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quarta-feira, 25 de novembro de 2015

2985 - da gelada Sibéria


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O BISCOITO MOLHADO

Edição 5235                                Data:  20 de novembro  de 2015

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128ª VISITA À MINHA CASA

 

-Irving Berlin, os musicólogos chamam atenção que, dos cinco maiores compositores americanos, só você e Cole Porter escreveram letra e música. Um deles chama a atenção para o fato de Cole Porter ter nascido em berço rico, estudado na Universidade de Yale, enquanto a sua formação se deu na pobreza das ruas.

-Eu morava com meus pais, quando viemos para a América, numa espécie de porão, sem janelas, em Lower Easy Rider, a zona dos teatros iídiches de Nova York.

-Voltando ao tal musicólogo, Irving, esse musicólogo observa que você logo caiu no gosto popular enquanto Cole Porter só o conseguira depois dos 30 anos, além de você ter incentivado Cole Porter a deixar Paris e retornar para América, pois ele conseguiria um sucesso igual ao seu.

-A história não foi exatamente esta... – mostrou-se reticente.

-Irving, você é o compositor que melhor retratou a América, isso é quase uma unanimidade, mas vê nasceu na Rússia, precisamente, na Sibéria.

-Era muito gelado lá. A água do nosso porão, em Lower Easy Rider apesar de fria, era bem mais quente. - brincou.

-Você nasceu na cidade de Tyumen, em 1888, quando a Rússia vivia ainda sob o império czarista?

-Isso; meu nome era Israel Isidore Beilin. Os judeus sofriam perseguições e a minha família, como outras, veio para os Estados Unidos da América.

-Como se chamavam seus pais?

-Leah e Moses Beilin, que cantava em sinagoga e de quem herdei o gosto pela música.

-Quando se mudaram para a América?

-Em 1893; eu estava com cinco anos de idade.

-Lembra-se ainda de alguma coisa da sua primeira infância na Rússia?

-Recordo-me de que estava deitado em um cobertor ao lado de uma estrada e via minha casa crepitar em chamas.

-Era o terrível “pogrom”.- lastimei.

-O mais novo czar, Nicolau II, reacendeu os pogroms antijudaicos.  Escaparam para a América as famílias de George e Ira Gershwin, Al Jolson, Jack Yellen, Louis B.Mayer, enfim, os Warner Brothers, produtores de cinema, e outras.

-A vida foi dura na América?

-No início, sim; meu pai, sem conseguir um emprego de cantor litúrgico, trabalhou no mercado de carne e, para nos sustentar, teve ainda de dar aulas de hebraico. Infelizmente, não viveu muito; morreu quando eu estava com 13 anos de idade.

-Você não pôde, então, ser um adolescente que frequenta à escola como os outros jovens. Sentiu logo as agruras da vida.

-As agruras da vida eu senti na Rússia. Em Lower Easy Rider, eu estava vivo e com muita saúde. Para ajudar nas despesas de casa, tive de sair da escola e arrumei um emprego de vendedor de jornais logo que o meu pai morreu.

-Há uma história inesquecível para você quando começou a trabalhar.

-Eu estava tão fascinado, no porto de Nova York, observando um navio partindo, que não notei um guindaste que, balançando, jogou-me ao mar. Fui literalmente pescado e deixei todos boquiabertos porque não larguei, do meu punho cerrado, cinco moedas de um centavo. Era a receita do dia e minha contribuição para o orçamento familiar.

-E a sua mãe?

-A minha mãe, que na América, passou a ser chamada de Lena, trabalhou como parteira; três das minhas irmãs trabalhavam embrulhando charutos, e meu irmão mais velho, numa fábrica de camisa. À noite, encerrado mais um dia de trabalho, nós colocávamos a receita do dia no avental estendido da nossa mãe.

-O historiador de música, Philip Furia escreveu que, com oito anos de idade, “Izzi”...”Izzi”?

-Meu nome é Israel, esqueceu-se?... “Izzi” era uma maneira carinhosa de chamarem os que tinham esse nome.

Depois desse esclarecimento, continuei:

-Plilip Furia escreveu que você, com essa idade, já vendia jornais e escutava com atenção as canções do Bowery, um lugar musical e que se  entretinha com os cantos que vinham através das portas dos bares e restaurantes que se alinhavam nas ruas de nova York.

-É verdade; começou daí a se entranhar em mim o gosto pela música popular. Algumas dessas canções eu cantava enquanto vendia jornais e ganhava dinheiro também por isso. Foram os meus primeiros ganhos com a música.

-Por favor, Irving, conte-nos mais sobre esse período da sua vida.

-Com muitas dificuldades e pouca instrução, eu intuí que não havia possibilidade de eu conseguir um emprego formal, que o jeito era seguir a habilidade que veio do meu pai: cantar. Assim, eu e mais uns garotos fomos para os saloons, no Bowery, e cantamos para os clientes. Havia jovens itinerantes, como eu, pelo Lower East Side que cantavam baladas populares na esperança que alguém lhe jogasse alguns tostões.

-Vocês eram como os garotos dos romances de Charles Dickens, que viviam no meio da sujeira, na mesquinhez, lidando com a insensibilidade de muitos adultos.

-De certo modo sim. Mas como tenho saudade daquele tempo em que eu era artista de rua! Estava cheio de saúde, lutando para ganhar a vida!

-Seus biógrafos disseram que foi nesse ambiente sórdido, que o garoto fugitivo, recebeu sua educação real e duradoura, que você surgiu, culturalmente, do estilo da vida de gueto, da aprendizagem da linguagem da rua.

-Como eu tenho biógrafos! Explica-se: vivi cento e um anos.- brincou.

-A explicação é que você escreveu letra e música de mais de três mil canções, além de compor para 19 shows da Broadway e 18 filmes de Hollywood.

-Não sei se cheguei a três mil canções ou se superei este número.

-Contam que você trabalhava como garçom no Café Pelham, em Chinatown, quando pediu ao dono do local que tivessem também uma música porque a taverna concorrente, ao lado, tinha a sua própria canção.

-É verdade; ele foi receptivo à minha sugestão, e eu escrevi “Mary from Sunny Italy”.

-Maria da Itália Ensolarada. - traduzi.

-O pianista do café, Nick Nicholson, pôs a música nos meus versos. Foi o meu primeiro trabalho como compositor profissional.

-Ganhou quanto, Irving Berlin?

-Trinta e sete centavos de dólar. - respondeu-me com um sorriso generoso.

-Nos seus primeiros passos, como compositor, você era só letrista?

-Sim. Um dia, escrevi a letra de “Dorando” e procurei alguém que a vestisse com uma melodia. Eu até venderia a letra, se fosse o caso, mas não encontrei ninguém. Por que eu mesmo não componho a melodia? – perguntei-me. E compus; assim foi praticamente com todas as minhas canções que vieram depois.

 

 

 

 

 

 

 

 

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