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segunda-feira, 21 de maio de 2012

2151 - paraíba, masculina


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O BISCOITO MOLHADO
Edição 3851                                 Data: 15 de maio de 2012
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80ª VISITA DOS ESCRITORES À MINHA CASA

-Joaquim Nabuco me falava tanto do Brasil, em Paris, quando eu era viva, que resolvi fazer uma visita a esta terra.
-George Sand. -abismei-me.
-Infelizmente, eu não posso dizer: em carne e osso.
-Veio vestida de mulher... - expressei o motivo da minha surpresa.
-Vestia-me de homem, na França do século XIX, para realçar a minha condição de mulher.
-A sua carta à senhorita Leroyer de Chantepie se tornou pública e ainda é lembrada, hoje.
-Escrevi cartas que ultrapassaram as 70 páginas, quando a separação com Chopin me levou a desabafos infindáveis, mas a carta que você citou não é tão longa e cito alguns trechos de cor.
E, assim, pôs-se a falar como se lesse um papel invisível à sua frente.
-“... A sociedade deve ser reformada de cima a baixo. Parece-me que nela se dá a mais cruel desordem e, entre todas as iniqüidades consagradas no seu interior, a mais destacada parece-me ser as relações de homens e mulheres as quais estão estabelecidas de modo injusto e absurdo.
Então, não posso aconselhar ninguém a ingressar no casamento, sancionado pela lei civil que continua a sustentar a dependência, inferioridade e nulidade social da mulher. Passei dez anos em reflexão a respeito deste tema e, após ter-me perguntado por que todos os amores neste mundo, legitimados ou não pela sociedade, eram mais ou menos infelizes, quaisquer que fossem as qualidades e virtudes das almas neste modo associadas, estou convencida da impossibilidade radical da felicidade perfeita e do amor ideal, em condições de desigualdade, inferioridade e de dependência de um sexo em relação a outro.”
Em seguida, George Sand foi ainda mais enfática na sua carta à senhorita Leroyer de Chantepie:
-“Seja pela lei, seja por uma moralidade universalmente reconhecida, seja pela opinião ou pelo preconceito, permanece o fato de que a mulher, tendo se entregado ao homem está agrilhoada, ou na condição de ré. Agora, a senhorita me pergunta se pode ser feliz através do amor e do casamento. Não creio que a senhorita será feliz através de qualquer dos dois, disso estou convencida. Porém, se a senhorita me pergunta em que outras condições a felicidade da mulher pode ser encontrada, eu lhe diria que sou incapaz de despedaçar e remodelar toda a sociedade inteiramente e, bem sabendo que ela durará muito além da nossa breve estada neste mundo, devo colocar a felicidade das mulheres em um futuro no qual deveremos voltar a melhores condições na vida humana, no seio de uma sociedade mais iluminada, na qual nossas intenções serão melhores compreendidas e nossa dignidade melhor estabelecida.”
-Você previu bem... - aproveitei seu silêncio para falar.
E prossegui:
-Em grande parte do século XX, a maioria das pessoas afirmava que a grande revolução desse período era a comunista, quando se desenrolava debaixo dos narizes de todos a revolução das mulheres, esta sim, a maior de todas. Antes, as mulheres não eram aceitas nem nas universidades.
-Houve avanços inegáveis, mas não vamos esquecer a condição da mulher no mundo islâmico. - interrompeu-me.
-Amandine Lucie Aurore Dupin...
-Citando o meu nome verdadeiro?... - sorriu.
-Abandonei o seu pseudônimo, por momento, para abordar os seus ascendentes. Seu bisavô foi o célebre Marechal de França, o Conde Maurice de Saxe, que era filho bastardo de Augusto II, rei da Polônia, e da sua amante, a Condessa Maria Aurora von Königsmark.
-Come se vê, eu tinha sangue polonês, como Chopin.
-Você nasceu em 1804...
-Na rua Meslay, nº 15, no dia 1º de julho. - detalhou.
-Seus pais eram Maurice e Sofia Dupin.
-Meu pai lutou nas guerras napoleônicas e morreu de uma queda de cavalo quando acompanhava o Príncipe Murat, numa campanha militar. Fiquei órfã de pai muito pequenininha e minha mãe não me dedicava atenção alguma.
-Assim, você foi enviada para Nohant e ficou sob os cuidados da sua avó, Marie-Aurore de Saxe, uma mulher de personalidade marcante.
-Em Nohant, inteiramente fragilizada, sofri muito com a ausência e indiferença da minha mãe. Sem ninguém para conversar, eu corria pelos jardins e inventava amigos para brincar.
-Sua avó a enviou, então, para o Couvent des Anglaises, em Paris, para estudar.
-Lá, no convento, senti-me atraída pela vida de silêncio e de contemplação e cogitei de ser freira. É verdade que, ainda assim, criei pequenas peças de teatro e montei um grupo de meninas para representá-las. As peças foram um sucesso e a minha inclinação pelo convento cresceu ainda mais. Ao saber disso, minha avó me fez voltar para Nohant.
-E você voltou?
-Voltei contrariada, mas com o passar do tempo, descobri o verdadeiro tesouro que se escondia na pessoa da minha avó. Ela professava o liberalismo aristocrático que me influenciou. Eu vivia agora, em Nohant, livremente, lendo e montando cavalo. Quando minha avó morreu, fiquei inconsolável, tudo me parecia perdido aos 18 anos de idade.
-Então, você conhece um jovem formado em Direito, François-Casimir Dudevant, com quem se casa.
-Não durou muito...
-Ainda me soam nos ouvidos as suas palavras da carta sobre o casamento.
-Pois é, o casamento não durou muito, mas ficaram-me dois filhos que me marcarão por toda a minha vida: Maurice e Solange.
-Ficou-lhe também o título de Baronesa de Dudevant.
-Que pouco usei.
-E depois da dissolução do casamento com François-Casimir Dudevant?
-Fui para Paris e colaborei no jornal Le Figaro. Conheci Jules Landau e juntos escrevemos o romance Rose et Blanche.
-A sua primeira obra?
-A minha estreia como autora independente se deu, em 1832, quando eu contava com 28 anos de idade e criei o romance Indiana.
-Nele, você sublimou a sua experiência matrimonial e alcançou grande sucesso.
-Meus romances refletiram, praticamente, os acontecimentos que eu vivia.
-Não li, ainda, Indiana, só resenhas que dizem que se trata de um romance erótico e psicológico, um protesto contra as convenções sociais que cerceiam a liberdade da mulher.
Como ela se mantinha silenciosa, fiz-lhe uma pergunta:
-O pseudônimo George Sand surgiu quando você escreveu Indiana?
-Quando escrevi Rose et Blanche, com Jules Sandeau, usei o pseudônimo Jules Sand, quando redigi Indiana, mudei meu pseudônimo para George Sand.

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