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O BISCOITO MOLHADO
Edição 3851 Data: 15 de
maio de 2012
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80ª VISITA DOS ESCRITORES À MINHA CASA
-Joaquim Nabuco me falava tanto do
Brasil, em Paris, quando eu era viva, que resolvi fazer uma visita a esta
terra.
-George Sand. -abismei-me.
-Infelizmente, eu não posso dizer: em
carne e osso.
-Veio vestida de mulher... - expressei o
motivo da minha surpresa.
-Vestia-me de homem, na França do século
XIX, para realçar a minha condição de mulher.
-A sua carta à senhorita Leroyer de
Chantepie se tornou pública e ainda é lembrada, hoje.
-Escrevi cartas que ultrapassaram as 70
páginas, quando a separação com Chopin me levou a desabafos infindáveis, mas a
carta que você citou não é tão longa e cito alguns trechos de cor.
E, assim, pôs-se a falar como se lesse
um papel invisível à sua frente.
-“... A sociedade deve ser reformada de
cima a baixo. Parece-me que nela se dá a mais cruel desordem e, entre todas as iniqüidades
consagradas no seu interior, a mais destacada parece-me ser as relações de
homens e mulheres as quais estão estabelecidas de modo injusto e absurdo.
Então, não posso aconselhar ninguém a
ingressar no casamento, sancionado pela lei civil que continua a sustentar a
dependência, inferioridade e nulidade social da mulher. Passei dez anos em
reflexão a respeito deste tema e, após ter-me perguntado por que todos os
amores neste mundo, legitimados ou não pela sociedade, eram mais ou menos
infelizes, quaisquer que fossem as qualidades e virtudes das almas neste modo
associadas, estou convencida da impossibilidade radical da felicidade perfeita
e do amor ideal, em condições de desigualdade, inferioridade e de dependência
de um sexo em relação a outro.”
Em seguida, George Sand foi ainda mais
enfática na sua carta à senhorita Leroyer de Chantepie:
-“Seja pela lei, seja por uma moralidade
universalmente reconhecida, seja pela opinião ou pelo preconceito, permanece o
fato de que a mulher, tendo se entregado ao homem está agrilhoada, ou na
condição de ré. Agora, a senhorita me pergunta se pode ser feliz através do
amor e do casamento. Não creio que a senhorita será feliz através de qualquer
dos dois, disso estou convencida. Porém, se a senhorita me pergunta em que
outras condições a felicidade da mulher pode ser encontrada, eu lhe diria que
sou incapaz de despedaçar e remodelar toda a sociedade inteiramente e, bem sabendo
que ela durará muito além da nossa breve estada neste mundo, devo colocar a
felicidade das mulheres em um futuro no qual deveremos voltar a melhores
condições na vida humana, no seio de uma sociedade mais iluminada, na qual
nossas intenções serão melhores compreendidas e nossa dignidade melhor
estabelecida.”
-Você previu bem... - aproveitei seu
silêncio para falar.
E prossegui:
-Em grande parte do século XX, a maioria
das pessoas afirmava que a grande revolução desse período era a comunista,
quando se desenrolava debaixo dos narizes de todos a revolução das mulheres,
esta sim, a maior de todas. Antes, as mulheres não eram aceitas nem nas
universidades.
-Houve avanços inegáveis, mas não vamos
esquecer a condição da mulher no mundo islâmico. - interrompeu-me.
-Amandine Lucie Aurore Dupin...
-Citando o meu nome verdadeiro?... -
sorriu.
-Abandonei o seu pseudônimo, por
momento, para abordar os seus ascendentes. Seu bisavô foi o célebre Marechal de
França, o Conde Maurice de Saxe, que era filho bastardo de Augusto II, rei da
Polônia, e da sua amante, a Condessa Maria Aurora von Königsmark.
-Come se vê, eu tinha sangue polonês,
como Chopin.
-Você nasceu em 1804...
-Na rua Meslay, nº 15, no dia 1º de
julho. - detalhou.
-Seus pais eram Maurice e Sofia Dupin.
-Meu pai lutou nas guerras napoleônicas
e morreu de uma queda de cavalo quando acompanhava o Príncipe Murat, numa
campanha militar. Fiquei órfã de pai muito pequenininha e minha mãe não me
dedicava atenção alguma.
-Assim, você foi enviada para Nohant e
ficou sob os cuidados da sua avó, Marie-Aurore de Saxe, uma mulher de
personalidade marcante.
-Em Nohant, inteiramente fragilizada,
sofri muito com a ausência e indiferença da minha mãe. Sem ninguém para
conversar, eu corria pelos jardins e inventava amigos para brincar.
-Sua avó a enviou, então, para o Couvent
des Anglaises, em Paris, para estudar.
-Lá, no convento, senti-me atraída pela
vida de silêncio e de contemplação e cogitei de ser freira. É verdade que,
ainda assim, criei pequenas peças de teatro e montei um grupo de meninas para
representá-las. As peças foram um sucesso e a minha inclinação pelo convento
cresceu ainda mais. Ao saber disso, minha avó me fez voltar para Nohant.
-E você voltou?
-Voltei contrariada, mas com o passar do
tempo, descobri o verdadeiro tesouro que se escondia na pessoa da minha avó.
Ela professava o liberalismo aristocrático que me influenciou. Eu vivia agora,
em Nohant, livremente, lendo e montando cavalo. Quando minha avó morreu, fiquei
inconsolável, tudo me parecia perdido aos 18 anos de idade.
-Então, você conhece um jovem formado em
Direito, François-Casimir Dudevant, com quem se casa.
-Não durou muito...
-Ainda me soam nos ouvidos as suas
palavras da carta sobre o casamento.
-Pois é, o casamento não durou muito,
mas ficaram-me dois filhos que me marcarão por toda a minha vida: Maurice e
Solange.
-Ficou-lhe também o título de Baronesa
de Dudevant.
-Que pouco usei.
-E depois da dissolução do casamento com
François-Casimir Dudevant?
-Fui para Paris e colaborei no jornal Le
Figaro. Conheci Jules Landau e juntos escrevemos o romance Rose et
Blanche.
-A sua primeira obra?
-A minha estreia como autora
independente se deu, em 1832, quando eu contava com 28 anos de idade e criei o
romance Indiana.
-Nele, você sublimou a sua experiência matrimonial
e alcançou grande sucesso.
-Meus romances refletiram, praticamente,
os acontecimentos que eu vivia.
-Não li, ainda, Indiana, só resenhas que
dizem que se trata de um romance erótico e psicológico, um protesto contra as
convenções sociais que cerceiam a liberdade da mulher.
Como ela se mantinha silenciosa, fiz-lhe
uma pergunta:
-O pseudônimo George Sand surgiu quando
você escreveu Indiana?
-Quando escrevi Rose et Blanche, com Jules
Sandeau, usei o pseudônimo Jules Sand, quando redigi Indiana,
mudei meu pseudônimo para George Sand.
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