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quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 3895 Data: 31 de janeiro de 2012

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VARANDÃO DA SAUDADE

Na página social do Globo, apareceu o administrador de empresas Gil Ferreira, trajado de tirolês, quando era pequerrucho, lembrando que, no tórrido carnaval de 1951, o pai dele parou para beber uma cerveja, enquanto ele e a mãe tomavam hidrolitol.

Apesar de, no início da década de 50, me fantasiarem de chinês e, segundo minha mãe, eu ter alcançado tamanho sucesso que cheguei a ser filmado, não me recordo do hidrolitol.

Não faz muito tempo, o decano dos nossos colegas de trabalho citou essa bebida e foi chamado de último sobrevivente dos dinossauros. Uma hora depois, quando as brincadeiras cessaram, acerquei-me dele e perguntei sobre o hidrolitol.

-Carlinhos, era uma bebida carbonatada, que refrescava muito.

Como eu aprendia muito com ele, não o deixava sem perguntas:

-Você começou a trabalhar muito cedo...

-Com treze anos de idade.

-Pegou, então, a época anterior a Xerox.

-Carlinhos, nós usávamos como copiadora, o forninho.

E ele explicava o funcionamento da geringonça, que esquentava muito, daí o nome, enquanto eu queria saber, depois, de algum semelhança com o mimeógrafo, patenteado por Thomas Edison.

-O mimeógrafo fedia muito a álcool. - criticou.

-Trabalhei no Jornal do Brasil, como estagiário, lidando com os anunciantes das sete principais rádios do Rio de Janeiro, impressos em papel mimeografado. Antes de ir para casa, tinha de me lavar no banheiro para tirar a tinta que passava para os meus braços. - lembrei.

-O forninho era melhor que o mimeógrafo. - garantiu,

-E os cinemas do seu tempo de garoto?

-Ali na Rua da Carioca, onde hoje é a Sapataria Polar, ficava o Cine Ideal. Era o único cinema do Brasil, talvez da América Latina, que abria o teto e o céu se descortinava todo para nós. Era bom pra fumar.

-Eu li que o Cine Ideal foi frequentado pelo Ruy Barbosa que, aliás, era um cinéfilo. - aparteei.

-Deve ter sido, porque ele foi inaugurado em 1909 e durou até 1961.

-Tenho certeza que Ruy Barbosa o frequentava. Ele escreveu páginas de exaltação ao cinema, que o fazia conhecer lugares onde fisicamente ele não poderia estar. - insisti.

-E o Colubiazol, Carlinhos? Você ainda se lembra?

-Ainda usam, hoje, como spray, mas como era antigamente... - estremeci, mas continuei:

-Quando eu apresentava um probleminha na garganta, e a minha mãe se aproximava de mim com o dedão vermelho...

-Você quer dizer, Carlinhos, que a sua mãe envolvia o dedo indicador de algodão e, em seguida, o encharcava de Colubiazol?

-E dizia que ia pincelar minha garganta. Eu trincava os dentes, mas ela abria a minha boca... Meu pai usava tamancos, mas ela não recorria às tamancadas. Depois de me pincelar a goela, eu tossia e fazia um escarcéu dos diabos.

-Era incômodo, mesmo. - concordou.

-Dia desses, perguntei à minha mãe sobre o Colubiazol, e ela relembrou um problema que esse remédio lhe provocou quando o usou em si mesma, em spray. Ela repreendeu duramente o médico que o receitou.

-Mas o hidrolitol é do seu tempo, também, Carlinhos, você tem certeza que não conhece?

-Você falou que refrescava, e eu, quando saía do Manoel Bomfim, onde estudei dos 7 aos 11 anos, mitigava o calor com o sorvete Jajá de Coco.

-Uma vez, o Luís Fernando Veríssimo escreveu que chupava Jajá de Maracujá, os leitores disseram que ele estava errado, mas apareceram outros leitores do Globo afirmando que existiu Jajá de Maracujá. Estão doidos. - exaltou-se.

-Quando não havia Jajá de Coco, eu poderia optar pelo sorvete de maracujá, de abacaxi e de limão.

-O sorvete de abacaxi era o Kalu e o de Limão, o Tombon - esclareceu.

-Sem falar no Chicabon e no Eskibon.

-Eskibon era mais caro. - assinalou.

Quando não eram os sorvetes, no meu tempo de primário, eram algodão doce e pipoca, as guloseimas. Nunca gostei de pipoca salgada, só a que chamavam de pipoca de mel. Não fui também atraído pelo algodão doce, parecia que eu estava comendo a barba do Papai Noel.

-Eu não gostava também.

No ginásio, eu me tornei mais independente, ou seja, o dinheiro saía do meu bolso, antes, saía da bolsa da minha mãe, com exceção dos sábados, quando meu pai me buscava da escola.

-E o que você bebia no tempo do ginásio?

-Na cantina do Visconde de Cairu, eu pedia Grapete ou Crush.

-Hidrolitol não se vendia em cantina de escola. - disse ele.

-Eu tinha lido sobre essa bebida, anos atrás, numa crônica do Ivan Lessa. - esclareci.

-Você lembra, Carlinhos, quando lançaram o Vakamoto no Brasil?

-Como eu vou esquecer?!... Eram as pílulas que nos deixariam saudáveis como um touro.

-Ainda bem que não era um tônico como o que o Bolinha da Luluzinha tinha de engolir.

-Era a época da recuperação do Japão, do milagre econômico deles, então tudo que vinha de lá repercutia como maravilhoso.

-E você se sentia melhor com Vakamoto, Carlinhos?

-Eu me sentia melhor mesmo depois de assistir a um filme, no cinema. Parecia que eu, sim, dei porrada nos bandidos, matei os índios, beijei a noiva. Eu saía do cinema energizado. Com Vakamoto, devo ter tomado umas trinta pílulas, não sentia alteração alguma, creio que aquilo era placebo.

-E o radinho de pilha?

-O primeiro que eu vi foi um Spica. O marido da irmã mais nova da minha mãe apareceu com um, na casa da minha avó, quando era noivo. Fiquei tão fascinado com aquele radinho, que nos acompanhava para todo lugar que, muitas vezes, atrapalhei o noivado dos meus tios.

-Ele tinha de se decidir: ou largava o radinho, ou largava a sua tia. - foi meu amigo solidário comigo.

-Penso que ele tinha medo de eu deixar o Spica cair no chão, se ficasse aos meus cuidados.

-E a sandália de dedo japonesa? - perguntou.

-As coisas do Japão eram uma febre mesmo, naquela época. - comentei.

-Você usou as sandálias japonesas, quando apareceram aqui?

-Apesar de eu só ter treze anos de idade, já tinha visto a ópera Madame Butterfly e ela usava aquelas sandálias. Então, eu disse que tais sandálias não eram coisa de homem, que eu jamais as usaria na minha vida. Mudei de opinião logo: eram bem melhores que os tamancos calçados por meu pai.

Como as tarefas do dia exigiam a nossa presença, demos a nossa conversa por encerrada.

3 comentários:

  1. Alguém por favor, poderia conseguir a fórmula do hidrolitol? Ou será que é algo parecido com a fórmula da coca-cola?
    Fiquei curioso...

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    Respostas
    1. Era uma mistura de bicarbonato de sódio e ácido tartárico...

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  2. ... e a fórmula do Hidrolitol? Qual é? Alguém lembra?

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