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quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

2103 - táxi novo na parada

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 3903 Data: 18 de fevereiro de 2012

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OS TAXISTAS, ANTES DO CARNAVAL

A viagem do metrô em que fui espremido da cabeça aos pés não me tirou o humor.

-Se não fosse o meu curso de sobrevivência na selva, eu já teria desistido do metrô. - declarei ao entrar no táxi do Bob Esponja.

-Eu só pego o metrô quando saio no Bola Preta.

-Escutei, nas minhas caminhadas, que o Bola Preta não sairia hoje porque a greve dos policiais da Bahia se alastrou para o Rio de Janeiro.

-A coisa ficou feia para os baianos, para nós, não. A polícia garantiu proteger os foliões e o Bola Preta resolveu colocar o bloco na rua.

-E você vai?

-Não, tenho de trabalhar; sairei no sábado. No carnaval ...

Nesse instante, o seu celular o interrompe. Tira-o do bolso, lê alguma coisa no visor e o coloca de onde o sacou.

-Elas não largam... Mas a gente faz bem feito... - disse voltando-se para mim com as mãos no volante do carro.

Mesmo sem entender o sentido das suas palavras, percebi que exaltava a própria virilidade. Nada falei, e ele prosseguiu:

-Tenho conseguido algumas mulheres pela internet. Você troca umas mensagens durante uns cinco dias e quando conhece a mulher, pessoalmente, ela o trata como você se relacionasse com ela há décadas.

-Tenho uns conhecidos que também procuram mulheres pela internet.

Não lhe disse que eram justamente os motoristas e os mensageiros do meu trabalho para não lhe tirar o penacho de conquistador.

Bob Esponja reatou logo a sua oratória, pois não possuía a paciência dos ouvintes.

-Uma dessas donas, mal foi apresentada a mim, pois até então tudo era virtual, me chamou para ir a casa dela. “Você está louca!”.

Apesar da ênfase da reação do Bob Esponja diante de tal proposta, ele a aceitou.

-Eu não queria que o filho dela, um garoto de uns dez anos, me visse de chinelo pela casa na hora do café da manhã. Acordei às 3 horas da manhã, tomei um banho, vesti-me, despedi-me da fulana e saí.

Como eu não estava interessado na vida sexual do Bob Esponja, mantive-me calado.

-Não fui para casa, aproveitei que estava desperto e resolvi dar início ao meu trabalho no táxi às 3 e meia da manhã.

E concluiu, já na Rua Modigliani.

-Quando elas dão de telefonar muito é porque estão se apaixonando, então, eu passo para outra mulher. Afinal, eu tenho a minha noiva.

Saltei do táxi do Bob Esponja pensando na Rosa Grieco, que me sugeriu mostrar as mulheres nuas do Modigliani para os taxistas, assim, segundo ela, eles compareceriam na exposição do pintor italiano no Museu Nacional de Belas Artes.

No dia subsequente, entrei no táxi de um motorista que, apesar de pertencer à cooperativa Metrô Táxi, eu nunca vira antes.

-Rua Modigliani, na Praça Manet.

-Praça Manet. - repetiu abrindo o “e” e mantendo o “t” mudo, transformando assim o pintor de Déjeuner sur l' Herbe em Mané.

Como não era um velho conhecido, recorri à minha economia verbal. Ele, por outro lado, parecia atento ao rádio da central da cooperativa. Quando ele dobrou à esquerda, evitando subir toda a Rua Domingo de Magalhães, quebrei o silêncio.

-Aquele cruzamento da Domingo de Magalhães com a Miranda Vale e a Conde de Azambuja, lá em cima, é muito perigoso.

-Perigoso demais, eu sempre evito quando posso. Já vi um carro ser arrebentado lá, porque as pessoas não tiram o pé...

-Deveria ser mão inglesa ali. Um quebra-molas também é necessário.

-O quebra-molas diminuiria o número de acidentes. - concordou ele.

-A maioria dos seus colegas dobra à esquerda, como você fez, mas outros encaram o cruzamento. Eu não falo nada, pois estão com pressa, sem que eu saiba, e por isso sobem toda a Domingo de Magalhães.

-Um dia, uma passageira ordenou: “Sobe, sobe, não vai para a esquerda, não; e eu tive de obedecer.

-Ela economizou o quê?... 50 centavos?...- ironizei.

A corrida se encerrou com ele, seguindo minha orientação, descendo a Rua Sisley, dobrando à direita, na Rua Modigliani e parando no segundo poste.

No dia que se seguiu, o táxi que me aguardava era do Flamenguista. Nós nos saudamos e, o que era de acontecer com ele, falamos de futebol, embora por vias indiretas.

-Você viu esse menino de 14 anos que morreu jogando bola num centro de treinamento do Vasco da Gama?- perguntei.

-Uma barbaridade. - reagiu.

-O garoto, chamado pelo Vasco, prometeu aos pais, em Minas Gerais, que agarraria a sua chance com unhas e dentes, e viajou.

-Esses garotos que vêm de longe tentar a sorte são, geralmente, pobres, mal alimentados. - interveio.

-No centro de treinamento do Vasco, não lhe deram um sanduíche para comer. Ele foi jogado no campo para correr atrás da bola.

-Correr atrás da bola debaixo de um sol de 40 graus. - lembrou.

-Você assistiu a final da Copinha de São Paulo, para jogadores juvenis, no dia do aniversário da cidade?

-Não assisti porque estava trabalhando, mas sei que o jogo começou às 9 horas da manhã.

-São garotos que estão na vitrine para ser vistos por dirigentes, empresários. É a grande oportunidade de eles alcançarem dinheiro e celebridade, então, eles correm pelo campo como uns desesperados, mesmo que o calor atinja 50 graus.

-É isso mesmo. - concordou.

-Esse menino de 14 anos morreu porque o desrespeito pela vida dele ainda foi maior. - afirmei.

-Eu soube que ele chegou com um atestado médico, mas que não havia ninguém no Vasco para avaliá-lo.

-Eu ouvi a entrevista de um profissional de medicina esportiva e ele afirmou que sempre haverá um médico para dar um atestado para uma pessoa sem avaliar a sua saúde, como se deve. Também afirmou que a inexistência de atendimento médico adequado acontece no centro de treinamento do Vasco e de quaisquer outros clubes brasileiros.

-Isso é verdade – interrompeu-me e frisou:

-Os clubes não têm dinheiro para pagar seus jogadores, o que falar em investimentos na saúde dos jogadores do futebol de base?

-Nesse caso, não compraram nem cachorros quentes para a molecada enganar o estômago. - declarei, enquanto ele parava o táxi na Rua Modigliani.

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