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sexta-feira, 18 de maio de 2012

2150 - o balaustre molhado

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O BISCOITO MOLHADO
Edição 3850                                          Data: 13 de maio de 2012
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CONVERSAS NO METRÔ

-A TV Globo tirou o José Roberto Wright...
-Agora que você falou, reparei que ele, de fato, não vem mais comentando as arbitragens dos jogos.
-Já faz algumas semanas.
-Por que ele foi tirado da Globo?
-Porque ele colocou em dúvida um tira-teima e o tira-teima é a menina dos olhos das transmissões das partidas de futebol da TV Globo.
-Ele contrariou os Marinhos.
-Ele contrariou a verdade, porque o tira-teima é a imagem da verdade.
-Nem sempre.
-Você não vai dar razão ao José Roberto Wright...
-Não vou dar razão porque não vi o lance que provocou essa celeuma toda, falo do tira-teima em si,
-Como ele pode falhar?
-Digamos que um atleta corra 100 metros em 10 segundos.
-Usain Bolt correu em 9,56 segundos, se eu não me engano.
-Citei esses números para facilitar nossos cálculos. Se 100 metros são percorridos em 10 segundos, em 1 segundo, um atleta percorre 10 metros. Como o jogador de futebol não é velocista, ele corre uns 7 ou 8 metros em 1 segundo.
-O Lula, antigo ponta-esquerda do Fluminense, corria 100 metros em 12 segundos. Creio que o Cafuringa também.
-Continuando com os meus cálculos: em frações de segundo, um jogador de futebol pode se mexer 2 metros, 3 metros...
-E o que isso tem a ver com o tira-teima?
-Tudo, porque vai depender do instante em que o operador congelar a imagem que vai aparecer um jogador impedido ou não.
-O impedimento é marcado no momento em que a bola é lançada.
-E se o operador do tira-teima congela a imagem uma fração de segundo depois do lançamento com o jogador que vai participar do lance na frente, mas que, na verdade, partiu em condições legais?
-Isso é raro de acontecer.
-É raro, mas acontece.
Com uma frase filosófica, o calculista saltou na estação de São Cristóvão:
 -Entrou a figura humana em cena e o erro é sempre possível.
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Quando entrei no metrô, na estação da Carioca, um casal já vinha dialogando.
-Gosto deste mês de maio porque é quando o verão deixa, realmente, de nos castigar. - disse ela.
-É o mês das noivas, das mães e do meu aniversário?
-Quantos anos?
Ela logo se arrependeu:
.-Não, não responda porque você vai ficar no direito de perguntar a minha idade.
-Vou falar baixo pra ninguém escutar.
E cochichou no seu ouvido.
-Sessenta e dois anos?!...
-De que adianta eu falar baixo, se você grita?
-É de surpresa... Eu não lhe dava mais do que 50.
-Não agradeço porque todo o vagão já sabe a minha idade verdadeira.
-Sabia que você tem direito a sentar no banco laranja? O metrô considera idoso quem tem mais de 60 anos.
-Se não dão lugar a quem está com 90 anos, vão dar para mim?
-E você não precisa.
-Lembre-se que a briga pelos direitos dos negros, nos Estados Unidos, liderada pelo Martin Luther King começou quando uma negra, que não era idosa, mas estava fatigada, recusou-se a dar seu lugar num ônibus para um branco sentar?
-Confesso que não sabia, história não é o meu forte.
-Mas a viagem do metrô é tão rápida, apesar do sofrimento de sardinha enlatada, que eu não viso um lugar para pôr o meu traseiro, prefiro,sim, saltar na plataforma sem dificuldades.
-Sem aquela gente na porta impedindo a saída. - acrescentou a moça.
Certa vez, ano passado, precisamente, por um desses lances de sorte, o metrô não seguia lotado e encontrei um lugar vazio no banco dos velhos, dos gestantes, dos deficientes físicos...
-E você sentou, é claro.
-O engraçado é que havia uns idosos no vagão, mas eles, podendo escolher o banco para se acomodarem, nunca vão para o de cor laranja.
-É verdade.
-Lá pela estação de São Cristóvão, nessa viagem, entrou um sujeito de cabelo escovinha com uma jovem. Ele, com ela atrás, veio em minha direção e disse com firmeza na voz: “Por gentileza, a minha filha está grávida.”
-Queria o seu lugar para a filha dele. Era milico, certamente.
-Olhei para a barriga da moça e deduzi que ela não tinha nem três meses de gravidez. Com tranquilidade, e mesmo lentidão, abri minha mochila e peguei a minha carteira.  Dela, tirei a minha identidade e a coloquei ante seus olhos, indicando, com o dedo, a minha data de nascimento.
-Ele viu que, com mais de 60 anos, você tinha tanto direito quanto a filha dele e foi requisitar o lugar de outro. - adiantou-se a moça.
Mais ou menos isso. O militar, como viu o ano em que nasci e não gritou a minha idade, deixou-me sensibilizado. Ergui-me e ofereci meu lugar à jovem grávida.
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Sigo para o trabalho geralmente no trem do metrô que passa por volta das 6h 15min da manhã na estação de Del Castilho. Coloco-me, ou me espremo, no vagão dianteiro porque nele saltam e entram o maior número de passageiros, assim, eu aproveito o fluxo e refluxo para me segurar no balaústre.
Na viagem em questão, lá se encontravam as pessoas que comumente eu via nessas idas matinais: a traseiruda mulata de cabelo louro e os estudantes de São Cristóvão em que despontam a Indiazinha de escarpim e o seu irmão. Esses dois, apesar do parentesco, nunca se falam, apenas trocam olhares depois que o metrô passa do Maracanã. Quanto a Traseiruda, surpreendeu-me pela sua tagarelice, quando um conhecido seu entrou na parada do trem em Triagem. Depois de beijinhos no rosto, falaram de amenidades.
-Ainda está em Irajá?
-Estou. - respondeu ela.
Depois, passaram a falar de computador.
-Meu irmão paga payperview de Big Brother.
-Imagino que ele gasta um bom dinheiro. - manifestou-se a Traseiruda do Irajá.
-Gasta um bom dinheiro para ver, às vezes, apenas a água da piscina. - criticou o rapaz.
-Mesmo com gente dentro da piscina, como atração, eu não dou meu dinheiro para assistir.
-Nem eu. - concordou com ela.
A Traseiruda do Irajá prosseguiu:
-Outra coisa que não gosto é de chats.
-Você fala de conversas pela internet?
-Isso; eu não tenho a menor paciência para conversar pelo computador. - afirmou ela.
Tive de saltar na Carioca e não pude acompanhar a continuação da conversa daqueles dois.



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