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quinta-feira, 10 de maio de 2012

2145 - cegos e toupeiras


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O BISCOITO MOLHADO
Edição 3945                                         Data: 4 de maio de 2012
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CONVERSAS NO METRÔ

-São bandidos. - pensei.
-A minha mulher quando me torra o saco... Quanto mais elas provocam, mas elas querem te foder.
-Merecem uns tapas. - disse o outro.
-Depois dessa Lei do Sarney, nós temos de aturar.
Lei do Sarney?... Será que ele pensa que a Lei Maria da Penha surgiu no governo do dono do Maranhão?... E o outro não corrige, não sabe nada.
-A minha mulher quando fala, eu viro as costas e deixo que ela fale sozinha como uma maluca. Costuma ficar atacada por três dias.
-É o que falo? Não podemos reagir à altura que ela nos fode.
-Se ficou maluca, fale, então, com as paredes.
-O metrô está menos vazio hoje.
Essa observação remeteu o outro a uma viagem de metrô lotado.
-Dia desses, um garoto quis passar por mim e disse: “Licença aí, Tio”. Olhei para ele e disse: “Fala direito comigo.”
-Falam “licença aí” como tivessem te dando uma ordem.
Coloquei o dedo na cara dele, quando falei e o garoto gaguejou.
-“Licença aí”... - rosnou o outro.
Certa vez, um moleque disse para uma dona: “Me dá o relógio”. Eu estava perto e perguntei ao moleque: “Por que ela vai te dar o relógio?” O safado me olhou e eu disse pra ele: “Vaza”. Ele titubeou, e eu avisei:”Vaza, que a coisa vai ficar feia pra você”.
São policiais. - pensei, enquanto o outro prosseguia.
-Tem uns camaradas por aí que não aliviam esses pivetes.
-Meu irmão mais velho, quando pega esses moleques, leva para um canto e cutuca eles com vontade.
-Choram, berram, mas é tudo manha. Voltam a fazer a mesma coisa.
-E o meu irmão volta a cutucar a molecada.
-É isso aí.
-Outro dia, eu estava no Exalta Samba. Tinha muita gente.
-Sempre enche com o Exalta Samba.
-Eu notei que havia gente pretendendo pular o muro para não pagar. Olhei para o chão e vi uma madeira.
-E o pessoal pulou o muro?...
-Pulou, mas eu parti pra cima. A madeira cantou no lombo deles.
-Foi madeira de dar em doido.
-Se alguém fazia menção de encarar, eu levava a mão à cintura, achavam melhor, então, apanhar de madeira.
-São bandidos. - pensei.
-Esse fim de semana vou a um pagode para relaxar. Muito trabalho...
-Preciso de um pagode também, o trabalho dobrou.
Os dois, que vinham do metrô Pavuna-Botafogo, saltaram na Central do Brasil, e eu não pude concluir se eram bandidos ou policiais.
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-Rapaz, ontem, quando eu descia a rampa da estação do metrô de Maria da Graça...
-Cheia de drogados de craque espalhados pelo chão. - tentou adivinhar o outro.
-Muitos craqueiros á morreram. Falo de outra coisa.
-Pode falar.
-Um ceguinho. Rapaz, o ceguinho esticava a bengala e acertava aquela grade que não deixa a gente cair lá embaixo na linha do trem.
-Sei, uma grade azul ou vermelha, não me lembro agora.
-Era um cego recente, porque esticava muito a bengala e só acertava na grade.
-Cego recente, que você diz, é porque perdeu a visão há pouco tempo?
-Ou, então, nunca passou por ali; mas me deixa prosseguir.
-Prossiga.
-Fiquei agoniado com ele, completamente errático, porque dava a impressão que faria a curva antes do tempo e despencaria nos trilhos da Supervia.
-O que você fez?
-Aí é que está... Eu queria fazer alguma coisa, mas não dava porque eu sou acelerado, e o cego era lento. Para você ter uma ideia, resolvi, certa vez, contar o número de passadas que eu dou andando normalmente, e quase empata com os da minha caminhada matinal.
-Das duas, uma: ou você anda muito ligeiro, ou se exercita com lentidão.
-Ando muito rápido. Não podia, por isso, conduzir o ceguinho.
-Não podia por quê?
-Fico como cavalo no starting gate. Você já viu cavalo no starting gate?
-Levam, ultimamente, muitos filmes sobre cavalos de corrida. Interromperam até uma minissérie por causa do número de cavalos que morreram nas filmagens.
-Eu fico louco para partir. Posso derrubar, sem querer, o deficiente com um arranque, ficando lado a lado com ele.
-E o cego se virou sozinho?
-Ouvi uma voz perguntando: “Posso lhe ajudar?” Não me virei para trás porque ficaria muito acintoso. Esperei chegar na rampa debaixo...
-O que não durou um segundo. - acrescentou o seu interlocutor com ironia.
-Na outra rampa, olhei para cima, e vi uma senhora de uns 50 anos de idade guiando o ceguinho. Constatei que ainda existe gente generosa neste mundo.
-Existe.
-Talvez aquelas católicas fervorosas ou mesmo evangélicas. Sabe que eu acredito que uma evangélica faça essa bondade?
-Os kardecistas, não se esqueça. Uma das pessoas mais boas que eu conheci era kardecista.
Saltei na estação da Carioca, enquanto os dois especulavam sobre a religião da senhora que acudiu o deficiente visual em Maria da Graça.
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-Você viu a CUT, em São Paulo, no Dia do Trabalho?
-O que tem a CUT?
-Despolitizou completamente: promoveu um show do Belo.
-Li sobre isso.
-O Primeiro de Maio é cheio de significado. Dia para se lembrar feitos heroicos da classe operária no passado, mas a CUT despreza isso tudo, e abre os microfones para a voz do Belo.
-O Belo canta mal pra cacete.
-Era o pior momento para anestesiar os trabalhadores.
-Vamos ouvir, então, o Caetano Veloso.
-Você leu o Roberto Schwarz?
-Não perco tempo com masturbação ideológica.
-Ele apontou umas falhas na posição política do Caetano Veloso.
-Desde que o Caetano Veloso, num dia em que deve ter brigado com a Paulinha, chamou o Lula de analfabeto, entrou no “índex” da esquerda.
-Entrou mesmo no índex.
-E o pior cacoete dos esquerdistas é o patrulhamento ideológico.
-No tempo do Lula, ouvi um “Conversa com o presidente”  em que ele falou das obras que se faziam necessárias em Cuba. Indignei-me, na hora, pensando que ele presidia Cuba, mas constatei que ele estava à frente da minha inteligência. Era mais presidente do Brasil do que nunca, pois levou a Odebrecht e outras empreiteiras para faturar na terra do Fidel.
-Não é sábio, mas é sabido.
-Quanto ao Caetano, ele expressa muita dúvida: não sabe se vai votar em fulano, em beltrano.
-É verdade: Caetano não segue o carneiro alfa, a zebra alfa, ou o animal que seja; fica, então, tudo mais difícil para ele. Ele professa a dúvida sistemática de Descartes.
-E a conversa dos dois deve ter continuado pela plataforma da estação de São Cristóvão, onde saltaram.

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