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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4158 Data: 26 de
Março de 2013
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85ª VISITA À MINHA CASA
-Monteiro Lobato?!...
-E como está a questão do petróleo no
Brasil?
-Vamos falar dos seus livros para as crianças.
- propus.
-As pessoas da sua geração gostavam
muito das minhas histórias infantis.
-E as que nasceram bem antes de mim
também. O Jô Soares disse que chorou copiosamente quando soube da sua morte
ocorrida em 1948.
-Ele era um menino na época, deduzo.
-Você só foi escrever para a petizada
perto dos 40 anos de idade.
-Eu já estava enjoado de escrever para
marmanjos, bichos sem graça; mas, para criança, um livro é um mundo.
-Você foi o precursor dos textos
infantis neste país.
-Meu primeiro livro foi “A menina do
nariz arrebitado”, escrito em 1920.
-Houve, que eu saiba, apenas uma
reedição em fac simile desse livro em 1981.
-“A menina do nariz arrebitado” deu
origem à Lúcia, que é a Narizinho do Sítio do Picapau Amarelo.
-E vieram outros livros desse gênero
para a alegria e aprendizagem da criançada.
-Você não leu esses livros?
-Confesso que não, Monteiro Lobato,
apesar de eu ser um leitor voraz desde garoto. Quem me abastecia de livros era
o meu pai, que me trouxe muitos romances de Michel Zevaco e Alexandre Dumas, principalmente.
Por outro lado, a minha mãe me dava livros do José de Alencar para ler, como “O
Tronco do Ipê”, “O Guarany”, “Til”, “Senhora”.
-Mas o José de Alencar recorria a alguns
vocábulos incompreensivos para os jovens.
-Eu tropeçava nessas palavras, mas a
atração dos enredos me fazia ir adiante.
-Imaginei o Sítio do Picapau Amarelo como
um sítio no interior do Brasil com a Dona Benta, dona do lugar, seus netos
Narizinho e Pedrinho, e a empregada Tia Anastácia. Para animar a fértil
imaginação da criançada, acrescentei a Emília, uma boneca irreverente, o
Visconde de Sabugosa, um aristocrático boneco de sabugo de milho, o rinoceronte
Quindim, o porco Rabicó, a vaca Mocha, o burro Conselheiro...
-A Cuca. - interferi.
-O bicho papão está no imaginário das pessoas
desde tenra idade.
-Você, Monteiro Lobato, foi criado num
sítio? - fiz a analogia.
-Em Taubaté, onde nasci, mas digamos que
era uma fazenda. Fui alfabetizado por minha mãe, Olímpia Augusta e, em seguida,
por um professor particular. Entrei para a escola com sete anos de idade.
-E descobriu um mundo novo?
-O mundo novo para mim foi a imensa
biblioteca do meu avô materno, o Visconde de Tremembé. Li tudo o que havia lá
para criança.
-E essas leituras despertaram o seu
talento?
-Bem, escrevi pequenos contos para os
jornaizinhos de todas as escolas que frequentei.
-Mesmo sabendo que você aprendeu mais
fora dos colégios do que dentro deles pergunto: como foi o seu périplo escolar?
-Com onze anos de idade, fui transferido
para o Colégio São João Evangelista. Rumei para São Paulo três anos depois, ou
seja, em 1896, prestei exames, mas fui reprovado; retornei, então, a Taubaté.
No Colégio Paulista, colaborei para três jornaizinhos ao mesmo tempo.
-Voltou a São Paulo e, dessa vez, foi
aprovado. - antecipei-me.
-Isso. Em São Paulo , eu tinha mil
assuntos para colocar nas cartas à minha família. Continuei a redigir textos de
estudante e, quando fixei moradia na grande cidade, tornei-me interno do
Instituto Ciências e Letras.
-Mas a má sorte o espreitava.
Às minhas palavras, Monteiro Lobato
suspirou:
-Meu pai morreu de congestão pulmonar e
como minha mãe era passionalmente dependente dele, faleceu no ano seguinte. Fui
em frente, viver era uma obrigação minha.
-Você não se destacava apenas na
redação, desenhava com talento.
-Meu sonho era frequentar a Escola de
Belas Artes, meu avô, no entanto, impôs que eu estudasse Direito, pois me
designara seu sucessor na administração dos negócios.
-Você, então, foi estudar na renomada
Faculdade do Largo de São Francisco.
-Lá, fundei com alguns colegas meus de
turma a “Arcádia Acadêmica”, quando, na sessão inaugural, discursei.
-O tema não eram as crianças?
-Não, eu ainda estava plenamente
impregnado de assuntos dos marmanjos.
-Soube que seus argumentos eram
originais, e que você demonstrava um humor sutil que lembrava os ingleses
espirituosos.
-Eu era, na verdade, anticonvencional;
dizia o que pensava, agradasse ou não aos que me ouviam ou liam.
-Você, na faculdade, também se
interessou por teatro?
-Elaborei estudos sobre a arte cênica;
sei que eles ajudaram na formação do grupo “O Cenáculo”, que alcançou sucesso.
-Seu conto Gens Ennuyeux também.
-Venci com ele um concurso e foi
publicado no jornal “Onze de Agosto”.
-E os estudos?
-Diplomei-me em Direito com 22 anos de
idade, em 1904, e regressei a Taubaté.
-Em São Paulo , você teria um campo mais amplo para
exercer a sua profissão de advogado.
-Eu me julgava também um empresário.
Fiz, em sociedade com um amigo, planos para fundar uma fábrica de geleias.
Enquanto isso, ocupava interinamente a promotoria de Taubaté. Foi quando
conheci a minha futura esposa, “Purezinha”.
-E foi nomeado promotor público na
cidade de Areias.
-A vida parada em Areias me entendiou,
apesar do nascimento da minha filha. Planejei abrir um estabelecimento
comercial de secos e molhados.
-E não abriu?
-Associei-me aos investidores de
estradas de ferro.
-A sua tendência empresarial não
prejudicava o seu dom de escritor?
-Eu não parava de escrever, eram artigos
para jornais e revistas, além de traduzir artigos para o português do Weekly
Times. Também não deixei de desenhar e fazer caricaturas, a revista Fon-Fon
publicou muitas delas.
-Quantos anos você tinha quando morreu o
seu avô Visconde de Tremembé?
-Vinte e nove anos de idade, foi em
1911.
-Foi uma sacudidela na sua vida já
movimentada?
-Herdei a fazenda São José de Buquira e
lá residi com mulher e dois filhos. Larguei a promotoria pelo trabalho de
fazendeiro. Tratei logo de modernizar a lavoura e as criações de animais que
existiam por lá.
Depois de uma pausa para recuperar o
fôlego, prosseguiu:
-Com o lucro que obtive, abri um
externato na minha cidade natal e confiei os negócios do colégio ao meu
cunhado.
-O seu temperamento de empresário não
iria se contentar só com isso?
-Não me bastava a vida de fazendeiro.
Voltei os olhos para a cidade de São Paulo e planejei explorar comercialmente,
em sociedade, o Viaduto do Chá.
-Monteiro Lobato se entregava aos sonhos
como escritor e como empresário. - foi o meu pensamento que não se transformou
em palavras.
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