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terça-feira, 2 de abril de 2013

2350 - castanholadas

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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4150                                      Data: 18 de  Março de 2013
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EU e  ELIO NA ESPANHA MEDIEVAL

-Onde estamos, Elio?... Tudo aqui  parece muito atrasado.
-Não é o Brasil, porque aqui não existe alegria.
De repente, um grito ameaçador.
-Prendam esta cigana, ela enfeitiçou meu filho.
Um homem sisudo, cuja vestimenta indicava nobreza, além do fato de um número grande de soldados o obedecerem, indicou com um dedo uma infeliz senhora que logo foi presa.
O filho do senhor feudal, um bebê, estava com diarreia provocada pela insalubridade, apesar de viver num palácio.
-Queimem esta cigana, antes que ela enfeitice meu outro filho. - ordenou.
Enquanto sentíamos o cheiro de carne queimada, Elio Fischberg mostrava o conhecimento de história que adquirira com a sua mãe, Dona Sarita.
-A Reforma Protestante de Lutero diminuiu o poderio da Igreja Católica, o que ensejou movimentos como o Renascimento, mas a Espanha continua medieval.
-Enquanto eu ouvia o comentário do Elio, uma cigana, que trazia um bebê no colo se esgueirava no meio do populacho que vibrava com a horrenda cena.
-Eu me vingarei. - rosnou ela.
E se vingou; entrou furtivamente no palácio e de lá saiu com um dos filhos do senhor feudal, que escondeu sob uma manta.  No entanto, ela estava tão fora de si que, em vez de jogar o bebê raptado na fogueira em que ardia a sua mãe, jogou o próprio filho por engano. Perseguida pelos soldados, ela fugiu sobraçando o menino nobre.
-Que época estamos vivendo! - exclamou o Elio.
Como já foi explicado, os anos transcorrem como minutos nas viagens que fazemos pelo tempo, assim, num piscar de olhos, fomos transportados para mais de vinte anos depois, infelizmente, no mesmo cenário trágico.
Eu e Elio estávamos agora próximos a um castelo. Numa espécie de balcão, uma linda donzela, junto a uma aia, relembrava, sonhadora, um romântico jovem que ela coroou como vencedor de um torneio de trovadores. Infelizmente – dizia ela – ele teve de partir porque irrompeu uma guerra civil, e ele era soldado.
Subitamente, uma agradável voz de menestrel soou ao longe.
-É o soldado trovador. - encantou-se a donzela.
Com a aproximação do cantante, com uma roupa em que sobressaia o vermelho, a sua voz se tornou mais audível. A apaixonada moça correu ao seu encontro, mas foi interceptada no caminho por um truculento nobre.
-Você vai se casar comigo. - vociferou com os olhos faiscantes.
O trovador diante de tal cena desembainhou a espada, o mesmo fez o nobre. E, para o desespero da donzela, iniciaram um duelo.
-Vamos desapartar. - sugeriu o Elio.
-Você está maluco? - reagi.
Com a luta, o nobre perdeu a espada e a sua vida ficou à disposição do trovador que, na hora do golpe fatal, hesitou. A donzela saiu dali, pois já provocara confusão demais, enquanto o nobre, com a vida poupada se afastava.
-Por que ele não o matou?- quis saber o Elio.
-Porque são irmãos. A cigana criou o filho do senhor feudal como se fosse seu. Conheço a história. - esclareci.
No acampamento dos ciganos, iluminado pelas labaredas das fogueiras, havia uma agitação feérica. Perto do trovador, a cigana, sugestionada pelos clarões do fogo, narrava para ele o trágico fim da   sua mãe. Ele, que às vezes duvidava da sua origem, perguntou-lhe quem era na realidade, e ela respondeu enfaticamente;
-Você é o meu filho.
-Então, a cigana queimada era a minha mãe. - disse com a voz entrecortada.
-Que coisa! - esfregou o Elio as mãos nervosamente.
O diálogo foi interrompido pelo melhor amigo do trovador com a notícia que as forças inimigas da guerra civil assediavam o castelo da donzela.
-Tenho de ir para lá imediatamente.
E foi com seu amigo cigano arregimentar seu exército. Eu e Elio o seguimos. A batalha foi feroz; ele não sabia apenas cantar trovas, era um guerreiro valente. Venceu, mas o seu rival ordenou que um dos seus sabujos lançasse o boato que o trovador morrera.
Deprimida, afirmando que a vida de felicidade não estava destinada a ela, a donzela se retirou para um convento. Quando a notícia chegou aos ouvidos do seu amado, ele correu para lá, com seus soldados, com o objetivo de impedir que ela recebesse os votos religiosos. Caso análogo aconteceu com o seu rival, que concebera o boato para que ela esquecesse o trovador e se casasse com ele.
No convento, os inimigos se olharam com as expressões rubras como o fogo, e as espadas saíram das bainhas.
-Carlos, isso está parecendo briga de torcidas de futebol. - gracejou o Elio para mitigar a apreensão.
A madre superiora, evocando Deus com a sua voz autoritária, exigiu respeito à santidade do lugar. As armas baixaram, e o sangue não correu. O truculento nobre se retirou com seus soldados, com a expressão de derrota, enquanto o trovador se foi feliz, porque sabia que a sua amada não pensava mais em viver no claustro de um convento.
Logo, o menestrel estava no castelo da donzela trocando  juras de amor.
-Carlos, parece a cena do balcão do Romeu e Julieta. - observou o Elio.
 Mas a tragédia estava à espreita. Um velho servidor do senhor feudal contou para o inimigo do trovador que viu uma cigana com a aparência que lembrava a velha bruxa que fora queimada há vinte e cinco anos e a prendera. Ao vê-la, amarada numa estaca e torturada, soube que se tratava da mãe do seu rival, e soltou um pavoroso grito de júbilo.
O colóquio amoroso do trovador com sua donzela não foi adiante porque o cigano seu amigo lhe avisou do que ocorria com sua mãe. Com os olhos chispando de ódio, ele correu para libertá-la.
-Essa agonia não para?... - exasperou-se o Elio.
O trovador, com a mente embotada pelo desespero, não raciocinou e caiu numa armadilha.
A donzela (com tantos percalços ainda o era) procurou o seu desagradável pretendente. Este afirmou que só o soltaria se ela se tornasse sua esposa.
Sim, disse a donzela, mas antes queria se despedir do trovador. Enquanto ele saía para buscar o prisioneiro, a pobre moça ingeriu um frasco de veneno. Ao ver a sua namorada, ele sorriu, mas quando ela lhe disse que estava livre, ele a insultou porque sabia que teria de pagar com a própria virgindade. Nesse instante, o veneno faz efeito, e se inicia a agonia. O trovador lhe pede perdão enquanto lhe jura amor além da vida terrena.
  O vilão chega e, ao constatar que fora enganado, seus olhos chispam e ele ordena que cortem o pescoço do seu rival. Enquanto seus subordinados carregam o prisioneiro para o patíbulo, ele passa por cima do cadáver da infeliz moça, e vai até a cigana.
Arrasta a cigana até uma janela e lhe diz com uma voz que parecia vinda do inferno:
-Você agora vai presenciar a morte do seu filho.
Assim que o machado cai sobre o pescoço do trovador, ela grita:
-Você matou o seu irmão.
E conclui antes de cair morta:
-Mãe, você está vingada.
O vingativo nobre fica aterrado.
-Carlos, isso parece um libreto de ópera italiana. Mas que compositor conseguiria transformar isso em boa música?
-Verdi, o grande Verdi. - respondi.


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