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quarta-feira, 17 de abril de 2013

2361 - Afundem o Bismarck!

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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4161                                   Data:  30 de  Março de 2013
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EU E DIECKMANN NO BISMARCK

-Em que diabo de lugar estou?- despertou o Dieckmann.
-Estamos no mais potente couraçado até hoje construído, o Bismarck.
-Por que estou eu aqui e não o Elio, que viaja com você através do tempo? (*)
-Se até a dupla Jerry Lewis e Dean Martin se desfez, por que eu e ele não?... Além disso, você é engenheiro naval e poderá fazer comentários abalizados sobre a estrutura desde potentado do mar.
-Nós vamos é morrer afogados.
-Calma, Dieckmann. Como vamos morrer se ainda não nascemos? Estamos em maio de 1941.
Estávamos precisamente em 18 de maio de 1941, quando o Bismarck singrou pela primeira vez o mar à cata de inimigos, na costa da Noruega, rumo à vasta passagem entre a Groenlândia e a Islândia.
Dois dias depois, ouvimos um grito de alerta:
-Inimigos à vista.
Eram o Hood e o Prince Wales da marinha britânica.
-O Hood é um temível cruzador de batalha, quanto ao Prince of Wales, é um couraçado novato e a sua maquinaria ainda não foi amaciada e nem sua tripulação recebeu o treinamento necessário.
-Como você sabe disso, Dieckmann?
-Colecionei todos os fascículos que vendiam sobre a Segunda Guerra Mundial. - esclareceu-me. (**)
O confronto era inevitável. O Prinz Eugen lutaria ao lado do Bismarck, que tinha forças para resolver aquela batalha sozinho.  Logo, as baterias das quatro embarcações foram acionadas. Cospia-se fogo por todos os lados e a marujada se abrigou o melhor que pôde.
-O Prince of Wales já está fora de combate. - constataram os alemães com alegria contida, pois o Hood se mantinha na luta.
Minutos depois, um urro de júbilo animalesco subiu às nuvens e nos ensurdeceu: do Hood veio uma fumaça negra pela popa. Um formidável vômito vulcânico incendiou o mar. Em seguida, o Hood partiu-se em dois.
Vendo o orgulho da marinha britânica partido em dois, com a ré afundando e a outra parte a flutuar até seguir o mesmo trágico destino (***), os alemães enlouqueceram ainda mais de satisfação.
-O tombadilho que estava deserto, durante o combate, está agora superlotado de marinheiros e oficiais. - constatou o Dieckmann.
-Esses gritos de “Sieg Heil” provam o quanto Einstein estava certo ao se referir à infinitude da estupidez humana. - irritei-me. (****)
-Espero que não cantem nada de Wagner. - desejou o Dieckmann, já aborrecido com a cantoria.
-A música de Wagner drogou um povo que já nasce com a ânsia do poder. - repeti uma frase que eu ouvira algures.
-Veja: a equipe do ministro da Propaganda de Hitler, o Goebbels, está filmando tudo para, depois, enviar à Alemanha e ser exibido nos cinemas como prova da invencibilidade do Terceiro Reich. - disse o Dieckmann.
-Eles vão saborear esta vitória até a última gota como fazem com os copos de cerveja. - acrescentou.
-Veja, Dieckmann: a grande maioria dos tripulantes não passa dos 20 anos de idade.
-Muitos são mais novos ainda; vieram da Juventude Hitlerista. (5*)
-Tão jovens e tão iludidos. Uma lástima.
-Como não existe mais remédio para essa situação, vamos examinar esta potência do mar, propus ao Dieckmann, que logo aceitou.
Depois de uma longa caminhada pelo mais forte navio de guerra de todos os tempos, considerando que o mundo findaria em 1941, Dieckmann monopolizou a palavra.
-Visto de longe, não é muito diferente de outros couraçados modernos, é de impressionar, porém, examinado mais abaixo do tombadilho. Da linha de flutuação para baixo tem cinco paredes de aço que encerram outros tantos compartimentos estanques. A tripulação acredita que o Bismarck não afunda e eu a compreendo.
-Mas olhe, Dieckmann, como são exíguas as instalações da marinhagem.
Quando a noite desceu, a falta de espaço para tantas pessoas se salientou mais ainda. E voltei ao assunto com o meu acompanhante no tempo.
-Eles dormem na proa, em redes suspensas, tão juntas que se tocam uma na outra. (6*)
-Hitler ordenou que fossem colocados mais de 2400 homens neste barco e o desconforto seria inevitável.
Ouvi as suas palavras e ele prosseguiu:
-Os espaços reservados para dormitório, refeitório, etc foram sacrificados à proteção extra, aos complexos compartimentos do casco.
-Qual a tonelagem deste navio? - interrompi.
-Os aliados falaram em 35 mil toneladas, os nazistas em 50 mil. Certamente, está mais perto deste número.
-E a velocidade, Dieckmann?
-33 nós. (7*)
-É mais rápido que as barcas Rio-Niterói de 2013.
-Até as naus dos navegantes portugueses do século XV eram mais rápidas do que as barcas Rio-Niterói de hoje. (8*)
-Hoje é 24 de maio de 1941. - chamei-lhe a atenção.
-É verdade, esqueci-me, por momentos, que você me trouxe para esta enrascada.
-Existe algum navio de guerra inglês ou americano mais veloz do que o Bismarck?
-Não. - respondeu peremptoriamente.
O êxito do colosso do mar contra as duas embarcações britânicas logo chegou ao conhecimento do Führer. O rádio trouxe, então, uma mensagem de gáudio para o Comandante Schneider, primeiro-oficial da Artilharia: ele seria recompensado por Hitler com o grau de Cavaleiro da Cruz de Ferro. Mais exultantes mensagens radiofônicas continuavam a chegar: outros membros da tripulação também receberiam condecorações.
-Só faltou o Happy Birthday to you. - reportou-se o Dieckmann ao Almirante Lütjens que, momentos após o afundamento do cruzador-couraçado Hood, formou a tripulação radiante no tombadilho e discursou com o penacho de quem saboreava a vitória na última batalha.
Se o leitor ainda não compreendeu a piada do Dieckmann, o que é normal, esclareço: o  Almirante Lütjens aniversariava nesse dia, fazia 52 anos de idade, o que lhe deu o ensejo de trombetear que aquela vitória era o maior presente de aniversário que recebera na vida.
Eu e Dieckmann conversamos com vários tripulantes (não há necessidade de intérpretes nestas viagens pelo tempo) e todos foram unânimes em garantir que o Bismarck derrotaria qualquer navio inglês. Os mais exaltados (e quem não era ali?) afirmavam que aquele colosso alemão seria capaz de vencer toda uma concentração de navios que contra ele se impusesse.
Descobrimos, entretanto, um e outro navegantes germânicos, que já navegavam por muitos anos, que não compartilhavam do mesmo entusiasmo dos mais jovens.
O Capitão Lindemann, oficial-comandante nos pareceu um velho lobo do mar. Disse-nos, quase sussurrando, que ali estava como um marinheiro alemão da velha escola e não como um adepto fervoroso do partido nazista.
-Você não crê, então, que este potentado de ferro e aço seja inafundável. - perguntei-lhe.
-Os navios de guerra alemães podem ser postos a pique pelos ingleses, inclusive este. - respondeu.
Depois de nos despedirmos dele com um aperto de mão melancólico, disse para o Dieckmann.
-A Inglaterra do Almirante Nelson, que impôs derrotas a Napoleão Bonaparte, não ficará de joelhos e o Capitão Lindemann sabe disso.
E o Dieckmann me aparteou:
-A esta hora, um Churchill furioso já deve ter ordenado o afundamento do Bismarck.

(*) Há algumas ficções do redator do seu O BISCOITO MOLHADO que extrapolam o senso comum. O Dieckmann jamais bota os pés em navio e o Elio preferiria estar no Hood.

(**) Possivelmente os conhecimentos adquiridos em tais fascículos e ali reproduzidos não espelhem a verdade dos fatos. O Hood é um cruzador de batalha, o que na concepção inglesa significa um encouraçado com menos couraça, portanto mais veloz, porém mais susceptível a canhonaços. O Prince of Wales era um encouraçado dentro do padrão normal de couraça. Já o Bismarck era um encouraçado de bolso – concepção nova de navio de guerra e significava um navio menor com couraça pesada e armamento idem. O Prinz Eugen era um cruzador pesado, um navio menos armado e o menos resistente a impactos entre os quatro aqui relatados.
Obviamente, estes termos não determinavam muita precisão e foram firmados acordos internacionais para definir e limitar a construção naval de guerra. O primeiro acordo foi o Washinghton Naval Treaty, de 1922, seguido pelos London Naval Treaty Um e Dois, respectivamente de 1930 e 1936. Amparados pela falida Liga das Nações, esses acordos foram logo descumpridos por Itália e Japão e deram margem à construção dos tais encouraçados de bolso.

(***) O Hood foi atingido duas vezes e, depois que a popa afundou e a proa esteve por minutos indecisa, os artilheiros das torres da proa ainda deram uma salva contra o Bismarck, dentro na melhor tradição bélica britânica. Possivelmente a força resultante dessa salva contribuiu para o afundamento imediato da proa.

(****) Sieg Heil quer dizer Viva à Vitória. Foi transformado como um brado nazista e, como tal, é repudiado ao longo dos séculos. Mas é uma frase simples. Quanto ao entusiasmo das batalhas, haja Wagner, ou não, é um reflexo humano. Na Primeira Guerra Mundial e nas antecedentes havia júbilo e se tratava apenas de uma questão patriótica. Conta o meu pai, que servindo o Exército Brasileiro em 1941, interrompeu uma demonstração de júbilo explícito de meu avô por conta do afundamento do Hood. Meu avô, que ouvia as transmissões alemãs, achou-se vitorioso por osmose e meu pai, mais inteirado das reais chances da Artilharia e também da política internacional reinante, deu-lhe quase voz de prisão, encerrando a tal manifestação e, de tabela, as recepções radiofônicas, embora o Brasil ainda não houvesse declarado guerra. E fim de papo.

(5*) Não há comprovação de tripulantes inexperientes a bordo, o que seria a comprovação da presença da tal Juventude. Alguns historiadores realmente mencionam cerca de 500 jovens, mas considerando o tempo inicial da guerra, é bem mais provável que 500 oficiais e marinheiros pertencentes ao partido nazista é que estivessem a bordo.
O Dieckmann negou peremptoriamente ter declarado tal frase, o redator deve ter ouvido de algum tripulante incomodado com as atitudes dos oficiais, coisa típica.

(6*) O redator nunca esteve a bordo de um navio de guerra e sua surpresa se justifica. Consultamos o Dieckmann, ele mesmo ex-tripulante do Cruzador Barroso e do porta-aviões Minas Gerais, que confirmou ser uma prática comum 5 carreiras de beliches para os praças e de 3 para os oficiais subalternos, independentemente de ser o navio grande ou pequeno, embora o Minas Gerais possuísse uma disputada sorveteria. “ Há uma grande diferença entre navios de guerra e de cruzeiro, avise ao Biscoito” disse ele ao Distribuidor.

(7*) Nó significa a velocidade de uma milha náutica por hora, ou 1852 metros por hora e 33 nós equivalem a 61 quilômetros por hora.

(8*) A velocidade de uma caravela é 12 nós e a dos catamarãs Rio-Niterói é 18 nós. Há uma repetida implicância do redator com o sistema de navegação da Baía da Guanabara, que insiste em colocar o palavreado mais agressivo na boca do Dieckmann.

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