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quinta-feira, 25 de abril de 2013

2366 - o pai dos inventores 3

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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4166                                  Data:  07 de  Abril de 2013
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85ª VISITA À MINHA CASA
3ª PARTE

-Quando eu conheci Hetzel, um trabalho meu tinha sido sistematicamente rejeitado pelos editores, que o consideraram científico demais. Mostrei o rascunho a ele, que fez algumas modificações.
-Qual era o livro?
-“Cinco Semanas num Balão”.
-Com esse gás que me chegou de Hetzel, tive energia para escrever de dois a três livros por ano; “Viagem ao Centro da Terra”, “Da Terra para a Lua”, “Vinte Mil léguas Submarinas”, “A Volta ao Mundo em Oitenta Dias”, “Viagens Extraordinárias”.
-Concluo que, com essas obras, você já podia viver de literatura.
-É verdade, mas muito da minha receita foi proveniente das adaptações que fizeram para o teatro de “A Volta ao Mundo em Oitenta Dias” e “Michel Strogoff”.
-Se o cinema tivesse sido inventado pelos irmãos Lumière trinta anos antes, ou seja, em 1875, você ficaria milionário.
-Ainda assisti ao filme de George Mièles sobre meu livro “Da Terra para a Lua”.
-Jules Verne, você, agora endinheirado, podia ter momentos de lazer.
-Claro; comprei um pequeno navio que chamei de Saint-Michel. Com a melhora da minha situação financeira, passei para o Saint-Michel II e, posteriormente, Saint-Michel III.
-Dava para espairecer, Jules Verne?
-Sim, naveguei em volta da Europa, mas sem me entregar à ociosidade que não fosse criativa.
-Você foi condecorado como Cavalheiro da Legião de Honra, em 1870?
Ele meneou afirmativamente a cabeça e eu aludi, então, à guerra franco-prussiana; pediu-me para saltar esse momento dramático para a França, e eu o obedeci.
-Hetzel tinha uma publicação bimensal “A Revista de Educação e Recreação”, em que muitas histórias suas foram publicadas em folhetim.
-Meu irmão, Paul, também teve suas narrativas seriadas na revista de Hetzel.
-Houve um livro seu que Hetzel aconselhou que não fosse publicado porque o pessimismo que estava entranhado nele afastaria o leitor.
-Foi “Paris no Século XX”. Eu narrava a vida de um jovem às voltas com os arranha-céus, com os trens de alta velocidade, com os automóveis poluidores, enredado na rede de comunicação...
-Mas isso viria a acontecer, Jules Verne.
-Como o meu personagem não encontrou a felicidade diante do progresso e teve um trágico fim, Hetzel foi contra a publicação, seria melhor para a minha imagem perante o público.
-Um bisneto seu encontrou o manuscrito em 1989 que seria, então, conhecido.
-Eu não nutria otimismo pelo progresso que eu vislumbrava, mas Hetzel, sempre atento, empurrava-me para os textos otimistas.  Queria que eu celebrasse com entusiasmo o progresso humano e tecnológico. Assim, “Paris no Século XX” ficou empoeirado no porão.
-Você alterou, então, trechos pessimistas para otimistas.
-Eu terminei “A Ilha Misteriosa” com os sobreviventes retornando para o continente, nostálgicos da sua ilha. Hetzel leu os originais e não gostou do final. Pediu para eu mudar, assim, os sobreviventes juntaram suas fortunas para construir uma réplica da ilha.
-Hetzel também lhe chamou a atenção sobre os envolvimentos políticos na história do Capitão Nemo e seu submarino, porque o Império Russo era um aliado militar da França e não deveria ser hostilizado, que não deveria haver referências ao esmagamento da Polônia.
-Eu era um artista, não ficava conectado com a política como Hetzel, Tive de fazer alterações como Verdi nas suas óperas Rigoletto, Baile de Máscaras.
-Ele estava sob a censura austríaca, quando criou o Rigoletto. - aparteei.
-Eu não pretendia contrariar o público, que tanto me estimava e muito menos Hetzel, que, ao contrário do meu pai, não só entendeu, como incentivou a minha vocação.
-Não foi apenas o público que lhe tributou reconhecimento, seus pares também?
-Théophile Gautier e George Sand me elogiavam muito, alguns cientistas também, mas foram poucos.
-Como escapar dos críticos?... Disseram que você era apenas um contador de histórias popular indigno de uma apreciação acadêmica. Não enxergaram que você criava um novo gênero literário: a ficção científica. 
-Não me deram um lugar na literatura francesa, esta é a grande mágoa da minha vida.
-Seu filho Michel, depois das muitas dores de cabeça que lhe deu, se regenerou.
-Ele me ajudou muito no meu trabalho, soube que foi de grande valia na publicação das minhas obras póstumas. Tive também duas enteadas, Valentine e Suzanne Morel, mas elas não eram muito próximas de mim.
-Quem lhe causou um grave problema foi seu sobrinho Gaston.
-Ele sofria das faculdades mentais. Dirigia-me para casa quando, numa crise de loucura, desferiu dois tiros de pistola contra mim. Uma das balas me atingiu na perna esquerda e eu manquei durante 19 anos, ou seja, enquanto fui vivo.
-Ele passou o resto da vida num asilo de doentes mentais?
-Sim; desde os 25 anos, quando me baleou.
-E Hetzel?
-Hetzel regulava com a idade do meu pai, portanto, não convivi com ele o tempo que eu desejaria. Sua morte me abalou; a da minha mãe também, pois dela eu herdei o temperamento poético.
-Depois dessas perdas, do ferimento na perna, sua queda para o pessimismo se acentuou?
-Sim, minhas últimas criações não possuem o otimismo de antes.
-Você sofria de diabetes?
-Creio que essa doença apressou a minha morte em 1905.
-Depois da sua morte, Jules Verne, seu filho supervisionou as suas novelas “Invasão do Mar”, “O Farol no Fim do Mundo”.  “As Viagens Extraordinárias”, que foram publicadas em séries por ano, foram recolhidas por seu filho e editadas.
Omiti que Michel Verne modificou muitas passagens do original.
-O avanço tecnológico veio e parece que acertei em muitas previsões.- disse sem falsa modéstia.
-Jules Verne, citarei um exemplo das suas previsões: os astronautas da Apolo 8, Frank Borman, Jim Lovell e William Anders lhe renderam homenagens. Borman declarou que “na realidade, Jules Verne é um dos pioneiros da idade espacial,”
-Houve outros exemplos?
-Inúmeros; Yuri Gagarin, Werner von Braun, Marconi, Fridtjof Nansen, entre outros, o citaram como inspirador na busca no futuro.
Depois de uma pausa, eu lhe disse que até nome de restaurante na Torre Eiffel ele era.
-Meus amigos gostariam de saber disso. - comentou.
-As crianças do mundo inteiro que leem e vão ao cinema o adoram. - afirmei.
-Para mim, isso basta.
E se foi.

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