISCOITO MOLHADO
Edição 3857                                       Data: 22 de maio de 2012
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NOTÍCIAS NO TÁXI

Pensava no filme “Na idade da Inocência”. Não houve cineasta que mostrasse o mundo das crianças com mais sabedoria do que François Truffaut.  O cinema americano exibe crianças engraçadinhas; o inglês, certamente por causa da influência dos livros de Charles Dickens, crianças vítimas do sistema econômico; e o italiano, pequenos poetas românticos. Truffaut, não, amava as crianças e as respeitava como seres humanos frágeis que enfrentam a vida.
No cinema do grande cineasta francês, a meninice reflete sinceridade; não há lugar para o estrelismo de uma Shirley Temple, por exemplo.
No filme “Na Idade da Inocência”, vê-se o convívio dos jovens numa sala de aula, nos recreios, com os professores, com os seus pais. Vê-se seus namoros. Truffaut mostra o relacionamento em casa de alguns, as ruas que percorrem. Como escreveu acertadamente um cinéfilo: “Nada grita no filme: Truffaut, que é sempre tão suave, tem aqui toque de veludo, o filme desliza sem drama pesado, sem forçar nada. Você gargalha e sente gratidão pela engenhosidade do diretor. Não há um só momento entediante e cada pequena cena é plena de vida, de apelo e verdade. Truffaut jamais foge das implicações da meninice, ele arquiteta o filme como sinfonia colorida.”
Eis a expressão correta: sinfonia colorida. Mas há um momento em que as cores se tornam carregadas, quando, no meio do ano letivo, é matriculado um aluno mal vestido, Julien, que jamais demonstra a alegria saudável dos seus colegas de estudo. Age com dispersão nas aulas e comete pequenos furtos. Identificamos logo, no personagem, as reminiscências infanto-juvenis do autor de “Os Incompreendidos”.
A casa de Julien é apresentada ao espectador de longe pela câmera, paupérrima praticamente um barraco. Ele sai de casa e lhe atira pedras, sinal de que o seu lar é conturbado.  Num exame médico, na escola, em que é compulsoriamente despido, descobre-se marcas de tortura espalhadas pelo seu corpo. A polícia é informada pela direção da escola, e a mãe e a avó do pequeno Julien, duas megeras, são presas em casa.  A inocente gurizada estremece com a visão de um mundo horrível, que até então desconheciam e o professor François faz uma sábia palestra na sala de aula. Diz, com outras palavras, que o pior crime é aquele cometido contra as crianças. E elas, mesmo sendo as vítimas, julgam-se culpadas, o que torna ainda mais perverso o crime contra elas.
Truffaut, que conheceu o mundo das crianças através do cinema melhor do que ninguém, veio-me à mente quando li a declaração da apresentadora Xuxa sobre a época da sua infância em que foi molestada  sexualmente. Disse ela em determinado momento: “Eu não tinha experiência, não sabia o que fazer. Me calava porque me sentia suja, errada, achava mesmo que a culpa era minha, das minhas roupas, do meu jeito. Até hoje me sinto culpada. Mas a gente não pode pensar assim. Porque uma criança não sabe o que fazer em uma situação dessa.”
Puro Truffaut.
Enquanto eu repetia para mim mesmo que era puro Truffaut, apesar de o cineasta não ter abordado a pedofilia, o taxista desconhecido me perguntava onde ele deveria parar o carro.
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No dia subsequente, o taxista não era também uma figura fácil do percurso da Domingo de Magalhães para a Modigliani, mas isso, ao contrário de ontem, não impediu que a conversa fluísse.
-Antes deixassem o Acre com os bolivianos. - bradou.
Tanta fúria só pode ser provocada pelo alvo da nossa paixão.
-O senhor é acriano?
-Sou, mas vejo que a minha terra não deveria passar para as mãos brasileiras.
-O Acre possui regiões de fertilidade comparáveis a encontrada em parte da Argentina e da Ucrânia, pelo que li não sei onde. - comentei.
-Não sabem aproveitar a boa sorte. - continuou zangado.
-O Acre nos deu Armando Nogueira, José Vasconcellos...
-E deu também o Tião Maia.
-Senador Tião Maia?..
-Ele é o governador do Acre. - esclareceu-me.
-Os políticos sempre nos desapontam, por isso eu olho mesmo os que me agradam, pelas ideias, com um pé atrás.
-O Tião Maia se tornou o José Sarney do Acre. Foram cinco os parentes que nomeou para cargos no executivo. Agora, ele nomeou a irmã para a Junta Comercial do Acre com o salário de 16 mil reais.
-Médicos e professores, na maioria, não ganham 30% disso no Serviço Público. - comentei.
-É para você ver... Um jornal de lá publicou que toda a família do governador reunida embolsa, do estado, mais de 600 mil reais.
-Um bom dinheiro.
-Um crime num estado tão pobre. - rezingou.
-Um dia, melhora. - expressei otimismo.
-Os bolivianos não pegaram a Petrobras?... Que peguem de volta o Acre. - azedou ainda mais.
-Nada disso; com aquela terra fértil, eles plantariam mais coca. - retruquei, quando o carro parou na Rua Modigliani.
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-E o curso de contabilidade?- perguntei ao Bob Esponja, cujo táxi me trouxe para casa no dia seguinte.
 -Eu falei curso de contabilidade?... Não é bem isso, eu me formei, na faculdade, em contabilidade. Penso, agora, em fazer um curso de informática.
-Ah, sim... Você me disse um dia desses que se matricularia num curso, e eu fiz confusão. - expliquei-me.
-Eu já tenho uma noção razoável de computador, só preciso me aperfeiçoar, mas o táxi não me deixa tempo, e eu preciso fazer um dinheirinho.
-O sinal da banda larga é ruinzinho por aqui, pelo menos era. Eu ainda encontro dificuldade para navegar na internet, muitas vezes recorro ao computador do meu sobrinho, que mora na Avenida Suburbana. - manifestei-me.
-Pelo que escuto, a banda larga de Del Castilho não anda assim tão lenta.
Depois de uma pausa, perguntou:
-Você tem virtual?
-Não, uso modem que tenho de plugar no computador por cabo USB.
-Sua internet é velox?... Não é uma boa.
-Não mudei ainda por comodidade e preguiça.
-Muda logo, pois você acessará melhor o facebook. - sugeriu.
-Não sou adepto de relacionamentos virtuais. - declarei.
-Quase todo mundo é, você viu agora o lançamento das ações do Facebook na Bolsa de Valores dos Estados Unidos? Um sucesso.
-Vi o lançamento das ações e a sua negociação, caiu 20%.  Já fizeram o trocadilho: virou “Fakebook”.
-Recupera logo. - garantiu o Bob Esponja.
-Não é assim, posso afirmar com a pouca experiência que tenho no assunto. Houve a euforia inicial e, depois, os acionistas caíram na realidade. Como o Facebook fará dinheiro? - foi essa a pergunta que os vendedores da ação fizeram.
-Com tanta gente adepta do Facebook, o dinheiro aparecerá.
 -Não vamos esquecer que essa gente de relacionamento social não trata de negócios e essa empresa começou com um valor superior às maiores do mundo.
-Rua Modigliani. - avisou.


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