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segunda-feira, 7 de maio de 2012

2142 - nem tão Mann assim


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O BISCOITO MOLHADO
Edição 3942                                     Data: 01 de maio de 2012
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78ª VISITA DOS ESCRITORES À MINHA CASA

-Thomas Mann!...
-Por que tanta surpresa?
-Até então, só como nome de colégio, na Rua Hermengarda, no Cachambi, você tinha chegado mais perto de mim.
-Não leu os meus livros?
-Sim; mas confesso que descobri, na leitura de “A Montanha Mágica”, que eu não era o leitor voraz de outrora, pois levei mais de um mês para chegar ao ponto final.
-Console-se, pois foi o romance que consumiu mais anos da minha vida, eu precisava amadurecer, como pessoa, para terminá-lo.
-Você, um dos mais consagrados escritores alemães, tem sangue brasileiro.
-Sim, mamãe era da cidade de Paraty, no Brasil. Possuo também sangue indígena.
-Sua mãe, Júlia da Silva Bruhns, era filha do fazendeiro, dono de propriedades de cana de açúcar, que se estendia de Santos ao Rio de Janeiro, Johann Ludwig Hermann Bruhns e da brasileira, de ascendência portuguesa e indígena, Maria Luísa da Silva.
-Ela perdeu a mãe com cinco anos de idade. Meu avô, no ano seguinte, trouxe-a, com os outros filhos para Lübeck, na Alemanha e retornou ao Brasil. Minha mãe, sob os cuidados de um tio, viveu numa pensão até os 14 anos de idade.
-Já era uma mocinha. - comentei.
-Ela se casou em 1869, quando tinha 17 anos e seu marido, Johann Heinrich Mann, 29.
-Sei que o casal teve cinco filhos.
-Meu irmão mais velho, Heinrich Mann, também escritor...
-Sei que o enredo do celebrado filme “O Anjo Azul”, com a Marlene Dietrich, se baseou no romance do seu irmão.
Thomas Mann prosseguiu:
-Tenho mais um irmão, Viktor Mann e duas irmãs: Elizabeth Therese Mann e Augusta Olga Maria Mann.
-Você nasceu em 1875, na cidade de Lübeck?
-Sim, precisamente no estado de Schleswig-Holstein, no norte da Alemanha, onde a maioria esmagadora da população era protestante. Infelizmente, meu pai morreu quando eu tinha 17 anos, o que afetou irremediavelmente os negócios da família.
-Ele era um destacado comerciante em Lübeck. - acrescentei,
-Meu pai morreu em consequência de uma cirurgia mal sucedida na bexiga. Minha mãe decidiu, então, viver em Munique, cidade católica do sul da Alemanha, com os filhos.
-Você foi junto?
-Reuni-me à família com 19 anos de idade. Em Munique, a minha mãe se instalou no bairro boêmio de Schwabing, onde se tornou uma animadora cultural, oferecendo saraus literários e festas.
-Júlia da Silva Bruhns estimulou, então, o gosto dos filhos pela literatura. - concluí.
-Mamãe escreveu “Aus Dodos kinderheit” (Da infância de Dodô), um livro sobre a sua meninice no Brasil.
-A figura da sua mãe é tão marcante na sua obra, segundo os especialistas, que inspirou a personagem Gerda Arnoldsen, em “Buddenbrocks”; em “Doutor Fausto”, inspirou a Senadora Rodde; foi a Mãe Consuelo, em “em “Tonio Kröger”, e em “Morte em Veneza”, ela aparece como a mãe do músico Gustav von Aschenbach.
-Não vou contrariar os especialistas. - sorriu.
-Você iniciou a sua carreira literária escrevendo textos em prosa e artigos para uma revista.
-Não quer dizer o nome da revista?... É difícil para os brasileiros, que chamam a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro de Rio. Outros povos, como os americanos, podam também ao máximo as palavras. A revista em que eu escrevia se chamava “Der Frühlingssturm”, ou seja, “A Tempestade de Primavera”. Eu também co-editava a revista.
-Afirmam alguns estudiosos da sua vida que, nesse período da sua biografia, você se apaixonou pelo filho de um dos seus professores, Wilri Timppe, que motivou o personagem Pribslav Hippe de “A Montanha Mágica”.
-É o tal negócio: casei, tive seis filhos e ainda insinuam que sou homossexual. - disse sem se alterar.
-Acontece que na efeméride do seu centenário, em 1975...
-Eu tinha morrido 20 anos antes.
-Pois é, Thomas Mann; deixaram de ser sigilosos os seus diários nos seus 100 anos. Assim, veio à luz a sua terrível luta interior com os seus desejos homossexuais.
-Sei que hoje a luta não é tão terrível.
-Sim; o maestro Leonard Bernstein, por exemplo, um dos maiores artistas da música, no século X, era casado, tinha filhos e manteve o casamento apesar da atração nada platônica que  sentia  por homens.
-Em Munique, com minha mãe, trabalhei numa sociedade de seguros que só serviu para eu solidificar no meu espírito a minha vocação de escritor. - frisou Thomas Mann.
-As musas já se tornaram íntimas de você?
-Não, eu tive de procurá-las na Itália. Lá, precisamente em Palestrina, residia o meu irmão Heinrich, que já ficou famoso como romancista. Mostrou-me ele os lugares históricos de Roma... Mas qual o lugar de Roma que não é histórico? Visitei outras cidades da Itália, e dei início ao manuscrito de “Buddenbrooks”.
-Trabalhou no seu livro sem parar?
-Quando retornei a Munique, tornei-me um dos editores do jornal satírico/humorístico “Simplicissimus”.
-Foi nessa época que você nutriu um amor conturbado por Paul Ehrenberger?
-De novo o meu diário íntimo...
-Você registrou que foi a experiência central do seu coração.
-Resolvi servir o exército, mas me arrependi. Minha família entrou em ação e convenceu um médico a fraudar meu boletim de saúde. Com problemas no organismo que não me impediriam de chegar aos 80 anos, como cheguei, saí do exército com um respiro de alívio.
-Assim, trabalhou apenas no seu romance?
-Sim, em 1901, eu terminei “Buddenbrooks”. O editor Fischer Verlag quis que o livro fosse mais curto, achou-o encorpado demais. Não aceitei as suas ponderações e o livro foi publicado na íntegra.
-Você acreditava mesmo no valor desse seu romance de estreia?
-Paradoxalmente, não acreditava; para mim, “Buddenbrooks” ficaria nas livrarias sem ser notado, e eu teria de me dedicar a outro negócio para ganhar a vida.
-Deu-se exatamente o contrário, com “Buddenbrooks” você alcançou fama internacional.
-No romance, eu conto a história de uma família protestante de comerciantes de cereais de Lübeck ao longo de três gerações.
-Havia fortes semelhanças com a história da sua própria família. - intervim.
-Houve leitores de Lübeck que identificaram personalidades da cidade retratadas na minha obra.
-E tinham suas razões... - imagino.
-Sofri uma reprimenda de um tio, depois que ele leu “Buddenbrooks”, acusou-me de ser um pássaro que emporcalhou o próprio ninho.

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