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terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

2102 - súplicas repelidas

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 3902 Edição 17 de fevereiro de 2012

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COMENTÁRIOS SOBRE AS EDIÇÕES PASSADAS

PARTE II

Registrei na edição do Biscoito Molhado sobre o almoço no Adegão Português que o sommelier Dieckmann (*) aplaudiria o Elio Fischberg, que pediu vinho branco, mas não o Luca, que preferiu o tinto. Mal nosso jornalzinho chegou às mãos da Rosa Grieco, ela manuscreveu o que se segue:

“... no 3890 (número da edição) o comentário sobre vinhos brancos para os “poissons” (peixes), lembro que há uma honrosa exceção para o bacalhau que os pede tintos. Uma escolada Embaixadora com feijoada servia vinho verde. Isso é o que se aprende nas Embaixadas, incluindo aulas para comer banana de garfo e faca.”

Apesar de a Rosa já ter revelado que só bebe vinho do Porto e Jerez, ela já encerrou diversos comentários com a saudação “Evoé”, o que nos leva a pressupor que ela entende do assunto; assim, o Departamento de Pesquisas do Biscoito Molhado saiu em campo.

Descobriram os nossos pesquisadores que os portugueses afirmam enfaticamente: “bacalhau não é peixe nem carne, bacalhau é bacalhau.” Isso posto, ao se escolher o vinho para acompanhar as bacalhoadas, não devemos aplicar as regras clássicas, devido às suas características exclusivas e porque a escolha depende do modo como o prato é preparado.

Eça de Queirós que, como Alexandre Dumas, também entendia profundamente de arte culinária, redigiu o seguinte trecho que se acha no livro “Comer e Beber Bem com Eça de Queirós:

“Em Portugal é tradicional acompanhar os pratos de bacalhau com vinho tinto. Este “casamento” feliz explica-se pela ação do tipo de vinho tinto de sabores frutados presentes nos vinhos tintos tantos que, dando-nos uma sensação gustativa indireta da doçura, amenizam o gosto “oposto” salgado do bacalhau.”

“Para receitas mais condimentadas de bacalhau, é também vantajosa a existência dos aromas que se formam durante o envelhecimento em garrafa, que se ligam com outros temperos. (...) vinhos alentejanos de boa estrutura e com um envelhecimento curto em garrafa apresentam estas características.”

Longe de toda essa polêmica vinícola, eu pedi, no Adegão Português, sob um calor de 40º C, para acompanhar a bacalhoada, uma cerveja bem gelada.

Antes de passarmos para outra edição do Biscoito Molhado, um esclarecimento aos leitores que não identificaram os comensais chamados de Bem Apanhado e Apolíneo. Segundo a Rosa, Bem Apanhado é o Fischberg, pela sua exuberante cabeleira grisalha, e Apolíneo é o Luca, que possui o corpo dos gregos do tempo da guerra do Peloponeso.

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Continuando com a caçulinha do implacável crítico literário, Agrippino Grieco, ela fez a seguinte anotação sobre o mais recente Biscoito Molhado das minhas reminiscências:

“No 3895, o comentário sobre algodão doce parecer barba de Papai Noel encaixa no que é chamado em francês: “Barbe à papa”, um bão gaúcho o chamava de “Cabelo de fada”.

O gaúcho foi mais poético, os franceses, mais realistas; de qualquer maneira, fiquei em boa companhia.

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Um leitor reportou-se a alguns diálogos que antecediam o Sabadoido sobre os Kennedy, quando eu falava que, mesmo velho, o patriarca da família era surpreendido pela mulher, Rose, beijando a secretária, a jovem Michelle e indaga se a mãe do presidente dos Estados Unidos sempre foi submissa.

Resposta: Rose Kennedy soube esperar.

A submissão dela diante do marido atingiu o grau mais elevado quando Joseph Kennedy mandou lobotomizar a sua filha, Rosemary, sem consultar a esposa. Rosemary nasceu com distúrbios mentais, tinha rompantes de agressividade e foi internada num hospital. Crescida, demonstrando atração pelo sexo oposto e, vez ou outra, fugindo do hospital, preocupou sobremaneira o seu pai: uma gravidez causaria um escândalo que repercutiria nas ambições políticas dos Kennedy (Escândalo?!... Seria cômico, se não fosse trágico).

Rose Kennedy sofreu muito em ver a filha transformada em zumbi, mas suportou o golpe.

Muitos anos depois, quando o filho presidente, John Kennedy e o filho procurador-geral da República, Robert Kennedy, impedem o pai de agir por eles, este sofre um derrame cerebral, perdendo a fala e ficando entrevado numa cadeira de rodas.

Ao vê-lo inválido, a mulher o associa, como uma ideia fixa, à filha lobotomizada. Sem perder muito tempo, despede a Michelle, secretária e amante do marido, apesar dos protestos que ele deixava escrito nos papéis: REVENGE (vingança).

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Um leitor reclama do Biscoito Molhado que citou as magistrais primeiras frases das grandes obras literárias, mas deixou no esquecimento a abertura do Moby Dick, de Herman Melville, que é uma mostra genial do lead (lide) jornalístico.

Para quem conhece perfeitamente o lead, sabe que o leitor está coberto de razão. Eis o que se ensina sobre o lead:

-”Ferramenta teórica sistematizada na primeira metade do século passado, a partir de uma frase do escritor e jornalista inglês Rudyard Kipling, que dizia: “Tenho seis criados honestos, que me ensinaram tudo o que sei: O Quê, Por Quê, Quando, Como, Onde e Quem”. O lead norte-americano manda que o repórter, diante de um fato, busque resposta para essas seis questões. A partir dessas respostas, ele monta seu texto. O resultado do escrito a partir dessas respostas é o que chama de “pirâmide invertida”: em que as informações mais relevantes acerca daquele fato apurado se concentram no primeiro parágrafo do texto. Meio século atrás, nos primeiros tempos de prática da técnica do texto jornalístico, no Brasil, exigia-se que cada um dos dois primeiros parágrafos fosse escrito numa frase só, sem ponto. Eram o lead e o sublead, de preferência com cinco linhas, cada. A quebra paulatina dessa rigidez ajuda a explicar a mudança de lead para abertura. Qualquer que seja a designação, entretanto, continua a valer o princípio de que as primeiras linhas de um texto jornalístico devem prender a atenção do leitor. Depois do título e do subtítulo, é pela abertura que se agarra o leitor (...).”

E é isto que Herman Melville faz no primeiro parágrafo do seu clássico Moby Dick.

-“Chamai-me Ismael. Faz alguns anos – não importa quantos, precisamente – tendo na bolsa escasso ou nenhum dinheiro e nada que particularmente me interessasse em terra, achei que devia velejar um pouco e ver a parte aquosa do mundo. É um hábito que eu tenho, para acabar com o tédio e regular a circulação. Sempre que começo a ficar austero; sempre que é um novembro úmido e chuvoso em minha alma; sempre que dou comigo a parar involuntariamente diante de empresas funerárias e a cerrar fila em cada enterro que encontro; e especialmente sempre que minha hipocondria adquire tal domínio sobre mim que é preciso um sólido princípio moral para impedir-me de sair deliberadamente para a rua e metodicamente surrar as pessoas – então, acho que está na hora de ir para o mar o mais depressa possível. Este é o meu sucedâneo para a pistola carregada. Com um floreio filosófico, Catão se atira sobre a espada; eu calmamente vou para o navio. Não há nada de surpreendente nisso. Quase todos os homens (soubessem eles) qualquer que seja a sua classe, uma vez ou outra compartilham comigo quase que os mesmos sentimentos com o oceano.”

(*) Quando o redator do seu O BISCOITO MOLHADO aborda a Rosa Grieco absorve um pouco da irrascibilidade da moça e sai tascando opiniões a torto e direito, como se moça fosse. Dieckmann nunca foi sommelier, não gosta de vinho branco - com exceção de espumante - bebe vinho tinto quando come bacalhau e, em hipótese alguma, aplaudiria o Elio Fischberg. Então, o período asteriscado é um exercício de egonímia nauseossuplicante.

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