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O BISCOITO MOLHADO
Edição 3942 Data: 01
de maio de 2012
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78ª VISITA DOS ESCRITORES À MINHA CASA
-Thomas Mann!...
-Por que tanta surpresa?
-Até então, só como nome de colégio, na Rua
Hermengarda, no Cachambi, você tinha chegado mais perto de mim.
-Não leu os meus livros?
-Sim; mas confesso que descobri, na
leitura de “A Montanha Mágica”, que eu não era o leitor voraz de outrora, pois
levei mais de um mês para chegar ao ponto final.
-Console-se, pois foi o romance que
consumiu mais anos da minha vida, eu precisava amadurecer, como pessoa, para terminá-lo.
-Você, um dos mais consagrados
escritores alemães, tem sangue brasileiro.
-Sim, mamãe era da cidade de Paraty, no
Brasil. Possuo também sangue indígena.
-Sua mãe, Júlia da Silva Bruhns, era
filha do fazendeiro, dono de propriedades de cana de açúcar, que se estendia de
Santos ao Rio de Janeiro, Johann Ludwig Hermann Bruhns e da brasileira, de
ascendência portuguesa e indígena, Maria Luísa da Silva.
-Ela perdeu a mãe com cinco anos de
idade. Meu avô, no ano seguinte, trouxe-a, com os outros filhos para Lübeck, na
Alemanha e retornou ao Brasil. Minha mãe, sob os cuidados de um tio, viveu numa
pensão até os 14 anos de idade.
-Já era uma mocinha. - comentei.
-Ela se casou em 1869, quando tinha 17
anos e seu marido, Johann Heinrich Mann, 29.
-Sei que o casal teve cinco filhos.
-Meu irmão mais velho, Heinrich Mann,
também escritor...
-Sei que o enredo do celebrado filme “O
Anjo Azul”, com a Marlene Dietrich, se baseou no romance do seu irmão.
Thomas Mann prosseguiu:
-Tenho mais um irmão, Viktor Mann e duas
irmãs: Elizabeth Therese Mann e Augusta Olga Maria Mann.
-Você nasceu em 1875, na cidade de
Lübeck?
-Sim, precisamente no estado de
Schleswig-Holstein, no norte da Alemanha, onde a maioria esmagadora da
população era protestante. Infelizmente, meu pai morreu quando eu tinha 17
anos, o que afetou irremediavelmente os negócios da família.
-Ele era um destacado comerciante em
Lübeck. - acrescentei,
-Meu pai morreu em consequência de uma
cirurgia mal sucedida na bexiga. Minha mãe decidiu, então, viver em Munique,
cidade católica do sul da Alemanha, com os filhos.
-Você foi junto?
-Reuni-me à família com 19 anos de
idade. Em Munique, a minha mãe se instalou no bairro boêmio de Schwabing, onde se tornou uma animadora cultural,
oferecendo saraus literários e festas.
-Júlia da Silva Bruhns estimulou, então,
o gosto dos filhos pela literatura. - concluí.
-Mamãe escreveu “Aus Dodos kinderheit”
(Da infância de Dodô), um livro sobre a sua meninice no Brasil.
-A figura da sua mãe é tão marcante na
sua obra, segundo os especialistas, que inspirou a personagem Gerda Arnoldsen,
em “Buddenbrocks”; em “Doutor Fausto”, inspirou a Senadora Rodde; foi a Mãe
Consuelo, em “em “Tonio Kröger”, e em “Morte em Veneza”, ela aparece como a mãe
do músico Gustav von Aschenbach.
-Não vou contrariar os especialistas. -
sorriu.
-Você iniciou a sua carreira literária
escrevendo textos em prosa e artigos para uma revista.
-Não quer dizer o nome da revista?... É
difícil para os brasileiros, que chamam a cidade de São Sebastião do Rio de
Janeiro de Rio. Outros povos, como os americanos, podam também ao máximo as
palavras. A revista em que eu escrevia se chamava “Der Frühlingssturm”,
ou seja, “A Tempestade de Primavera”. Eu também co-editava a revista.
-Afirmam alguns estudiosos da sua vida
que, nesse período da sua biografia, você se apaixonou pelo filho de um dos
seus professores, Wilri Timppe, que motivou o personagem Pribslav Hippe de “A
Montanha Mágica”.
-É o tal negócio: casei, tive seis
filhos e ainda insinuam que sou homossexual. - disse sem se alterar.
-Acontece que na efeméride do seu
centenário, em 1975...
-Eu tinha morrido 20 anos antes.
-Pois é, Thomas Mann; deixaram de ser
sigilosos os seus diários nos seus 100 anos. Assim, veio à luz a sua terrível
luta interior com os seus desejos homossexuais.
-Sei que hoje a luta não é tão terrível.
-Sim; o maestro Leonard Bernstein, por
exemplo, um dos maiores artistas da música, no século X, era casado, tinha
filhos e manteve o casamento apesar da atração nada platônica que sentia
por homens.
-Em Munique, com minha mãe, trabalhei
numa sociedade de seguros que só serviu para eu solidificar no meu espírito a
minha vocação de escritor. - frisou Thomas Mann.
-As musas já se tornaram íntimas de
você?
-Não, eu tive de procurá-las na Itália.
Lá, precisamente em Palestrina, residia o meu irmão Heinrich, que já ficou
famoso como romancista. Mostrou-me ele os lugares históricos de Roma... Mas
qual o lugar de Roma que não é histórico? Visitei outras cidades da Itália, e
dei início ao manuscrito de “Buddenbrooks”.
-Trabalhou no seu livro sem parar?
-Quando retornei a Munique, tornei-me um
dos editores do jornal satírico/humorístico “Simplicissimus”.
-Foi nessa época que você nutriu um amor
conturbado por Paul Ehrenberger?
-De novo o meu diário íntimo...
-Você registrou que foi a experiência
central do seu coração.
-Resolvi servir o exército, mas me
arrependi. Minha família entrou em ação e convenceu um médico a fraudar meu
boletim de saúde. Com problemas no organismo que não me impediriam de chegar
aos 80 anos, como cheguei, saí do exército com um respiro de alívio.
-Assim, trabalhou apenas no seu romance?
-Sim, em 1901, eu terminei
“Buddenbrooks”. O editor Fischer Verlag quis que o livro fosse mais curto,
achou-o encorpado demais. Não aceitei as suas ponderações e o livro foi
publicado na íntegra.
-Você acreditava mesmo no valor desse
seu romance de estreia?
-Paradoxalmente, não acreditava; para
mim, “Buddenbrooks” ficaria nas livrarias sem ser notado, e eu teria de me
dedicar a outro negócio para ganhar a vida.
-Deu-se exatamente o contrário, com
“Buddenbrooks” você alcançou fama internacional.
-No romance, eu conto a história de uma
família protestante de comerciantes de cereais de Lübeck ao longo de três
gerações.
-Havia fortes semelhanças com a história
da sua própria família. - intervim.
-Houve leitores de Lübeck que
identificaram personalidades da cidade retratadas na minha obra.
-E tinham suas razões... - imagino.
-Sofri uma reprimenda de um tio, depois
que ele leu “Buddenbrooks”, acusou-me de ser um pássaro que emporcalhou o
próprio ninho.
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