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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4165 Data: 06 de
Abril de 2013
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85ª VISITA À MINHA CASA
2ª PARTE
-Você foi para Paris terminar seus
estudos de direito?
-Meu pai assim exigia, mas a minha mãe,
que me entendia, me indicou os salões literários, como o da sua amiga Madame
Barrère.
-Chegou, em 1848, quando Paris era um
caldeirão revolucionário.
-Sim, Luís Felipe I foi deposto, em
fevereiro e fugiu. Formou-se um novo governo. O estabelecimento da Segunda
República Francesa não esfriou os ânimos. Ergueram barricadas e o governo
enviou Louis-Eugène Cavaignac para esmagar a rebelião. Viajei para Paris dias
antes da eleição de Louis-Napoleón
Bonaparte como primeiro Presidente da República.
-Três anos depois, ele daria um golpe
de estado para restabelecer o Segundo Império e seria chamado por Victor Hugo
de “Le Petit”, em contraste com seu tio: Napoleón Bonaparte, “Le Grand”.
-Você citou Victor Hugo, eu li todas as
suas peças teatrais, como as de Alexandre Dumas, Alfred de Vigny, Alfred de
Musset, sem falar em Shakespeare e Molière, cujas estatuetas me acompanhavam no
escritório em que eu trabalhava.
-Nesse período da sua vida, quem o
influenciou mais?
-Victor Hugo; eu lia e relia suas
obras. Era capaz de recitar de cor páginas e mais páginas do “Notre Dame de
Paris”.
-”O Corcunda de Notre Dame,” -
interferi para citar o nome em que esse romance é mais conhecido, por causa do
cinema.
-Sob a influência das peças dramáticas
de Victor Hugo, escrevi febrilmente tragédias, comédias e até novelas.
-E a sua família em Nantes?
-Escrevia cartas aos meus pais sobre as
minhas despesas e necessidade de dinheiro. Também lhes informava sobre umas
intermitentes cãibras estomacais de que passei a sofrer e que me acompanharam
por toda a vida.
-Talvez fosse hérnia inguinal, sofri de
dor parecida até ser operado.
-Falaram que eu sofria de colite; não
sei. O certo é que meus ascendentes maternos sofreram de dores parecidas. Para
me incomodar mais ainda, tive uma paralisia facial, elas foram quatro durante a
minha vida. Parece que essas paralisias
tinham origem numa inflamação no meu ouvido médio.
-Mas com todos esses achaques da
mocidade, você foi lembrado para o serviço militar.
-Para o meu grande alívio, houve um
sorteio e eu tive a sorte de escapar. Eu
escrevi para o meu pai, que via o soldado como um criado de libré. Sempre nutri
o sentimento antibelicista, para o desgosto do meu pai,
-Preferia escrever proficuamente e
frequentar os salões literários. - concluí e acrescentei:
-Conseguiu tempo para estudar?
-Consegui, não podia decepcionar meu
pai. Graduei-me em 1851.
-Foi o ano em que você conheceu
Alexandre Dumas?
-Conheci pai e filho dois anos antes.
Tornei-me amigo dos dois e mostrei ao jovem Dumas o manuscrito de uma comédia
teatral, “As Palhas Quebradas”. Ele revisou a peça comigo, falou com o pai, e
ela entrou em cartaz na Ópera Nacional do Teatro Histórico de Paris.
-Em seguida, você se encontrou com um
amigo escritor de Nantes.
-“Pitre-Chevalier” era o editor-chefe
da revista “Museu da Família”. Ele publicou duas histórias curtas minhas: “Os
Primeiros Navios da Marinha Mexicana” e “Uma Viagem num Balão”. Hetzel, quando
as reeditou, fez-me mudar os nomes para “Um Drama no México” e “Um Drama no
Ar”.
-Você já conhecia Hetzel, que teve uma
importância fundamental na sua atividade intelectual, Jules Verne?
-Ainda não. Conheci, antes, Jules
Seveste, diretor do Teatro Histórico, através de Alexandre Dumas Filho. Ele me
ofereceu um emprego não remunerado de secretário do teatro e eu aceitei na
esperança de ver as minhas peças encenadas, algumas delas escritas em parceria
com Michel Carré.
-E o seu pai? O que ele dizia lá de
Nantes?
-Ele me aconselhava, por cartas, a
abandonar a vida artística e partir para carreira de advogado. Eu replicava, garantindo-lhe
que alcançaria o sucesso literário.
-Sei que você não o convenceu.
-Ele me ofereceu a própria clientela em Nantes. Ele insistia
de um lado e eu do outro. Afirmei que sabia o que eu era e que tinha
conhecimentos para realizar o meu objetivo.
-Sua mãe, embora visse com bons olhos a
sua vocação literária, ficava quieta.
-Sim, porque uma mulher, na época, não
contrariava o marido.
-Mas a sua formação de escritor que
inauguraria a ficção científica como gênero literário ainda não amadurecera.
-Eu passava horas e mais horas na
Biblioteca Nacional das França lendo vorazmente livros de ciência e me
inteirando das últimas descobertas, mormente no campo geográfico.
-Posso dizer que todo o mundo sabe o
quanto aprendeu nessas leituras, pois você é o autor mais traduzido depois da
Agatha Christie.
-Importantíssimo para mim, também, foi
conhecer o geógrafo e explorador Jacques Arago. Ele estava cego desde 1837 e
tornamo-nos grandes amigos. Eu desfrutava as suas narrativas inovadoras e
espirituosas das viagens que realizou.
-Essas narrativas dariam um livro e
tanto. - concluí.
-Vários livros. - enfatizou.
-E a revista “Museu da Família”?
-Em 1852, enviei para a revista duas
novas obras: “Martin Paz”, uma novela desenrolada em Lima, e uma peça de um ato
com vários nomes, um deles é “Pedras que rolam não criam musgos.”
-E conseguia ganhar a vida nesse início
de carreira?
-Nada! Tive de trabalhar como corretor
de ações.
Como o pintor Gaugin. - pensei sem me
manifestar.
-O dinheiro que ganhei não foi mal, mas
fosse ótimo, que eu não me desviaria da trilha de autor literário. - ressaltou
como se o pai fosse o seu interlocutor.
-E o coração do homem que viveu dois
amores contrariados?
-Conheci Honorine de Viane Morel, viúva
com duas filhas. Casamos em 1857.
-E como ela via a sua vocação para
escritor?
-Incentivava-me. Michel nasceu em 1861.
-Você ficou radiante.
-Ele chorava muito, irritava-me, pois
eu precisava de concentração para escrever. Honorine, nessas horas, levava-o
para longe do meu casulo, o local onde eu trabalhava.
-Michel foi um filho para lá de
problemático.
-Casou com uma atriz contra o desejo
meu e da mãe, Teve dois filhos, afundou-se em dívidas que eu tive de saldar.
Depois de um profundo suspiro, pediu:
-Mas vamos falar, por enquanto, de bons
assuntos.
-Você se encontrou com Pierre-Jules
Hetzel, e a sua situação começou a melhorar.
-Hetzel era editor de Balzac, de Victor
Hugo, de Émile Zola, de George Sand, de Erckmann-Chatrian. Eu só podia ficar
envaidecido em estar incluído nessa plêiade de escritores.
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