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terça-feira, 29 de maio de 2012

2156 - o contraditório Dia das Mães

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O BISCOITO MOLHADO
Edição 3856                                      Data: 21 de maio de 2012
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SABADOIDO NA ENTREGA DAS FAIXAS
PARTE II

O vídeo “O Dia das Mães” merece uma resenha à parte. Inicia-se com a informação, em letras destacadas, uma homenagem ao cinema mudo, que o Dieckmann vai levar o carro do Muca a uma exposição, Muca, que tem sobrenome de jogador do Bayern de Munique, Schweinsteiger, ou algo parecido, teve um tioavô enforcado por Hitler porque participou da Operação Valquíria. No entanto, ele não demonstrou o mesmo heroísmo do seu antepassado e evitou dirigir o seu deslumbrante Rolls-Royce pelas ruas de Santa Teresa. Coube ao Dieckmann a façanha de guiar aquele tesouro criado na Inglaterra de Shakespeare, Isaac Newton e Mister Bean da sua casa, na Rua Triumpho, também estúdio cinematográfico, à Praça XV.
Mais sorridente do que candidato a cargo eletivo em campanha, Dieckmann aparece ao volante do precioso carro. Na primeira esquina, o primeiro problema: era estreita demais para ser contornada numa única manobra; Dieckmann dá marcha a ré, obtém o ângulo desejado e supera o obstáculo. Com um sorriso confiante, prossegue. A câmera aproveita o caminho percorrido pelo Rolls-Royce e mostra, num plano sequência, a beleza de Santa Teresa, passar pelos prédios das estatais da Avenida Chile e até chegar ao destino, que era o  Paço Imperial da Praça XV.  Ao fundo, a belíssima música do Bach americano, Duke Ellington, além do tempo nublado, remete-nos aos filmes de Woody Allen do cenário novaioquino.
A tomada com a câmera ao ar livre é entremeada com rápidos cortes em que são entrevistadas, no ambiente de trabalho, pessoas que expressam o que representa o  Rolls-Royce no seu imaginário.
Na Praça XV, onde se realizou a exposição de carros clássicos, no Dia das Mães – por isso o título do filme – Dieckmann chega como o Rolls-Royce do Muca, são e salvo.  É saudado pelos amigos, enquanto os populares afagam com os olhos o carro que não faria feio na garagem da rainha Elizabeth II, nos seus 60 anos de reinado.
Dieckmann, sem dúvida alguma, realizou o seu melhor filme e eu não o trocaria por “Herbie, o fusquinha ...”
Retornei à sessão do Sabadoido, quando o Luca repetia, para o meu irmão, o que dissera para mim e para a Gina do programa da TV a cabo a que assistira no canal 66. Como o Cláudio gosta de música americana, aproveitei uma brecha para lhe informar que acabara de escutar, no vídeo do Dieckmann, Sofisticated Lady,  de Duke Ellington.
-Não me recordo. Cantarola.
-Não consigo cantarolar nada, muito menos uma música dessa qualidade. - assumi a minha incapacidade.
Nesse instante, Daniel retornava.
-Claudiomiiiiiiiiro...  Luca, no sabadoido passado, eu me prontifiquei a levar o Carlão para casa de carro. Buzinava e nada de ele aparecer. Estava com medo.
-E eu tenho medo de você no volante!...
Sem atentar para o meu protesto, Daniel continuou:
-Vim até aqui e quase o carreguei à força para dentro do meu carro. No caminho, eu disse: “Dirijo igual ao Luca, não é?”...  Sabe o que ele disse?
-O que ele disse?- quis saber o Luca.
-Será igual, se você batucar no painel do carro.
Luca riu e meu sobrinho voltou para o seu quarto, onde tocaria teclado.
-Encontrei-me com o Luís, esta semana. - informou o Luca.
-O Xalulu?!... Ele deu uma caída... - interveio o Cláudio.
-Perguntei a ele se estava lendo, e ele me disse que leu apenas dois livros no ano passado. Ora, um cara que dá aulas não pode ler só isso.
-A Rosa lê dois livros por semana. - aparteei.
-Incentivei-o a caminhar comigo e ele disse que eu ando muito rápido.
-O Luís sempre que corria comigo disparava à minha frente, mas depois morria. Era um velocista. - lembrei-me depois das palavras do Luca.
-Levei-o para aqueles aparelhos de ginástica do Jardim do Méier, mas o desempenho dele foi sofrível.
-Ele tem ido ao Engenhão?
-Cláudio me respondeu.
-Xalulu não perde uma partida, mesmo quando o Botafogo não joga. Tira proveito do fato de não pagar por ter mais de 65 anos.
-Ele está com uns 70 anos?...
-Sim, é mais velho do que eu. - disse-me o Luca.
-A Rosa escreveu que o livro que me deu sobre as peças de Shakespeare solou, como um bolo, mas estou gostando da leitura. - mudei de assunto.
-Rosa pretendia lhe dar outro livro, mas no seu aniversário, depois, disse que até outubro vocês poderiam brigar e antecipou a entrega. O livro está no meu carro.
-Por que eu brigaria com a Rosa?...
Não sou o cravo da marchinha popular, pensei depois, quando o tema do sabadoido era outro, por isso, eu me calei.
-Claudiomiro, a Rosa revela que se confundia com a pronúncia da palavra...
Depois de investigar uma carta que ela manuscrevera numa folha amarela, disse de que palavra se tratava.
-Abside.
Palavra inglesa. - pensei.
-Significa dossel que encima o sacrário. - anotou o Luca.
-Vou trazer as bebidas. - informou o Cláudio.
-Um pouquinho só para mim, pois tenho de levar a Carolina ao aeroporto.
-Carlinhos – disse ele – assisti ao programa de Jô, quando apareceu um especialista em Augusto dos Anjos. Especializar-se num poeta que morreu cedo e deixou um livro apenas, não é um mérito extraordinário.
-Sim.
-Mas ele é também um grande conhecedor de Machado de Assis.
-E o que ele disse de interessante? - eu quis saber.
-Ele disse que Machado de Assis tinha tudo para dar errado; foi criado no morro, era filho de lavadeira...
-Mulato, vendia balas, não frequentou regularmente a escola. - acrescentei.
-Era epilético...
Machado de Assis é o maior exemplo de superação na história da sociedade brasileira. - pensei, enquanto o Luca falava:
-Ele disse ao Jô que, escrevendo na França, Machado de Assis superaria Balzac.
-Machado de Assis tem reconhecimento internacional. Woody Allen leu “As Memórias Póstumas de Brás Cubas” e ficou encantado...
Quando eu ia citar o renomado crítico literário Harold Bloom, Luca sacou uma crônica do Ruy Castro, que cita o cineasta de Nova York e o escritor do Rio de Janeiro para, em seguida, passar para o “Dom Casmurro”.
-Você vê Carlinhos, a sonoridade do nome Capitu.
-Machado de Assis pegou um nome feio, Capitolina e o tornou bonito com uma simples abreviatura.
-E você vê Carlinhos, que o nome Bentinho era pomposo. Não me lembro agora qual era.  
Nem eu nem ele nos recordamos que era Bento Fernandes Santiago. Também ficou no esquecimento Ezequiel de Sousa Escobar.
-Ele disse, no programa do Jô, sobre a traição ou não da Capitu, que a história é narrada por uma pessoa ciumenta.
-Sim, Luca; o Bentinho, com o passar dos anos, se torna amarga, e recebe o apelido de Dom Casmurro. Ele via semelhanças incríveis do filho da Capitu com o amigo falecido Escobar...
-Mas uma mente ciumenta distorce a realidade. - interveio o Luca.
-Muitos julgam que Capitu cometeu adultério, mas se esquecem que ela não é ouvida nessa história, que existe apenas a versão do marido. O contraditório é a base do julgamento e não há o contraditório.
-É isso mesmo, Carlinhos: Machado de Assis era o máximo.
Nossa atenção voltava-se, agora, para meu irmão, que vinha com as bebidas.

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