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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4150 Data: 18
de Março de 2013
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EU e ELIO NA
ESPANHA MEDIEVAL
-Onde estamos, Elio?... Tudo aqui parece muito atrasado.
-Não é o Brasil, porque aqui não existe
alegria.
De repente, um grito ameaçador.
-Prendam esta cigana, ela enfeitiçou meu
filho.
Um homem sisudo, cuja vestimenta
indicava nobreza, além do fato de um número grande de soldados o obedecerem,
indicou com um dedo uma infeliz senhora que logo foi presa.
O filho do senhor feudal, um bebê,
estava com diarreia provocada pela insalubridade, apesar de viver num palácio.
-Queimem esta cigana, antes que ela
enfeitice meu outro filho. - ordenou.
Enquanto sentíamos o cheiro de carne
queimada, Elio Fischberg mostrava o conhecimento de história que adquirira com
a sua mãe, Dona Sarita.
-A Reforma Protestante de Lutero
diminuiu o poderio da Igreja Católica, o que ensejou movimentos como o
Renascimento, mas a Espanha continua medieval.
-Enquanto eu ouvia o comentário do Elio,
uma cigana, que trazia um bebê no colo se esgueirava no meio do populacho que
vibrava com a horrenda cena.
-Eu me vingarei. - rosnou ela.
E se vingou; entrou furtivamente no
palácio e de lá saiu com um dos filhos do senhor feudal, que escondeu sob uma
manta. No entanto, ela estava tão fora
de si que, em vez de jogar o bebê raptado na fogueira em que ardia a sua mãe,
jogou o próprio filho por engano. Perseguida pelos soldados, ela fugiu
sobraçando o menino nobre.
-Que época estamos vivendo! - exclamou o
Elio.
Como já foi explicado, os anos
transcorrem como minutos nas viagens que fazemos pelo tempo, assim, num piscar
de olhos, fomos transportados para mais de vinte anos depois, infelizmente, no
mesmo cenário trágico.
Eu e Elio estávamos agora próximos a um
castelo. Numa espécie de balcão, uma linda donzela, junto a uma aia,
relembrava, sonhadora, um romântico jovem que ela coroou como vencedor de um torneio
de trovadores. Infelizmente – dizia ela – ele teve de partir porque irrompeu
uma guerra civil, e ele era soldado.
Subitamente, uma agradável voz de
menestrel soou ao longe.
-É o soldado trovador. - encantou-se a
donzela.
Com a aproximação do cantante, com uma
roupa em que sobressaia o vermelho, a sua voz se tornou mais audível. A
apaixonada moça correu ao seu encontro, mas foi interceptada no caminho por um
truculento nobre.
-Você vai se casar comigo. - vociferou
com os olhos faiscantes.
O trovador diante de tal cena
desembainhou a espada, o mesmo fez o nobre. E, para o desespero da donzela,
iniciaram um duelo.
-Vamos desapartar. - sugeriu o Elio.
-Você está maluco? - reagi.
Com a luta, o nobre perdeu a espada e a
sua vida ficou à disposição do trovador que, na hora do golpe fatal, hesitou. A
donzela saiu dali, pois já provocara confusão demais, enquanto o nobre, com a
vida poupada se afastava.
-Por que ele não o matou?- quis saber o
Elio.
-Porque são irmãos. A cigana criou o
filho do senhor feudal como se fosse seu. Conheço a história. - esclareci.
No acampamento dos ciganos, iluminado
pelas labaredas das fogueiras, havia uma agitação feérica. Perto do trovador, a
cigana, sugestionada pelos clarões do fogo, narrava para ele o trágico fim
da sua mãe. Ele, que às vezes duvidava
da sua origem, perguntou-lhe quem era na realidade, e ela respondeu enfaticamente;
-Você é o meu filho.
-Então, a cigana queimada era a minha
mãe. - disse com a voz entrecortada.
-Que coisa! - esfregou o Elio as mãos
nervosamente.
O diálogo foi interrompido pelo melhor
amigo do trovador com a notícia que as forças inimigas da guerra civil
assediavam o castelo da donzela.
-Tenho de ir para lá imediatamente.
E foi com seu amigo cigano arregimentar
seu exército. Eu e Elio o seguimos. A batalha foi feroz; ele não sabia apenas
cantar trovas, era um guerreiro valente. Venceu, mas o seu rival ordenou que um
dos seus sabujos lançasse o boato que o trovador morrera.
Deprimida, afirmando que a vida de
felicidade não estava destinada a ela, a donzela se retirou para um convento.
Quando a notícia chegou aos ouvidos do seu amado, ele correu para lá, com seus
soldados, com o objetivo de impedir que ela recebesse os votos religiosos. Caso
análogo aconteceu com o seu rival, que concebera o boato para que ela
esquecesse o trovador e se casasse com ele.
No convento, os inimigos se olharam com
as expressões rubras como o fogo, e as espadas saíram das bainhas.
-Carlos, isso está parecendo briga de
torcidas de futebol. - gracejou o Elio para mitigar a apreensão.
A madre superiora, evocando Deus com a
sua voz autoritária, exigiu respeito à santidade do lugar. As armas baixaram, e
o sangue não correu. O truculento nobre se retirou com seus soldados, com a
expressão de derrota, enquanto o trovador se foi feliz, porque sabia que a sua
amada não pensava mais em viver no claustro de um convento.
Logo, o menestrel estava no castelo da
donzela trocando juras de amor.
-Carlos, parece a cena do balcão do
Romeu e Julieta. - observou o Elio.
Mas
a tragédia estava à espreita. Um velho servidor do senhor feudal contou para o
inimigo do trovador que viu uma cigana com a aparência que lembrava a velha
bruxa que fora queimada há vinte e cinco anos e a prendera. Ao vê-la, amarada
numa estaca e torturada, soube que se tratava da mãe do seu rival, e soltou um
pavoroso grito de júbilo.
O colóquio amoroso do trovador com sua donzela
não foi adiante porque o cigano seu amigo lhe avisou do que ocorria com sua
mãe. Com os olhos chispando de ódio, ele correu para libertá-la.
-Essa agonia não para?... - exasperou-se
o Elio.
O trovador, com a mente embotada pelo
desespero, não raciocinou e caiu numa armadilha.
A donzela (com tantos percalços ainda o
era) procurou o seu desagradável pretendente. Este afirmou que só o soltaria se
ela se tornasse sua esposa.
Sim, disse a donzela, mas antes queria
se despedir do trovador. Enquanto ele saía para buscar o prisioneiro, a pobre
moça ingeriu um frasco de veneno. Ao ver a sua namorada, ele sorriu, mas quando
ela lhe disse que estava livre, ele a insultou porque sabia que teria de pagar
com a própria virgindade. Nesse instante, o veneno faz efeito, e se inicia a
agonia. O trovador lhe pede perdão enquanto lhe jura amor além da vida terrena.
O
vilão chega e, ao constatar que fora enganado, seus olhos chispam e ele ordena
que cortem o pescoço do seu rival. Enquanto seus subordinados carregam o
prisioneiro para o patíbulo, ele passa por cima do cadáver da infeliz moça, e
vai até a cigana.
Arrasta a cigana até uma janela e lhe
diz com uma voz que parecia vinda do inferno:
-Você agora vai presenciar a morte do
seu filho.
Assim que o machado cai sobre o pescoço
do trovador, ela grita:
-Você matou o seu irmão.
E conclui antes de cair morta:
-Mãe, você está vingada.
O vingativo nobre fica aterrado.
-Carlos, isso parece um libreto de ópera
italiana. Mas que compositor conseguiria transformar isso em boa música?
-Verdi, o
grande Verdi. - respondi.
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