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quarta-feira, 4 de novembro de 2015

2791 - O Manga, quem diria, acabou no Cachambi


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O BISCOITO MOLHADO

Edição 5221                              Data:  01 de novembro  de 2015

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126ª VISITA À MINHA CASA

 

E o Carlos Manga se materializou à minha frente.

-Manga, certa vez, garoto, assistindo a uma comédia da Atlântida, no Cine Cachambi, a minha curiosidade foi despertada quando apareceu na tela o seu nome em letras garrafais e eu me perguntei, por que esse tal de Manga não aparecia se era tão importante?

-Você quer dizer “DIREÇÃO CARLOS MANGA”, que tomava toda a tela do cinema.

-Sim; a partir do seu nome, cheguei, anos mais tardes, aos diretores dos filmes e da relevância deles. Para mim, até então, bastavam apenas os artistas.

-E, rapaz, há tanta gente que não aparece para os espectadores, mas, sem eles, o espetáculo não acontece.

-Para mim, aqueles filmes eram Oscarito, Grande Otelo, Cyll Farney, Eliane, figurantes e mais nada; daí, a minha curiosidade, ou melhor, espanto, com aquele nome Carlos Manga tão destacado quanto os deles.

-Você lembrou o Cyll Farney... ele foi fundamental no meu início no cinema.

-Quando você descobriu sua vocação?

-Creio que desde a primeira vez que fui ao cinema. Eu fiquei maravilhado com uma fita expressionista alemã, de 1924, “As Mãos de Oriac”. O enredo gira em torno de um pianista, que perde as mãos, em um acidente de trem e lhe são transplantadas as mãos de um criminoso, que tomam vida própria.

-Pena que não vi.

-É do mesmo diretor de “O Gabinete do Dr. Caligari”, Robert Wiene. - acrescentou.

-Mas você não seguiu logo a sua vocação?...

-Meu pai era advogado e me levou a estudar Direito; eu era estudante e bancário. Um dia, avisei-lhe que entraria no mundo do cinema e ele me perguntou o que eu sabia de cinema; respondi a ele que nada, mas que iria aprender. Assim, larguei o banco e o curso de Direito no segundo ano.

-Foi para a Atlântida?

-Fui, lá galguei cargo por cargo desde os mais humildes; trabalhei no setor de almoxarifado, contrarregra, assistente de montagem e de revelação, até chegar a diretor.

-Você havia dito que Cyll Farney o ajudou no seu início.

-Ele me auxiliou sim. Cyll Farney era 3 anos mais velho do que eu, ele, de 1925, e eu de 1928. Muito novo, menos de 20 anos de idade, estreou em “Um Beijo Roubado”, tocando bateria com o irmão Dick Farney.   

-“A Dupla do Barulho” foi a sua primeira película como diretor?

-Sim; com o Oscarito e o Grande Otelo, em 1953. Mas, um ano antes, eu representei em “Carnaval Atlântida”, dirigido por José Carlos Burle.

-Eu me recordo que meus vizinhos, mais velhos do que eu, esculhambavam as chanchadas, mas, quando elas entravam em cartaz, o Cine Cachambi ficava lotado e esses vizinhos, quando as luzes se acendiam, estavam com as caras risonhas.

-Eu lidava com críticos mais ferozes que nos tachavam de cultivar um estilo menor; transcorrido o tempo, reviram as suas opiniões... pelo menos, os melhores deles fizeram isso.

-O filão das chanchadas era entreter a plateia com um enredo simples, engraçado, romanesco e malicioso, misturado com carnaval, shows com mulheres de pernas de fora e muita confusão.

Ele confirmou com um sorriso generoso e eu continuei matraqueando:

-Eu me dizia na época do Cinema Cachambi: as americanas são mais bonitas, com a honrosa exceção da Fada Santoro, mas as brasileiras são mais apetitosas com aquelas pernocas.

-Naquele tempo, as americanas não mostravam as pernas.

-Pois é, Carlos Manga; a primeira atriz que vi nua foi a Brigitte Bardot, mas num tempo muito curto, pois proibiram a minha entrada para assistir “E Deus Criou a Mulher.”

-A nossa Brigitte Bardot foi a Norma Bengell, já em 1959, em “O Homem de Sputnik”.

-Soube, anos depois, que todos os trejeitos da Brigitte Bardot, na cena em que a Norma Bengell seduz o Oscarito, foram feitos por você, atrás das câmeras e ela os repetia.

-Se eu tivesse a plástica da Norma Bengell, eu mesmo faria a cena no lugar dela. – sorriu. 

-Eu, na minha cadeira, fiquei tão assanhado quando o Oscarito.

-Não lhe deram “E Deus Criou a Mulher”, mas eu lhe dei “O Homem do Sputnik”.

-Você se espelhava muito no cinema americano.

-Era a nossa fonte de inspiração. “Matar ou Correr” foi uma paródia do “Matar e Morrer”. Aquele clássico psicológico, angustiante do princípio ao fim se transformou numa comédia com o Oscarito, Grande Otelo e José Lewgoy. Descontração era com a gente nos estúdios da Atlântida.

-Li, dia desses, que a engraçadíssima cena do espelho entre o Oscarito e a Eva Todor, em “Os Dois Ladrões”, foi tirada de um filme dos Irmãos Marx.

-Não, não – cortou-me -; eu me baseei numa cena do “I Love Lucy”, série da televisão, na cena em que Lucille Ball contracena com Harpo Marx. Meus atores imitaram, como eu queria, praticamente toda a caracterização deles.

-Eu tive a sorte de assistir a essa cena, quando a série “I Love Lucy” era retransmitida pela TV Tupi. Por mais genial que fosse Harpo Marx, Oscarito não lhe deveu nada.

-Eva Todor também se saiu muito bem. – acentuou.

-Outra grande sorte que dei, vendo televisão, foi com a antológica imitação do Al Jolson. Depois, o meu queixo caiu, ao saber que você era o imitador.

-Nos meus primeiros anos da Atlântida, o Oscarito me disse que eu o imitava muito bem, em seguida, pediu-me para imitá-lo diante dos demais atores e de toda a equipe de filmagem. Fui aplaudido calorosamente.

-Você nem sempre ficou atrás da câmara dirigindo.

-Fui ator em filmes, novelas... pouca coisa. Eu gostava mesmo era de dirigir atores.

-Bem, o filão das chanchadas da Atlântida se esgotou em meados dos anos 60.

-Quando isso aconteceu, fui para a televisão. Fiquei um tempo e me mudei para a Itália em 1970. Fui morar junto à Cidade do Cinema, Cinecittà. Lá, avistei-me com o meu ídolo, Frederico Fellini. Ela me disse: “Garoto, quantos filmes você fez?” “Cinquenta” – respondi. “Não minta.” “Cinco”.

-Estava mentindo ainda, pois fez quatro vezes mais do que cinco filmes. – interferi.

-A quantidade pouco importava. Eu disse a Fellini que pretendia filmar. Ele me disse que era impossível, que, na Itália, só aceitavam diretores italianos (reserva de mercado como no Brasil). Mas me aceitou como assistente de direção. Voltei ao Brasil 4 anos depois, Fellini, vendo-me partir, gritou ao longe: “Manga”; eu me voltei, e ele me mandou um beijo com as duas mãos.

Notei que, nesse momento, que os olhos do emotivo cineasta brasileiro estavam marejados de lágrimas.

-Aprendeu muito com ele?

-Claro. Aqui chegando, em 1974, escrevi, produzi e dirigi “O Marginal”, com Darlene Glória e Tarcísio Meira, influenciado pelo método de direção Felliniano.

-A primeira edição em vídeo-tape da televisão brasileira veio com você.

-Comigo e com o técnico Marcelo Barbosa. Isso foi em 1961, quando aceitei o convite do Chico Anysio para dirigi-lo na TV Rio.

-Seu trabalho na televisão foi vasto.

-Sim, eu era incansável, se não havia cinema, eu partia para a televisão.

-Aquele interesse que eu tinha, quando garoto, assistindo à suas chanchadas, retornou décadas depois quando acompanhei duas minisséries em que você foi o diretor artístico: ”Engraçadinha... Seus Amores e Seus Pecados” e “Agosto”.

 -Dirigi outras: “Memorial de Maria Moura”, “A Madona de Cedro”, “Incidente em Antares”, “Decadência”.

-Adorei, no “Agosto”, a panorâmica com as cenas do povo revoltado nas ruas, com o suicídio de Getúlio Vargas e o momento em que se vislumbra um cinema com o cartaz “Matar ou  Correr”. Foi uma citação sua que nada teve de cabotina, pelo contrário, foi muito bem idealizada.

E partiu tão rapidamente, que não pude repetir o gesto de Fellini, quando ele se foi da Cinecittà.

 

 

 

 

 

 

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