Total de visualizações de página

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

2987 - da gelada Sibéria 3


-------------------------------------------------

O BISCOITO MOLHADO

Edição 5237                             Data:  22 de novembro  de 2015

-------------------------------------

 

128ª VISITA À MINHA CASA

3ª PARTE

 

-“Always”, Irving Berlin, outro estrondoso sucesso que me vem, agora, à mente.

- Eu compus, em 1925, quando me apaixonei pela minha segunda e definitiva esposa, Ellin Mackay.

-Depois de treze anos da morte de Dorothy, você casou?

-Mas não foi fácil. Ela era herdeira de Clarence Mackay, um milionário católico. Ele se opôs de tal maneira à nossa união, que a enviou para a Europa, onde esperava que pretendentes mais interessantes para ele a fizessem se esquecer de mim.

-Você fez valer o seu talento musical e a cortejou de um modo irresistível, imagino.

-Ela retornou da Europa gostando ainda de mim, enquanto o seu pai declarava à imprensa que o nosso casamento só aconteceria sobre o seu cadáver. Resolvemos, então, fugir e casar numa cerimônia simples longe da mídia.

-O pai deserdou a filha?

-Deserdou e, quatro anos depois, faliu com a queda das ações na quebra de Wall Street em 1929.

-Contam que você, esquecendo as maldades sofridas, financiou o seu sogro.

-Deixe isso pra lá.

-Seu casamento, dessa vez, não foi meteórico?

-Não, graças a Deus; fomos inseparáveis até ela morrer em 1988 com 85 anos. Em sessenta e três anos de casados, tivemos quatro filhos: Irving, que morreu criança, no Natal de 1928, Mary Ellin Barrette, Elizabeth Irving Peters e Linda Louise Emmet.

-Apesar de você ser insuperável em número de composições, letra e música, de qualidade, é justo frisar que as músicas não brotavam da sua cabeça, que você suava para cria-las.

-Que eu sentia as dores do parto, como disse Beethoven depois de sofrer para dar à luz à sua única ópera? – riu com a comparação.

Após uma breve pausa, prosseguiu:

-Suei sangue de verdade quando compus “Annie Get Your Gun”.

-Considerada uma das maiores produções da história da Broadway. – interferi.

-A trilha sonora de “Annie Get Your Gun” era uma incumbência do meu grande amigo, um dos maiores compositores da história da música popular, Jerome Kern. Desafortunadamente, ele sofreu uma hemorragia cerebral e faleceu. Os produtores Richard Rodgers e Oscar Hammerstein II me convenceram a levar a tarefa adiante. Eu relutei, pois sabia que substituir Jerome Kern à altura era quase impossível.

-Mas tudo saiu bem; “Annie Get Your Gun” foi o maior triunfo obtido na Broadway, até então, com 1.147 apresentações ininterruptas. – observei.

-Eu não acredito em inspiração, eu acredito em trabalho. Em 1916, quando eu estava com 28 anos de idade, concedi uma entrevista em que disse que, quando tinha de escrever uma canção madurando no meu cérebro, ia para casa, jantava por volta das oito horas, e depois, trabalhava nela se, preciso, até às quatro, cinco horas da manhã. Até 1962, quando me aposentei com setenta e quatro anos, foi mais ou menos assim.

-Você foi um compositor tão profícuo que foi criado o “Music Box Theater” exclusivamente para as suas criações.

O “Music Box Theater” foi elaborado pelo arquiteto C. Howard Crane, em 1921 e construído por mim e pelo produtor Sam H. Harris com o objetivo específico de pôr em cartaz as minhas peças de teatro musical. Nesse ano de 1921, eu já compunha bastante, mas o produtor apostou em mim.

-Era o único teatro da Broadway dedicado as representações de um só compositor. – pontuei.

 -Era pequeno, mil e nove lugares sentados, mas, para mim, me bastava.

-A canção mais gravada da história, durante muitos anos, é sua: “White Christmas”, “Natal Branco”.

-Composta por um judeu. – riu.

-Vendeu 50 milhões de discos em 1942, quando o mercado não tinha a dimensão de hoje, quando a venda de 5 milhões de discos já é uma façanha! – exprimi meu assombro.

-Evidentemente que, ao compor essa canção, eu não imaginava nem de longe essa marca, mas a popularidade do Bing Crosby ajudou.

-Em 1942, as gravações eram feitas numa chapa.

-Eram os discos de 78 rpm, o material usado na fabricação era a goma-laca, antes, era o ebonite. O LP só surgiria em 1948. - acrescentou.

-Pois é; de uma única chapa de gravação, um número elevadíssimo de cópias poderiam ser feitas, contudo “White Christmas” vendeu tanto que extrapolou esse valor e uma nova chapa de gravações teve de ser feita, pois a demanda persistia.

-É verdade – confirmou. O Bing Crosby teve de fazer uma nova gravação e, coitado, teve de reproduzir tudo igualzinho, cada respiração tinha de ser idêntica à da gravação original. O público não poderia notar a menor diferença que fosse.

-E ele conseguiu?

-Bing Crosby foi um grande profissional; conseguiu.

-Essa canção evoca anseio nostálgico e as pessoas se identificaram com ela, além da beleza da melodia naturalmente. Mesmo nos países tropicais, como o Brasil, o sucesso foi grande.

-O menino dentro de mim nunca saiu. – declarou.

Respirou fundo e prosseguiu:

-Ao longo da minha vida, eu tinha por hábito visitar os lugares onde passei a minha infância de vendedor de jornais, de garçom de Café, de artista de rua. Passava pela Praça Union, Chinatown, o Bowery, “Lower East Side.” Lembrava as moedas que recolhia dos populares que gostavam do meu canto, os cortiços onde dormia.

-Você, Irving Berlin, visitava os velhos fantasmas.

-Todo homem deve ter um “Lower East Side” em sua vida.- declarou.

-Eu entendo; lá, o seu caráter foi formado.

-Todo o meu ser. – foi enfático.

-Dizem os seus biógrafos que você nunca esqueceu os amigos, quando passou a ganhar rios de dinheiro, que sempre foi simples até na maneira de ser vestir, jamais foi um janota.

-Sim, ganhei e doei muito dinheiro. Certa vez, meus advogados me aconselharam a depositar a minha fortuna em paraísos fiscais, disse-lhes um peremptório não. “Eu quero pagar impostos. Eu amo este país.”

Fez uma pausa e prosseguiu:

-Visitar velhos fantasmas... Fantasma, isso sim, era a minha casa queimada pelos cossacos em Tyumen. As minhas idas e vindas de “Lower East Side” me revigoravam.

-Você disse que se aposentou com 74 anos, mas eu acredito que ainda portava por, mais ou menos uns vintes anos, o fogo da criação.

-Parei em 1962, porque o mundo mudara muito. Eu fazia canções, trilhas sonoras, música, enfim, que espelhava o gosto do americano comum, mas ele não era mais o mesmo. Porém, reafirmo, que até os cento e um anos de idade, eu não deixei de amar a América.

-Você morreu em Nova York.

-Sim; e fui enterrado no Cemitério de Woodlawn no Bronx.

-Depois dos cinco primeiros anos de vida turbulentos, você morreu sossegadamente, dormindo.

Não ouviu as minhas palavras, já havia partido para outras paragens.

    

  

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário