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quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

2098 - música e letra

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 3898 Data: 5 de fevereiro de 2012

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SABADOIDO MUSICAL

Dei pela falta do Daniel, quando cheguei para mais um Sabadoido, e meu irmão me informou que ele estava compondo.

-Villa Lobos, seriamente doente, respondeu a uma repórter que estava decompondo, quando esta lhe perguntou sobre a sua próxima composição. - pensei sem me manifestar.

-E a minissérie os Kennedy, Carlinhos?

-Ela mostra, agora, a crise em Berlim Oriental que originou o erguimento do muro. O presidente Kennedy, com a equipe dele, assiste a filmes que mostram os berlinenses fugindo para o lado ocidental. Os assessores que não enxergavam um palmo além do nariz aconselharam a intervenção americana, mas os mais lúcidos perceberam logo que a melhor coisa a fazer era divulgar para o mundo esses registros; assim, todos veriam o quanto é horrível viver no mundo comunista.

-Era uma guerra de propaganda. - interveio o Cláudio.

-Muitos não viram, como dizia o Nélson Rodrigues, o óbvio ululante: o fracasso do regime comunista.

-Em novembro de 1989, os próprios alemães derrubaram o muro. - disse.

-E o maestro Leonard Bernstein foi lá, no mês seguinte, no Natal, reger a Nona Sinfonia de Beethoven, com televisionamento para vinte países. Falando nele, era grande amigo da primeira dama Jacqueline Kennedy a ponto de telefonar para a Casa Branca e convidá-la para um concerto. Ela ia.

-E o John Kennedy?

-Culturalmente falando, ele estava aquém dela. Jacqueline Kennedy falava francês e espanhol e foi nesta língua que discursou quando esteve na América Latina. O John Kennedy, quando a acompanhava aos concertos sinfônicos, não se sentia à vontade. Há uma cena, nessa minissérie, em que a Jacqueline Kennedy promove um recital de piano, com um aclamado concertista, com a presença de vários milionários que estavam contribuindo com uma dinheirama para um projeto cultural. No meio do evento, John Kennedy sumiu: foi para o retiro dele, uma sala de cinema, onde assiste a um trecho de “Spartacus” de Stanley Kubrick e depois fornica com uma das convidadas.

-Voltou a tempo das despedidas dos doadores do evento cultural?

-Voltou nada, Cláudio, a pobre da Jacqueline Kennedy teve de se virar sozinha.

-Bem, ainda não dei alpiste para as rolinhas. - foi a justificativa que deu para ir da cozinha ao quintal da casa.

Sozinho, peguei o Globo para ler algumas páginas até a chegada do Daniel, que não demorou muito.

-Já compôs a sua sinfonia?

-O que é isso, Carlão; são músicas de três minutos.

-Você sabe por que Robert Mitchum decidiu ser ator? - perguntei.

-Não.

-Por causa do Rin-tin-tin. Ele disse: “Se um cachorro pode, eu também posso.” Partindo desse pressuposto, se tanta gente por aí pode compor, eu também posso. (não pretendia ser indelicado e coloquei o verbo na primeira pessoa).

-Poxa, Carlão, assim você não me incentiva.

-Desculpe-me, Daniel, eu não queria perder a piada.

Depois de uma curta pausa, retomei o assunto:

-Você não está justapondo acordes sobre acordes?...

-Como assim?

-Você tem de criar uma melodia, uma sequência de notas que agrade os ouvidos; é a parte A. Depois, você faz a mesma coisa para a parte B; em seguida, a parte A é repetida. Não esquecendo o refrão se o caso for apelo popular. Temos de sentir que há uma integração entre as partes. Bem, você que estudou teclado sabe isso, tecnicamente, melhor do que eu. Meu conhecimento de música é de diletante.

-Só estudando horas e horas por dia, para se conhecer música, Carlão.

-Eu não preciso ser entendido para saber que Paul McCartney, ao compor “Admiral Halsey”, se perdeu...

Daniel me atropelou:

-Ele se perdeu no meio do “Admiral Halsey” e saiu outra música. O John Lennon esculhambou o Paul McCartney por isso....

-Lá no meu trabalho, Daniel, criaram no ano passado um bloco carnavalesco e o compositor é um concursado, um rapaz do nordeste que tem mais ou menos a sua idade. O conhecimento dele de música é nulo. Para o carnaval deste ano, ele escreveu uma letra sobre os bueiros que explodem no Rio de Janeiro e depois me deu para ler. Li aquele negócio engraçadinho e me perguntei completamente cético: como ele vai musicar isso?

-Ele parte da letra para a música?

Depois de responder que, provavelmente meu colega já tinha uma melodia na cabeça ao escrever a letra, prossegui:

-Então, ele pegou o papel da minha mão, onde a letra estava impressa, e começou a cantar. As sílabas se transformavam em notas musicais; ele fazia pausas para obter o ritmo e, em seguida, criou um refrão. Resumindo: aquilo não agredia os ouvidos, era cantável, cantabile, como se diz em música. Depois de pouco tempo, o bloco tinha uma marcha razoável para cantar neste carnaval.

-Mas, Carlão, 95% dos músicos populares compõem mais ou menos dessa maneira.

-Eu sei. Por que um dos primeiros trabalhos do Tom Jobim foi colocar nos pentagramas os grandes sucessos da música popular brasileiro? Porque quase todo o mundo compõe de ouvido.

-Como muita gente, também, só toca de ouvido.

-Certa vez, Daniel, o Sinhô tocava no piano, a pedido do público, várias composições, principalmente as suas. Então, uma senhora lhe entregou a partitura do Rêverie de Jules Massenet e lhe solicitou que a tocasse. Aquilo era grego para o Sinhô, mas ele não perdeu a pose. Devolveu-lhe a partitura, dizendo:

-”Não me dou com o compositor.”

-É verdade. - limitou-se o Daniel a dizer.

-Existe um mistério para os musicólogos: por que algumas melodias nos obcecam, e outras, não? Normalmente, essas melodias que são criadas da maneira que falei, intuitivamente, agradam, mas logo enjoam.

-Isso é relativo, Carlão.

-Tem razão, Daniel. É como o vinho, quem tem o paladar apurado pelas melhores safras francesas não vai apreciar as bebidas das vinícolas mais modestas.

-Mas que existe musiquinha vagabunda que entra na nossa mente e custa a sair, Carlão, existe. É como certas expressões.

-Isso me reporta ao artigo de ontem, no Globo, do Zuenir Ventura. Falava ele sobre um bordão que se propagou pela internet, para em seguida corrigir para meme. E disse ele que meme é um termo lançado pelo escritor Richard Dawkins no livro “O gene egoísta”. Afirma o autor inglês que o meme é capaz de se replicar, passar de uma mente para outra e se disseminar de maneira viral.

-E a que meme o Zuenir Ventura se referiu, especificamente, porque há muitos por aí.

-”Menos a Luiza, que está no Canadá.”

-Este até que não incomoda tanto.

-Nas campanhas políticas, recorre-se muito a esse tipo de vírus. - assinalei.

“Este cara é bom”. - citou o meme do César Maia.

Nesse instante, meu irmão retornou à cozinha.

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