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segunda-feira, 23 de novembro de 2015

2983 - viagem de táxi ao passado


 

 

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 5233                               Data:  17 de novembro  de 2015

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213ª CONVERSA COM OS TAXISTAS

 

Este taxista do ponto da Rua Magalhães Couto eu não conhecia, por isso, mal sentei no banco da frente, disse-lhe que ia para a Rua Modigliani.

-Na Praça Mané?

Por que tiraram o francês do currículo escolar? - pergunto-me sempre que ouço os nomes dos pintores e escultores sendo estropiados. Bem, pelo menos eu não ia para a Rua Rouault, que fica do outro lado de Del Castilho; o estrago seria bem pior.

-A Rua Modigliani não é aquela onde fica uma academia de ginástica da terceira idade?

-Essa mesma; foi colocada lá na campanha eleitoral de 2014.

-A ideia foi da Cristiane Brasil, filha do Roberto Jefferson. - assinalou.

-Sim, mas nem falaram dela; não apareceu um galhardete, um só santinho da Cristiane Brasil. Parecia que a academia estava ali, no conjunto residencial do IAPC de Del Castilho, graças ao Pedro Paulo.

-O queridinho do Eduardo Paes?

-Ou queridão. - acrescentei.

Apesar de nos vermos pela primeira vez, ele mostrou um entusiasmo para a conversação que superava o de muitos taxistas velhos conhecidos meus.

-Se eu morasse por ali, não deixaria de, pelo menos três vezes por semana, de me exercitar naquela academia.

-Eu caminho nos fins de semanas e feriados e dedico as terças, quartas e quintas-feiras aos exercícios em alguns daqueles aparelhos.

-Isso de noite? - interessou-se.

-Não, por volta das 4 horas da tarde, depois que chego do trabalho.

-Pega aquele sol brabo?

-Pegava pensando que fosse benéfico, que o sol me supria de vitamina D, depois do que eu soube, tratei de procurar as sombras.

-Depois do que soube?...

Às palavras dele, vi-me obrigado a me estender sobre o assunto.

-Eu ouvi, no rádio, a entrevista de um oncologista, com especialidade de câncer de pele, aconselhando a nós a usarem protetor solar, que essa cultura do bronzeamento faz um mal terrível aos brasileiros.

-Mais às brasileiras, que vivem de bunda para cima tomando sol, e não é só nas praias, não.

A palavra voltou para mim.

-Quando a entrevistadora perguntou ao médico sobre a vitamina D, que tem o sol como a sua maior fonte, ele disse que, quando se é muito jovem, o organismo metaboliza bem a vitamina D proveniente do sol, depois, não, que é mais seguro se proteger. Concluiu dizendo que, nos países onde o sol pouco aparece, como na Inglaterra, todos sofreriam de carência de vitamina D e isso só não acontece porque eles se alimentam bem.

-Olhe a academia lá. - disse, quando chegamos à Rua Modigliani.

-Daqui a uns 15 minutos, estarei lá. - disse-lhe.

-Vai levar o protetor solar?

-Nunca usei isso na vida, bastam-me as sombras.

No dia seguinte, eu não peguei o táxi para Del Castilho e sim para o Engenho Novo; ia, precisamente à casa da minha sobrinha que aniversariava. A cooperativa era outra e o taxista me era também desconhecido.

-Eu morei nesta parte da Rua São Gabriel; há muito tempo que não passo por aqui.- disse-lhe.

-Da Rua Cachambi até cá é uma subida, mas dá para enfrentar a pé.- observou.

-Eu era tão jovem, na época em que aqui morei, que podia subir isso tudo que a minha respiração não se alterava. Meus pais não se queixavam também, a única reclamação do meu pai era com a falta d' água, dizia ele que a subida dificultava a chegada da água às nossas bicas. Mas isso foi no início dos anos 60, depois o governador Carlos Lacerda, excelente administrador, fez obras no Guandu que, praticamente, resolveram esse problema de séculos.

-Esse Eduardo Paes só faz obras de fachada. - criticou.

-Olha a Rede Economia – vibrei logo depois que o táxi dobrou a São Gabriel e entrou na Rua Cachambi.

E prossegui:

-Era a terceira opção de compras da minha mãe: Walmart, Carrefour e Rede Economia.

-O que aconteceu, ontem, na Rede Economia...

Com a interrupção da fala no meio, ele conseguiu o que desejava: deixar-me curioso.

-O que aconteceu?

-Surgiu lá uma senhora, carregando uma panela com um frango cozido que ela dizia estar estragado. Veio o gerente, e ela esbravejou que o frango era de lá. Ele cheirou a panela e disse que não havia nada de estragado. Sabe o que ela fez?  Jogou a panela com o frango no chão; quase pegou nos meus pés. Ficou aquela porcaria toda bem na entrada do supermercado.

-O povo anda revoltado. - generalizei.

-Dia desses comprei um presunto – prosseguiu. Ao chegar em casa, minha mulher achou que ele estava com a cor suspeita.

-Voltou para trocar?

-Não havia certeza de estar estragado ou não, por isso eu e minha mulher resolvemos comer, mas nosso filho ficou de fora.

-Uma intoxicação com presunto é bem pior do que com frango. - observei.

-Não há a menor dúvida. - concordou.

Essa parte do diálogo se deu na subida da Rua Coração de Maria.  Quando passamos pela Arquias Cordeiro, esquina com a Rua Padre André Moreira, disse-lhe que o Visconde de Cairu foi um ótimo colégio na época em que lá estudei.

-O ensino caiu muito em escola pública. - concordou.

-Como é mesmo o nome da rua que pegaremos para ir ao Buraco do Padre? - indaguei.

-Sousa Barros.

-Essa mesmo, ela emenda com a Arquias Cordeiro.

-Passam anos, décadas mesmo, e isto aqui continua a mesma coisa. - observou.

Enquanto ele falava, vinha-me à mente o Foto Quesada, onde posei para muitas fotografias 3 por 4. Recordei-me também da gozação que um colega da Rua Chaves Pinheiro sofreu, porque dissera que entrou com o carro na “reta” do Quesada. Nem o Fangio, que vencia corridas de Fórmula 1, porque acelerava nas curvas como se elas fossem retas.

-Há alguns lugares no Rio de Janeiro que não mudam, as casas não recebem uma pintura, é a mesma penúria do passado, as mesmas rachaduras com capim nas casas. - disse ele.

Enquanto passávamos pelo Buraco do Padre para chegar ao outro lado da linha férrea, na Rua Vinte e Quatro de Maio, ele citava alguns desses lugares, que não eram poucos.

E assim, nessa corrida que foi meio saudosista, cheguei à casa da minha sobrinha aniversariante.

 

 

 

 

 

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