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segunda-feira, 14 de maio de 2012

2146 - gargantas profundas

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O BISCOITO MOLHADO
Edição 3946                                        Data: 06 de maio de 2012
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FUGA DE  VARENNES

-Não! - soltou o Elio Fischberg um grito de desespero.
-De volta à Revolução Francesa. - constatei também agoniado.
-Carlos, temos de nos cuidar para não deixar as nossas cabeças aqui.
-Cidadão, estamos em que data?
O décimo francês abordado, o de melhor humor, me respondeu:
-20 de julho de 1791.
Ao ouvir as palavras do francês, Elio se agitou:
-Carlos, eu assisti ao filme de Ettore Scola, “Casanova e a Revolução”. No dia de hoje, inicia-se a fuga de Maria Antonieta, Luís XVI e o filho para Varennes.
-Você não aprendeu isso nos compêndios de história do Colégio Militar?
-No dia dessa aula, fui visitar o Reinaldo do Jipe na prisão da escola. - justificou-se.
-A fuga dos reis de França planejada pelo amigo da rainha. - soltei tais palavras expirando ruidosamente.
-Se o Casanova aparecer, tenho de entrar num acordo com ele: as costureiras são para mim. - frisou o Elio, ainda impregnado dos conhecimentos que adquirira no filme citado.
-Hans Axel von Fersen planejou essa fuga de Paris para Montmédy, onde se encontra o Marquês de Bouillé, general em chefe de tropas leais à monarquia.
Elio, que se aproximara de uma berlinda (*) que parou, depois de acenar para uma criança dentro dela, elogiou-a.
-Que menininha bonita.
Em troca, a criança lhe mostrou a língua.
-Seus pais não lhe dão educação?- reagiu indignadamente o meu amigo.
Empurrei o Elio para o lado e lhe sussurrei ao ouvido.
-É o delfim.
-Diminuiu bastante de tamanho e de cintura.
-É o filho de Luís XVI e da Maria Antonieta que está disfarçado na berlinda. - expliquei.
-Está escuro, Carlos, já passa da meia-noite e eu não enxerguei o menino.
-Os reis estão na berlinda em todos os sentidos. - afirmei.
-Há um escritor muito afamado que acompanhará essa fuga para, em seguida, escrever um livro... Como é o nome?... Lembrei: Frances Restif de La Bretonne.
-Elio, isso foi na fita, onde a liberdade de criar deixou os fatos históricos em segundo plano.
-E quais são os fatos históricos?
O plano de fuga é tão inocente que parece que foi tramado pela Poliana. O rei Luís XVI está disfarçado de intendente e viaja face a face com a sua patroa.
-Logo na França monárquica, onde cada um conhece o seu lugar. - interveio o Elio.
-A libré do disfarce tem as cores dos príncipes de Condé, que partiram para longe do povo francês depois que a revolução começou.
-Esses escaparam na hora certa, Carlos.
-Outro erro crasso foi o uso de uma berlinda puxada por seis cavalos, prerrogativa que só o rei possuía.
-Como você sabe isso tudo?
-Bem, Elio, eu li o livro de Alexandre Dumas...
-Esse inventava tanto, que até inventou que escrevia os livros. - interrompeu-me.
-Elio, vamos pegar carona num desses veículos que seguem a berlinda real para saber o que acontecerá.
E subimos num coche, onde só havia um passageiro.
-Ainda bem que apareceram vocês dois, eu ficaria entediado até o início do grande espetáculo.
-E em que consistirá esse grande espetáculo?- quis saber o Elio.
-Ora, na prisão do rei e da austríaca.
-Percebe-se que o senhor não tem sangue azul.
-Sou comerciante e tenho mais dinheiro do que a maioria desses nobres, que não trabalham como eu.
-Será que só o rei não sabe que esse plano malogrará?- perguntei.
-Caiu a Bastilha e ele nem soube avaliar as consequências desse fato. Não sabe nada, nem que o planejador dessa fuga é o amante da sua mulher.
-A família real se encontrava nas Tulherias? - perguntei.
-Sim, tenho uns amigos da imprensa que me passaram umas informações.
-Podemos conhecê-las?
-Pouco antes da meia-noite, Luís XVI e Maria Antonieta fingem que se recolhem. Meia-noite e 10 minutos, Luís XVI sai, disfarçado de valete de quarto e pega uma citadina, estacionada perto das Tulherias. Lá, já se achava a sua irmã, Madame Elizabeth. Minutos depois, Maria Antonieta se junta a eles.
-Vão até a berlinda?
-Sim. Registraram a berlinda no nome da Baronesa de Korff e todos passageiros  viajam com identidades  falsas.
-Quem viaja nessa berlinda real?- quis saber o Elio.
-Maria Antonieta, que se passa pela Madame Rochet, governanta dos filhos da Baronesa; Luís XVI, que se passa por Monsieur Durand, intendente da Baronesa; O delfim, que se passa por uma filha da baronesa; Maria Teresa da França, outra filha da Baronesa; a Marquesa de Tourzel transformada na baronesa e a Madame Elizabeth, que virou dama de companhia não preciso dizer de quem.
-A berlinda parou. - deu o aviso o Elio.
-Estamos em Bondy. São duas e meia da manhã.
De repente, o comerciante parou de falar porque a sua atenção se voltou para um homem que se afastava num cavalo de raça.
-Axel de Fersen, o amante da austríaca, partiu na frente. - disse ele.
Vamos descansar. - propôs o Elio Fischberg.
-Ótima ideia. - bradou o dono do coche.
Quando acordamos, as notícias de Paris repercutiam até nós: descoberto o sumiço do rei, a Assembleia Constituinte declarou que ele fora raptado. Seguimos viagem, mas em dado momento somos parados por um mensageiro a cavalo que sussurra no ouvido do comerciante. Depois, ele vai para um lado, enquanto nosso cocheiro reinicia a viagem.
-O general La Fayette enviou homens em todas as direções para deter a família real. Em Sainte-Ménehould, o chefe do posto comparou o rosto do “valete de quarto” com a efígie real de um escudo, reconheceu o rei, mas não deteve a berlinda. - retransmitiu-nos a informação que lhe deram.
-Não serão todos que tratarão a família real com benevolência. - manifestei-me.
-Disso eu sei. - bradou com grosseria.
-A família real não chegará a Montmédy, será detida em Varennes.
-Disso, eu não sei.
-Não estou gostando desse camarada. - cochichei com o Elio.
Depois de algumas horas, soubemos que barricadas haviam sido erguidas para impedir a passagem da família real, mas não houve necessidade. A Guarda Nacional de Varennes, que estava mobilizada, impediu a fuga do rei até Montmédy.
Deu-se, então, a volta da família real a Paris e esse cortejo foi enorme.
-Com essa fuga, a confiança entre o soberano e seu povo está definitivamente quebrada. - vibrou o comerciante.
-Será uma agravante nos autos de acusação. - acrescentou o Elio Fischberg.
Mais notícias chegaram, e foram transmitidas pelo dono do coche.
-Para evitar manifestações, os fugitivos contornarão Paris; os Champs-Élysées e a Praça da Concórdia serão o caminho até a reentrada nas Tulherias. As autoridades ordenaram o silêncio absoluto: “Qualquer um que aplaudir o rei será linchado, qualquer um que o insultar será enforcado.
-Carlos, vamos sair daqui correndo. - aconselhou o Elio.

(*)A Berlinda, do alemão Berline, é uma carruagem leve, rápida de quatro rodas. Foi concebida por volta do ano de 1670 para Frederico Guilherme I de Brandemburgo, o Eleitor de Brandemburgo. A carruagem ficou com o nome da capital de Brandenburgo, atualmente capital da Alemanha, Berlim


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