----------------------------------------------------------------------
O BISCOITO
MOLHADO
Edição 4154 Data: 22 de
Março de 2013
-----------------------------------------------------------------------
84ª VISITA À MINHA CASA
2ª PARTE
-Você já obtivera a sua
formação jurídica?
-Sim, mas o estudo das leis
não era para mim.
-Como Goethe.
-Se você insiste na
comparação...
-Hoffmann, você transitou bem
na sociedade polonesa?
-Passei os melhores anos da
minha vida na Polônia prussiana. Encontrei lá a atmosfera que vivi em Berlim.
-Encontrou velhos amigos e se
deu muito bem com o colega jurista, Hitzig, que seria seu biógrafo.
-Hitzig ampliou meu horizonte
cultural, pois pertencia ao Nordstern, grupo literário de Berlim. Ele me
mostrou as obras de Novalis, Calderon, Gotthilf, Carlo Cozzi e outros.
Transitei, também, num círculo admirável de intelectuais.
-Mas não há bem que sempre
dure, ainda mais nos primeiros anos do século XVIII.
De fato. Em novembro de 1806,
durante a Guerra da Quarta Coalizão, as tropas de Napoleão tomaram Varsóvia e
os burocratas prussianos como eu perderam o emprego. Em janeiro de 1807, minha
mulher, com nossa filha de dois anos, voltou para Posen, enquanto eu intentava
ir a Viena ou a Berlim. Caí doente, o que atrasou as coisas, As autoridades
francesas me recusaram o passaporte para Viena, fui para Berlim, mas visitei,
antes, minha pequena família em Posen.
-Em Berlim, você estava
resolvido a promover a sua carreira de escritor e de músico?
-Estava, mas a má sorte me
perseguia. Com a cidade ocupada pelos franceses, meu dinheiro era escasso;
tive, então, de recorrer aos amigos. Eles não me recusavam os empréstimos,
apesar de a situação financeira deles não ser das melhores. Passei fome e soube
que a minha filha tinha morrido.
-Mas o infortúnio não secou a
sua fonte de inspiração.
-Compus “Seis Cânticos para
Coro a Capela”, que me consolou.
-Consideram uma das suas
melhores composições.
-Em 1º de setembro de 1808,
fui para Bamberg, com minha mulher, onde consegui o emprego de administrador de
teatro. Tentei melhorar o padrão das encenações, provoquei enciumadas, vieram
as intrigas e eu fiquei sem emprego.
-E o que fez?
-Consegui o cargo de crítico
musical de um periódico de Leipzig, Allgemeine Musikalische Zeitung.
-Nos seus artigos, você
divulgou a genialidade de Beethoven.
-Fiquei extasiado,
principalmente, com a sua Quinta Sinfonia.
-Nessas suas páginas, o seu
personagem “Kapellmeister Johannes Kreisler” faz sua primeira aparição.
-Eu madurava o personagem.
-Hoffmann, a sua grande
virada aconteceu em 1809, com a publicação de Ritter Gluck, a história
de um homem que acredita ter encontrado o compositor Gluck, morto há vinte
anos. É uma das suas histórias fantásticas que exerceriam grande influência na
literatura universal; Edgar Alan Poe que o diga.
-Não se esqueça que Jean Paul
já abrira esse caminho e eu continuei.
-Nessa obra, você acrescentou
um A ao seu nome.
- A de Amadeus, uma
reverência minha ao gênio de Mozart. Passei a me chamar Ernst Theodor Amadeus
Hoffmann; troquei o Wilhelm por Amadeus.
-No ano seguinte, você
trabalhou no Teatro de Bamberg, como decorador e autor de peças a serem
encenadas.
-E ainda dava aulas de
música.
-Foi quando você se apaixonou
por uma das suas jovens alunas?
-A graciosa Julia Marc. Mas a
mãe dela entrou em cena e acabou com tudo.
-Profissionalmente, as coisas
pareciam melhorar para você quando, em abril de 1813, Joseph Seconda lhe
ofereceu o cargo de diretor musical da companhia de ópera em Dresden.
-Com a deflagração da Guerra
da Sexta Coalizão, as barreiras cresceram à minha frente.
-O império napoleônico
começou a sangrar depois da desastrada campanha na Rússia e os seus
adversários, sentindo cheiro de sangue, atacaram. - comentei.
-O caminho de Leipzig a
Dresden foi interrompido pela bombardeamento das pontes. Supliquei por carta
a Joseph Seconda que me enviasse um
adiantamento em dinheiro. O meu bálsamo foi reencontrar Hippel, depois de nove
anos afastados um do outro.
-A guerra, no entanto,
prosseguia.
-Eu vagava pelos campos
ensaguentados com a curiosidade de artista. Numa viagem de carruagem, houve um
acidente em que a minha esposa saiu ferida e um passageiro morreu.
-Mas você conseguiu dar
início ao seu trabalho com a orquestra de
Joseph Seconda.
-Era uma orquestra da melhor
qualidade. Houve um armistício, o que nos permitiu retornar para Dresden. Com o
fim do armistício, recrudesceu a Batalha de Dresden. A cidade foi bombardeada e
muitos morreram. A cidade se rendeu em novembro e a companhia viajou para
Leipzig no mês seguinte. Porém, a minha boa relação com Seconda não durou muito e larguei tudo.
Então, surgiu Hippel, que me reconduziu para a carreira de jurista.
-A derrota de Napoleão, na
Europa, que trouxe como consequência o seu exílio na Ilha de Elba, não acalmou
as coisas?
-Sai Napoleão e entra
Metternich. - disse em voz soturna.
Depois de uma pausa,
prosseguiu:
-Com Napoleão derrotado, fui
para Berlim e consegui trabalho na Kammergericht. Foi quando a minha ópera Undine foi
encenada no Teatro de Berlim.
-As publicações diziam que o
seu padrão de qualidade caía, mas foi esse o período das suas melhores obras. -
observei.
-Não devemos levar todos a
sério. - sorriu.
-A situação polícia
continuava má. O Príncipe Klemens Wenzel
von Metternich liderou uma cruzada anti-liberal, prendendo centenas de pessoas
como traidoras por causa das suas opiniões, vigiando as palestras dos professores.
E você também era visto com suspeição.
-Isso, na Áustria, na Prússia
a situação não era melhor. O Rei Frederico Guilherme III tomava medidas ainda
mais duras contra aqueles que não comungavam com o seu ideário.
-Quando você transformou o
Comissário Kamptz na sua obra literária Meister Floh, a censura
prussiana foi em cima de você.
- Meister Floh foi publicada, mas com
as passagens que ridicularizavam o
Comissário Kamptz retiradas.
-E a sua saúde?
-Piorou. Eu abusava do álcool
e a sífilis se apoderava de mim. Senti fraqueza nos braços e nas pernas e
fiquei paralítico. Minhas últimas obras foram ditadas para a minha mulher e uma
secretária.
-Você morreu com 46 anos de
idade.
-Eu ainda tinha muitas ideias para pôr no papel. - lamentou.
-No seu túmulo, lê-se: E.T.W.
Hoffmann, nascido em 24 de janeiro de 1776, em Königsberg, morto em 25 de junho
de 1822, em Berlim. Conselheiro da Corte de Justiça, excelente no seu ofício,
como poeta, músico, pintor; epitáfio dedicado por seus amigos.
E Hoffmann se foi.
Nenhum comentário:
Postar um comentário