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quarta-feira, 11 de novembro de 2015

2976 - carga pesada


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O BISCOITO MOLHADO

Edição 5226                              Data:  07 de novembro  de 2015

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SABADOIDO

 

-Entrei na livraria Saraiva, na Rua Sete de Setembro, em busca do livro do Fernando Henrique Cardoso...

-“A Miséria da Política?” – interferiu o Claudio.

-Não, o cartapácio de que quase mil páginas. Nem me lembro agora do nome.

-O livro em que ele fala mal de todo o mundo, menos dele?

-Claudio, se você... mudemos para eu... se eu for gravar de noite o que aconteceu no meu trabalho, pouca gente vai escapar, imagine, agora, se eu estivesse exercendo a Presidência da República. O Getúlio Vargas declarou que, durante os anos em que esteve no poder, e foram muitos anos, não apareceu um só político lhe perguntando o que poderia fazer pelo Brasil, mas o contrário; é o mesmo sentido da frase que seria dita pelo Kennedy, quando assumiu, uma década depois, a presidência dos Estados Unidos.

-“Diário da Presidência”. - lembrou meu irmão o nome do livro.

-Retomando o fio da meada; eu fui à Saraiva comprar esse tijolo, mas sem muito tempo para namorar os livros que lá estavam expostos; assim, rumei logo para a seção “Novidades”.  O que encontro lá?... “Os Irmãos Karamazov”.

-Se os “Irmãos Karamazov” são novidades, o que seria “Antiguidade”?

-“A Bíblia de Mogúncia” – respondi ao meu irmão – que a Rosa Grieco sempre põe a mão quando faz um juramento.

A Bíblia de Mogúncia foi impressa por Johannes Gutenberg, o inventor da prensa de tipos móveis, de 1450 a 1455.

-Encontrou a “Bíblia de Fofocas” do Fernando Henrique Cardoso? – pilheriou meu irmão.

-Não.

-Carlão, você procurou na seção errada; tinha de ir na seção de livros de terror.- brincou o Daniel.

-Comprou, então, “Os Irmãos Karamazov”? – quis saber meu irmão.

-Para reler?... Depois que li a entrevista desse brasileiro originário da Rússia, que revelou que fez a revisão das revisões dos livros de Dostoievski, porque os revisores mudaram para o português castiço o russo coloquial do original; depois, principalmente, que reli “Crime e Castigo” em que essa linguagem informal é respeitada na tradução, além de as notas de rodapé do tradutor serem altamente esclarecedoras, temi encontrar “Os Irmãos Karamazov” com aquela velha tradução rebuscada.

-Ora, por que você não folheou o livro para saber, Carlinhos?

-Eu já havia feito musculação.

-Carlão é assíduo, agora, na academia da terceira idade. - manifestou-se meu sobrinho.

-Tratava-se de um livro de capa dura, que é muito bom para chamar a atenção nas estantes, mas horrível para ler. Eu presenteei, dois anos atrás, a Rosa Grieco com uma biografia do Toulouse Lautrec, de capa dura, e ela, mesmo lidando com livros há 80 anos, escreveu, numa carta, que tinha de fazer uma autêntica ginástica para lê-lo. Eu prefiro brochura e a Rosa, em se tratando de livros, também.

-O Luís Fernando Veríssimo disse que não leu “A Lanterna na Popa” porque temia que o osso esterno dele afundasse. - lembrou meu irmão.

-Osso esterno... caiu numa prova de Ciências no Santa Mônica; é o osso que fica na parte anterior do tórax e tem o formato de um “T”. Ele, então, lê deitado. – disse meu sobrinho.

-A piada do filho do Érico é boa; ele só se perde quando escreve sobre política e, principalmente, sobre economia, de que nada entende. - comentei.

-Você leu “A Lanterna na Popa”, não foi?- indagou-me meu irmão.

-Li a grande maioria das páginas na cama, em decúbito dorsal, e não houve problema algum com o meu esterno.

O Daniel, sempre pândego, interveio.

-Mesmo assim, Carlão, você deveria poupar o seu tórax, ora lendo em decúbito dorsal, ora, em decúbito ventral.

-Lendo, em decúbito ventral, eu só vi mulheres, mas nas praias apenas.

-Elas fingem que leem, Carlão, na verdade, bronzeiam as costas e a popança. (*)

-Esse livro do Roberto Campos tinha umas mil páginas e foi editado em brochura com 2 volumes. “Guerra e Paz”, do Tolstoi, que tinha umas 1200 páginas, eu li, numa edição da Abril, em capa dura, mas dividido em 4 volumes. Assim, a dificuldade, para mim, foram só as letras que eram um tanto pequenas.

-Você lembra, Carlão, daquele desenho animado em que o Charlie Brown ficou em recuperação, na escola, e teve de passar o fim de ano lendo “Guerra e Paz”?

-Claro, Daniel, é um dos meus desenhos prediletos. No meio da festa da passagem do ano, Charlie Brown lia o livro e acabou dormindo. Apareceu, então, a garotinha ruiva, o seu amor platônico e ele não viu.

-Você leva romance para ler no Trabalho? – quis saber meu irmão.

-Anos atrás, eu levava. Quando a SUNAMAM estava jogado às traças, eu li todo o “Tocaia Grande”, do Jorge Amado, em uma semana, sem precisar levar o livro para casa, pois era de uma colega.

-No horário do almoço, é permitido ler na Casa da Moeda. - informou meu sobrinho.

-No meu trabalho, o You Tube e o Facebook ficam desbloqueados das 12h 20min às 14 horas e eu fico, então, com as minhas vistas no computador.

-Para o funcionário público é mais fácil ler e escrever na hora do expediente; numa empresa privada, o funcionário, se fizer isso, leva um pé na bunda. - disse a Gina que vinha do quintal para a cozinha onde estávamos os três.

-Por coincidência, eu assisti a um documentário, anteontem, sobre o Carlos Drummond de Andrade. Ele diz que, mesmo atuando como chefe de gabinete do ministro Gustavo Capanema, conseguiu achar tempo para escrever alguns versos.

-Mas ele foi um chefe de gabinete brilhante? – mostrou-se cética.

-Foi; muitas personalidades do mundo cultural, Villa Lobos, Jorge Amado, entre outras, elogiam o trabalho do Drummond, que facilitava as coisas quando tinham de falar com o ministro do Getúlio Vargas.

-Sei não. - insistiu no seu ceticismo.

-O melhor exemplo é o Machado de Assis; ele era o diretor geral da Secretaria da Indústria do Ministério da Viação e Obras Públicas. Como os republicanos desconfiavam que ele fosse simpatizante do Imperador Pedro II, tiraram o cargo dele quando a República foi proclamada. O Medeiros e Albuquerque, no livro de memórias “Quando Eu Era Vivo”...

-Eu li esse livro. – cortou-me o Claudio.

-O Medeiros e Albuquerque não diz isso claramente; ele escreveu que tiraram o cargo do Machado de Assis para que ele tivesse mais tempo para se dedicar à literatura. Mais tarde, quando o Artur de Azevedo declinou o convite para ser diretor e que, assim, Machado de Assis retornasse ao seu antigo posto...

Tomei fôlego e concluí:

 -A alegria do Machado de Assis foi tamanha, que o Medeiros e Albuquerque se conscientizou de quanto eles, os republicanos, magoaram o nosso maior escritor.

-Machado de Assis poderia, agora, voltar a escrever os seus romances no ministério. – alfinetou a Gina.

 

(*) Às vezes, o Distribuidor do seu O BISCOITO MOLHADO topa com o que parece errado e, na dúvida, pergunta ao Criador. Neste caso, embora poupança signifique habitualmente derrière, a proximidade com a lanterna na Popa indicou ao Distribuidor que nada mexesse.

 

 

 

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