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quarta-feira, 24 de abril de 2013

2365 - o pai dos inventores 2


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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4165                                   Data:  06 de  Abril de 2013
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85ª VISITA À MINHA CASA
2ª PARTE

-Você foi para Paris terminar seus estudos de direito?
-Meu pai assim exigia, mas a minha mãe, que me entendia, me indicou os salões literários, como o da sua amiga Madame Barrère.
-Chegou, em 1848, quando Paris era um caldeirão revolucionário.
-Sim, Luís Felipe I foi deposto, em fevereiro e fugiu. Formou-se um novo governo. O estabelecimento da Segunda República Francesa não esfriou os ânimos. Ergueram barricadas e o governo enviou Louis-Eugène Cavaignac para esmagar a rebelião. Viajei para Paris dias antes da eleição de Louis-Napoleón  Bonaparte como primeiro Presidente da República.
-Três anos depois, ele daria um golpe de estado para restabelecer o Segundo Império e seria chamado por Victor Hugo de “Le Petit”, em contraste com seu tio: Napoleón Bonaparte, “Le Grand”.
-Você citou Victor Hugo, eu li todas as suas peças teatrais, como as de Alexandre Dumas, Alfred de Vigny, Alfred de Musset, sem falar em Shakespeare e Molière, cujas estatuetas me acompanhavam no escritório em que  eu trabalhava.
-Nesse período da sua vida, quem o influenciou mais?
-Victor Hugo; eu lia e relia suas obras. Era capaz de recitar de cor páginas e mais páginas do “Notre Dame de Paris”.
-”O Corcunda de Notre Dame,” - interferi para citar o nome em que esse romance é mais conhecido, por causa do cinema.
-Sob a influência das peças dramáticas de Victor Hugo, escrevi febrilmente tragédias, comédias e até novelas.
-E a sua família em Nantes?
-Escrevia cartas aos meus pais sobre as minhas despesas e necessidade de dinheiro. Também lhes informava sobre umas intermitentes cãibras estomacais de que passei a sofrer e que me acompanharam por toda a vida.
-Talvez fosse hérnia inguinal, sofri de dor parecida até ser operado.
-Falaram que eu sofria de colite; não sei. O certo é que meus ascendentes maternos sofreram de dores parecidas. Para me incomodar mais ainda, tive uma paralisia facial, elas foram quatro durante a minha vida.  Parece que essas paralisias tinham origem numa inflamação no meu ouvido médio.
-Mas com todos esses achaques da mocidade, você foi lembrado para o serviço militar.
-Para o meu grande alívio, houve um sorteio e eu tive a sorte de escapar.  Eu escrevi para o meu pai, que via o soldado como um criado de libré. Sempre nutri o sentimento antibelicista, para o desgosto do meu pai,
-Preferia escrever proficuamente e frequentar os salões literários. - concluí e acrescentei:
-Conseguiu tempo para estudar?
-Consegui, não podia decepcionar meu pai. Graduei-me em 1851.
-Foi o ano em que você conheceu Alexandre Dumas?
-Conheci pai e filho dois anos antes. Tornei-me amigo dos dois e mostrei ao jovem Dumas o manuscrito de uma comédia teatral, “As Palhas Quebradas”. Ele revisou a peça comigo, falou com o pai, e ela entrou em cartaz na Ópera Nacional do Teatro Histórico de Paris.
-Em seguida, você se encontrou com um amigo escritor de Nantes.
-“Pitre-Chevalier” era o editor-chefe da revista “Museu da Família”. Ele publicou duas histórias curtas minhas: “Os Primeiros Navios da Marinha Mexicana” e “Uma Viagem num Balão”. Hetzel, quando as reeditou, fez-me mudar os nomes para “Um Drama no México” e “Um Drama no Ar”.
-Você já conhecia Hetzel, que teve uma importância fundamental na sua atividade intelectual, Jules Verne?
-Ainda não. Conheci, antes, Jules Seveste, diretor do Teatro Histórico, através de Alexandre Dumas Filho. Ele me ofereceu um emprego não remunerado de secretário do teatro e eu aceitei na esperança de ver as minhas peças encenadas, algumas delas escritas em parceria com Michel Carré.
-E o seu pai? O que ele dizia lá de Nantes?
-Ele me aconselhava, por cartas, a abandonar a vida artística e partir para carreira de advogado. Eu replicava, garantindo-lhe que alcançaria o sucesso literário.
-Sei que você não o convenceu.
-Ele me ofereceu a própria clientela em Nantes. Ele insistia de um lado e eu do outro. Afirmei que sabia o que eu era e que tinha conhecimentos para realizar o meu objetivo.
-Sua mãe, embora visse com bons olhos a sua vocação literária, ficava quieta.
-Sim, porque uma mulher, na época, não contrariava o marido.
-Mas a sua formação de escritor que inauguraria a ficção científica como gênero literário ainda não amadurecera.
-Eu passava horas e mais horas na Biblioteca Nacional das França lendo vorazmente livros de ciência e me inteirando das últimas descobertas, mormente no campo geográfico.
-Posso dizer que todo o mundo sabe o quanto aprendeu nessas leituras, pois você é o autor mais traduzido depois da Agatha Christie.
-Importantíssimo para mim, também, foi conhecer o geógrafo e explorador Jacques Arago. Ele estava cego desde 1837 e tornamo-nos grandes amigos. Eu desfrutava as suas narrativas inovadoras e espirituosas das viagens que realizou.
-Essas narrativas dariam um livro e tanto. - concluí.
-Vários livros. - enfatizou.
-E a revista “Museu da Família”?
-Em 1852, enviei para a revista duas novas obras: “Martin Paz”, uma novela desenrolada em Lima, e uma peça de um ato com vários nomes, um deles é “Pedras que rolam não criam musgos.”
-E conseguia ganhar a vida nesse início de carreira?
-Nada! Tive de trabalhar como corretor de ações.
Como o pintor Gaugin. - pensei sem me manifestar.
-O dinheiro que ganhei não foi mal, mas fosse ótimo, que eu não me desviaria da trilha de autor literário. - ressaltou como se o pai fosse o seu interlocutor.
-E o coração do homem que viveu dois amores contrariados?
-Conheci Honorine de Viane Morel, viúva com duas filhas. Casamos em 1857.
-E como ela via a sua vocação para escritor?
-Incentivava-me. Michel nasceu em 1861.
-Você ficou radiante.
-Ele chorava muito, irritava-me, pois eu precisava de concentração para escrever. Honorine, nessas horas, levava-o para longe do meu casulo, o local onde eu trabalhava.
-Michel foi um filho para lá de problemático.
-Casou com uma atriz contra o desejo meu e da mãe, Teve dois filhos, afundou-se em dívidas que eu tive de saldar.
Depois de um profundo suspiro, pediu:
-Mas vamos falar, por enquanto, de bons assuntos.
-Você se encontrou com Pierre-Jules Hetzel, e a sua situação começou a melhorar.
-Hetzel era editor de Balzac, de Victor Hugo, de Émile Zola, de George Sand, de Erckmann-Chatrian. Eu só podia ficar envaidecido em estar incluído nessa plêiade de escritores.





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