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terça-feira, 24 de novembro de 2015

2984 - Didi traidor


 

 

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 5234                                 Data:  18 de novembro  de 2015

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SABADOIDO

 

-Claudio, tem ido ao cinema?

-Carlinhos, o cinema está muito caro. Vou muito raramente.

-Idoso paga mais barato; aproveite. Veja o Xalulu: Vê até cuspe à distância no Engenhão, porque entra sem pagar.

-O Xalulu assistiria, se houvesse no Engenhão, até arremesso de anão. - acrescentei.

-Arremesso de anão eu assistiria também. - disseram a quase uma só voz meu irmão, o Daniel e a Gina.

-Num discurso de paraninfo, o ministro do STF, Luiz Roberto Barroso, disse que os anões se revoltaram contra uma medida que proibia esse “esporte”. Eles se sentiram desprestigiados.

-No cinema, mesmo para o idoso pagando menos pela entrada, é caro. - voltou meu irmão ao assunto.

-Em economia, chama-se free rider, aquele que paga menos ou não paga; são os idosos, os estudantes na maioria das vezes. Há muitos idosos e estudantes de famílias abonadas que deveriam pagar tudo. Quem acaba pagando por eles são os outros consumidores que, muitas vezes, têm menos posses.

-Concordo, Carlão, por isso o ingresso do cinema, do futebol é tão caro. - manifestou-se meu sobrinho.

-Quanto ao cinema, eu só assisto aos filmes da televisão; para mim, não faz diferença. - disse a Gina.

-Eu tenho um colega de trabalho, que é xará do atual Ministro da Fazenda, que, quando pega o metrô comigo, não se conforma porque eu pago a passagem.

-Carlão não quer ser idoso.

-Eu não quero ser free rider, Daniel.

-Bobagem sua, porque o metrô embolsa mais dinheiro ainda.

-É verdade. - concordou o Claudio.

-Lembram-se do preço do cinema no passado? - perguntei.

-Eu não me lembro. - pilheriou meu sobrinho.

-Houve, uma vez, no Cine Cachambi, um festival de filmes nacionais, de segunda a domingo um filme diferente e nós assistimos a todos sem exceção, sem problemas de dinheiro, que era escasso lá em casa.

-Problema foi o filme da segunda-feira, “Amei um bicheiro”, que era proibido para menores de 18 anos, mas nos deixaram entrar porque estávamos com a mamãe. - recordou meu irmão.

-O filme de domingo era “Nem Sansão nem Dalila”. Eu estava tão fixado na Fada Santoro, que nem notei que o Oscarito faz um discurso imitando o presidente Getúlio Vargas.

-Ele imita mesmo, Carlão?

-Imita; claro que a criançada da plateia não entendeu essa ironia; eu só soube quando revi o filme na televisão poucos anos antes.

-Eu e minha irmã íamos ao cinema também e, apesar de não sermos de família rica, não havia problemas com o preço das entradas. - disse a Gina.

-Só uma vez houve problema...

-Comigo, não. - cortou-me o Claudio.

-Aconteceu comigo e com a nossa irmã em um filme do Mazzaropi. Era um domingo; e, quando fomos comprar as entradas, a bilheteira nos disse que, para aquela fita, o ingresso era mais caro. O nosso dinheiro não dava.

-Vocês voltaram? - interessou-se a Gina.

-Voltamos e recorremos ao papai.

-O que ele disse, Carlão?

-Papai meteu a mão no bolso esbravejando: “Eles é que têm de pagar para vocês verem os filmes do Mazzaropi”.

-Seu Amaury tinha razão. - disse a Gina com um sorriso.

-Certamente, pois, dos filmes brasileiros daquela época, só não consigo rever os do Mazzaropi. - concordei.

-Os paulistas adoravam. - assinalou meu irmão.

-Se a minha memória não falha, creio que foi, nesse domingo, que encontramos, na volta do cinema, o papai exultante porque o Fluminense, já campeão carioca de 1959, jogou a última partida do campeonato contra o Botafogo e empatou de 3 a 3 depois de estar perdendo de 3 a 1. “Queriam dar baile no campeão e se deram mal” - dizia o papai revoltado com essa “audácia” dos botafoguenses.

-Carlinhos deu sorte de estar no cinema, se não, o papai ia correr atrás dele.

-Carlão, ele fez isso com você?

-Só uma vez, Daniel; em 1958, quando o Botafogo venceu o Fluminense por 2 a 1. Ele correu atrás de mim, subi no muro, daí para o telhado da fábrica EMPER.

-Quem mandou virar casaca? - manifestou-se a tricolor Gina.

-Criança não pode sofrer desilusões muito fortes. No jogo do turno do campeonato de 1957, o Fluminense ganhou de 1 a 0 do Botafogo e eu enlouqueci quando o Castilho agarrou o pênalti batido pelo Didi. Eu dava saltos na cama agarrado a um travesseiro, com se eu fosse o Castilho e o travesseiro, a bola. Quando jogaram decidindo o campeonato, eu estava empolgadíssimo. Aqueles 6 a 2 me deixaram arrasados. - justifiquei-me.

-E por isso, Carlão, vira para o lado do inimigo?

-Daniel, o Botafogo tinha Garrincha, Nílton Santos, Didi, Paulo Valentim, que fez cinco gols nessa decisão, um deles de bicicleta.

-Naquela época se televisionava todos os jogos do Maracanã – disse meu irmão.

-Eu assisti à decisão na TV da casa da vovó, a mamãe não ficava um domingo sem ir lá. Saímos antes do término da partida. No ônibus, soubemos que o Fluminense marcara um gol, veio uma esperança de reação, mas, em casa, soubemos da derrocada.

-Você virou casaca logo, Carlão?

-Não, talvez uma semana depois.

-O que aconteceu quando você comunicou o divórcio ao seu pai? Porque isso é traumático como um divórcio.

-Talvez ele tenha pensado que era uma reação momentânea. Lembro-me que fui patrulhado até pelo noivo da irmã mais nova da mamãe que era vascaíno; durante um tempo, ele só me chamava de vira-casaca.

-Vou tocar teclado. - soergueu-se meu sobrinho do banco de alvenaria que dividia com a mãe.

-Fique mais um pouco para saber a causa de você ser Fluminense. -disse-lhe.

-Eu já sei; sou Fluminense porque tem as cores mais bonitas, os maiores craques...

-Você é Fluminense porque pertence a uma dinastia: avô paterno...

-Avô materno também. - interrompeu-me a Gina.

-Avôs, pais...

-E o bisavô?

-Claudio, eu acho que o nosso avô gostava mais de turfe do que de futebol.

-Ele também era tricolor, não tão fanático como o filho. - garantiu meu irmão.

-Bem, agora vou para o teclado tocar o hino do Fluminense.

-Se for gravar, Daniel, faça como o pianista Arthur Moreira Lima, que o dedicou ao Ademir, ao Didi e ao Castilho. - aconselhou o Claudio.

-Ao Didi não, que ele participou daqueles 6 a 2 de 1957. É um traidor.

-Nesse dia, depois do jogo, Didi, pagando uma promessa, Didi foi a pé do Maracanã a General Severiano seguido por uma legião de fãs, mas, em respeito ao Fluminense, passou o mais longe possível da Rua Álvaro Chaves. - lembrei.

-Então está perdoado. - disse a Gina, enquanto o Daniel rumava para o teclado.

 

     

 

 

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